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Cacique fala sobre o conceito do tempo para os indígenas

Adolfo Timóteo explica como a cultura do homem branco influenciou a nova rotina dos guaranis de uma aldeia em Bertioga

Por Adolfo Timóteo em depoimento a Helena Galante
2 fev 2024, 06h00

O sucesso é altamente valorizado na sociedade contemporânea. Progresso, crescimento e performance são perseguidos pela maioria das pessoas em busca de êxito, realização e felicidade. Mas há um preço que muitas vezes é pago nas moedas da pressa, do estresse e da sobrecarga. Então, como alcançar todos esses desejos de forma harmônica? Para mim, que sou um cacique da etnia guarani, pai de seis filhos, avô de vinte netos e que vive em uma aldeia em Bertioga, na Região Metropolitana da Baixada Santista, a resposta está no equilíbrio.

O conceito de tempo tal qual o homem branco conhece é relativamente novo para muitas comunidades indígenas. No meu grupo, a ideia foi introduzida há 23 anos, quando chegaram a escola e a energia elétrica à aldeia. Até então, os indígenas locais “contavam” a passagem do tempo por meio das fases da lua, pelo canto dos pássaros, pelo alvorecer e pelo crepúsculo e a partir das orientações do pajé.

Antigamente não tínhamos relógio nem rádio, vivíamos só na floresta. Não havia preocupação com horário, tínhamos as tarefas do dia, o plano de atividade. De dia era pescar, coletar frutas, caçar. Recebíamos a orientação do pajé de quando era bom trabalhar e de quando era bom ficarmos em família, sem sair da aldeia. A noite era para se recolher, descansar ou rezar. A gente sabia que era hora de acordar quando ouvia o terceiro canto dos pássaros após a meia-noite. Com a chegada da escola veio a obrigação com o horário.

Mente livre

Na condição do homem branco de ficar quase todo o tempo preso à rotina, ao celular e medindo a que horas dorme e
acorda, a mente não fica livre. Quando se está muito apressado é porque espiritualmente não se está
bem. E isso nos leva ao nervosismo e à agressão. Eu, que assim como os demais integrantes da aldeia precisei aprender a língua portuguesa para me comunicar, sobretudo quando havia algum conflito de entendimento, entendo que se deixar levar pelo ócio, pela observação, pelo amor da família é fundamental para uma vida mais fluida.

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A família para nós é muito importante. Estar juntos dos filhos, ver a mãe doar carinho e amor aos seus meninos… Felicidade é comer a fruta que você gosta, ter um cardápio variado. A gente fala muito em espiritualidade e o nosso espírito não pode estar doente. Comer comida muito salgada, muito doce, usar álcool ou fumar também traz doença espiritual. É bom deixar de lado.

Meio cidade, meio floresta

Escola, trabalho, renda fixa, luz elétrica, televisão, celular… Apesar de todos esses compromissos e pequenos confortos já serem parte da vida e da rotina dos guaranis de Bertioga, as tradições, costumes e hábitos milenares estão longe de serem apagados ou substituídos. É nessa constante mescla entre presente e passado, nesses momentos de conexão com o instintivo, é que mora a harmonia.

As crianças vão à escola, fazem as lições, vão ao médico, veem TV. Mas elas andam pela aldeia, pela floresta, vão à cachoeira, colhem, brincam livres e descalças, sobem nas árvores. Homens e mulheres fazem coisas de suas responsabilidades. Tem o resguardo da mulher, que pode durar duas luas. Essa mulher não pode cozinhar nem fazer outras atividades. Nesse período é o homem quem faz. É para isso que serve o casamento, para se cuidarem.

Coletivo ou individual?

No rastro da ideia de tempo e de pressa, o individualismo também ganhou espaço. A melhor percepção do que deve ser público ou privado, ou acessado de acordo com os limites de cada um individualmente, pode ser considerado um ganho. Mas até que ponto deveríamos, de fato, manter quase tudo na esfera do individual? E mais, em que medida isso briga com a nossa natureza?

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Aqui na comunidade, quando acontece algum desentendimento, as pessoas vêm até mim. Acontecem brigas, mas a gente apura os motivos e as pessoas envolvidas são orientadas a ter um comportamento mais pacífico para resolver a situação. Nosso povo vem do massacre, então, temos que nos entender, nos apoiar e fortalecer. E isso faz parte do equilíbrio que nos mantém de pé.

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Adolfo Timóteo é cacique da Aldeia Guarani Rio Silveira (Bertioga/SP) e parceiro da Aldeia Multiétnica, iniciativa para fortalecimento das culturas e lutas dos povos indígenas e quilombolas. @aldeiamultietnica (Divulgação/Divulgação)

A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.

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