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Astronauta no planeta Terra

Martha Terenzzo, autora do livro "O Guia Completo de Storytelling", acredita que nossas histórias de vida são escritas por nós mesmos

Por Martha Terenzzo em depoimento a Helena Galante
26 nov 2021, 06h00
Uma ilustração de um astronauta. Ele segura uma mala e anda sobre uma miniatura de um globo terrestre. No fundo há uma imagem do espaço.
Ao longo de sua vida, Martha Terenzzo viajou muito, conheceu inúmeras pessoas e ouviu diversas histórias.  (Victor Habbick Visions/Getty Images)
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Se você pudesse mudar a história da sua vida, o que faria? Dizem que as histórias que contamos para nós mesmos têm o poder da autoprofetização. Acredito que nós somos a nossa história. A que contamos para nós e para os outros. Mas, como qualquer criança, eu não sabia disso aos 9 anos de idade.

Sou filha de Maria Sofia Inocêncio, de Trás-os-Montes, e de Antonio Terenzzo, órfão de imigrantes italianos que viveu nos cortiços do Bexiga; ambos não terminaram os estudos. Ao meu pai pedia livros no Natal e à minha mãe para me levar de ônibus à Biblioteca Municipal em Santo Amaro, para pegar livros emprestados. Escritores me levavam para novos mundos: lia tudo que podia, de Vidas Secas a Viagem ao Centro da Terra.

Numa tarde de 18 de novembro ganhei um caderno para fazer meu primeiro diário e memórias de amigas, família e professores que nele escreveriam. Nele registrei que queria conhecer aqueles mundos e pessoas. Pedia livros de presente e na maioria das vezes meus pais não tinham dinheiro para comprar. Registrei minha primeira profetização: um dia teria dinheiro suficiente para comprar todos os livros que quisesse ler.

Ao ganhar um Atlas, descobri que existiam muitos lugares para conhecer além daqueles que os escritores haviam mostrado. No meu olhar infantil visitaria Europa, Japão, centro da Terra e a Lua. Queria ver de perto tudo, me tornaria astronauta. Olhava todas as noites o céu estrelado prometendo que um dia iria a muitos desses lugares.

A curiosidade insaciável de conhecer tudo e todos despertava o desejo de escrever muito, quase sempre sobre o futuro que eu queria ter.

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Certa noite meu pai fez uma surpresa, me deu um globinho terrestre. Fiquei horas de olhos fechados apontando lugares que um dia iria visitar. Nessa noite escrevi a outra parte da minha história: viajaria para muitos lugares, conheceria muitas pessoas no planeta Terra.

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Eu não sabia que a história que eu contava para mim mesma moldaria quem eu sou hoje e que escrever meu possível futuro teria efeitos profundos nela.

Os livros, o Atlas, o globinho e o incentivo dos meus pais me levaram a estudar muito e fazer uma carreira em empresas na área de marketing e inovação. Viajei para muitos lugares distantes, conheci muitas pessoas, ouvi muitas histórias.

Na minha história eu dizia para mim mesma que o caminho seria árduo, trabalhoso e de muito suor. Eu também não sabia que isso se concretizaria, afinal esse era o único caminho para uma jovem forjada pela recompensa por meio do esforço.

Após dois casamentos e uma carreira de 25 anos, encontrei um pouco de calma. Nesse momento de quase paz meu mundo virou de ponta-cabeça num sábado de manhã. Repentinamente perdi o grande amor da minha vida: minha mãe. Ela se foi jovem, linda, cheia de vida. Atropelada por um jovem em alta velocidade às 7 da manhã, a estrela de Sofia se apagou.

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Agora eu já sabia que tinha de superar, levantar e viver um dia de cada vez: tinha muitos lugares, pessoas e histórias para conhecer.

O que eu não sabia é que após essa perda encontraria um outro amor, perderia esse amor, superaria, perderia um pai para o câncer, superaria novamente e seguiria pelo planeta em busca de mais histórias.

Não virei astronauta, mas fui para o Atacama ver o céu mais lindo do planeta, conheci o Alma, o maior rádio-observatório do mundo, vi várias vezes os anéis de Saturno. Em El Pisco vi uma chuva de meteoros. Vi a galáxia de Andrômeda e quão branca é a Via Láctea. Observei no Círculo Ártico várias noites de aurora boreal.

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Eu não sabia que aquela menina de 9 anos iria tão longe. Ao contar minha história, reforcei por que vivo e para que vivo, despertando uma autoconsciência transformadora.

Eu acredito que somos a nossa história, a que construímos e sustentamos ao longo da nossa jornada de vida. Ela fornece significado à nossa existência e muitas vezes aos outros também.

A nossa vida não é a nossa vida, é a história que contamos sobre ela.

Martha Terenzzo aparece posando para a foto. Ela é uma mulher loira, tem pele branca, cabelos cacheados e veste uma blusa na cor rosa.
(Divulgação/Divulgação)
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Martha Terenzzo (@marthaterenzzo) é autora do livro O Guia Completo de Storytelling, viajante, viciada em livros, ama tomar um bom café ouvindo histórias e olhar o céu todas as noites. Seu contato é marthaterenzzo9@gmail.com.

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Publicado em VEJA São Paulo de 1 de dezembro de 2021, edição nº 2766

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