Proust para comer: entrevista com Alice Granato, curadora do festival com as receitas favoritas do escritor
Conversei com a jornalista e escritora Alice Granato. Ela foi convidada pela Editora Sextante, responsável pelo relançamento de À Mesa com Proust ( de Anne Borrel (textos) e Jean-Bernard Naudin com prefácio do chef Alain Senderens; 192 páginas, R$ 59,90), para organizar um festival com as receitas favoritas do escritor francês, publicadas no livro. Em São […]
Conversei com a jornalista e escritora Alice Granato. Ela foi convidada pela Editora Sextante, responsável pelo relançamento de À Mesa com Proust ( de Anne Borrel (textos) e Jean-Bernard Naudin com prefácio do chef Alain Senderens; 192 páginas, R$ 59,90), para organizar um festival com as receitas favoritas do escritor francês, publicadas no livro. Em São Paulo, Alice convidou quatro restaurantes. “O entusiasmo de Marie-France Henri, do La Casserole foi tão grande, que ela montou um menu completo”, conta. Também foram convidados outros seis endereços no Rio de Janeiro. Na entrevista que fiz por e-mail, Alice conta como foi fazer a curadoria do festival que se estende até dezembro, sua ligação com a culinária francesa e o próximo projeto depois da licença-maternidade depois no nascimento de seu primeiro filho, Valente. Confira:
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Como foi seu envolvimento com o relançamento do livro?
Fui convidada para pensar num projeto em torno do relançamento. Já havia feito um trabalho semelhante em À Mesa com Monet, da mesma série [de livros relançada pela Editora Sextante]. A ideia é sempre fazer com que o público se familiarize com a obra, fique mais próximo do universo do livro. Como gastronomia para mim é cultura, adoro fazer esse paralelo da obra do escritor com seus hábitos alimentares e descobrir de que forma ele traz isso para os seus textos. Em Monet, convidamos restaurantes do campo, com hortas e ingredientes frescos para reproduzir a cozinha de Giverny [cidade na Alta Normandia onde morou o escritor e onde pintou as famosas Ninfeias]. Agora, com Proust, a ideia foi convidar somente franceses para dar nova vida às receitas do livro.
Descreva seu trabalho de curadoria com os restaurantes?
Após decidir que convidaria apenas franceses, fizemos uma seleção de lugares, em São Paulo e no Rio de Janeiro, com perfis diferentes. Enviamos o livro para os chefs e pedimos que escolhessem livremente uma receita para interpretar. Então, na lista de participantes, tem desde um clássico, como o La Casserole, até uma creperia, como a Le Blé Noir, no Rio, um dos poucos lugares da cidade que serve a sidra, bebida recorrente na mesa de Proust. Quis ver como as receitas do livro ficariam na nossa mesa contemporânea, da tradicional à moderna. Tive ótimas surpresas. O chef pâtissier Dominique Guerin, discípulo de Gaston Lenôtre, escolheu a tigelinha de chocolate, por exemplo. Em vez de um tipo de chocolate, fez uma versão trifásica, com chocolate amargo, ao leite e branco.
Adoro fazer esse paralelo da obra do escritor com seus hábitos alimentares e descobrir de que forma ele traz isso para os seus textos
O que exatamente você pediu a cada um deles?
A minha ideia foi deixar que os chefs se encantassem livremente. E que buscassem recriar a receita escolhida usando as características de sua cozinha. Roland Villard adora peixes. Para minha sorte, havia visitado este ano um hotel que Proust morou por um tempo para cuidar de sua saúde, na Normandia. Certamente as lembranças da viagem foram importantes na feitura do seu robalo. O que eu pretendia é que o livro despertasse sentimentos nos franceses e, com isso, os inspirasse para criar. A Marie [France Henri], sócia do Casserole, ficou tão empolgada que não conseguiu escolher uma receita, mas desenvolveu um menu inteiro.
Autora de um livro de cozinha brasileira, qual sua ligação com a culinária francesa?
Tenho grande admiração e respeito pela cozinha francesa. Acho fabulosa! E gosto muito do trabalho dos chefs franceses no Brasil. Fundamental para a cozinha brasileira ser o que é hoje. Franceses como Paul Bocuse e Gaston Lenôtre, em suas passagens pelo Brasil na década de 80, apaixonaram-se pelos ingredientes brasileiros, que combinados com a técnica francesa ficaram uma maravilha. Acho que contribuíram muito para olharmos para toda riqueza que temos ao redor. E ainda hoje é assim. Claude Troisgros, Laurent Suaudeau, Villard, [Dominique] Guerin, Philippe Brye, enriquecem nossa mesa tropical.
Você chegou a testar alguma receita do livro?
Ainda não testei as receitas do livro, mas pretendo começar pelas madeleines, que adoro. Em um trecho de No caminho de Swann, Proust as cita. “E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era do pedacinho de madeleine que minha tia Léonie me dava aos domingos pela manhã em Combray”.
A comida conta muita história. Consigo imaginar Proust escrevendo com uma elegante xícara de chá ao lado e perceber que considerava a cozinha como uma das belas-artes
O que mais lhe agrada À Mesa com Proust?
O que mais me agrada é sentir-me próxima universo do escritor. Entender sua atmosfera, suas referências… A comida conta muita história. Já consigo imaginar ele escrevendo com uma elegante xícara de chá ao lado e perceber que considerava a cozinha como uma das belas-artes.
Há alguma coisa você mudaria em A Mesa com Proust?
Não mudaria nada na obra. Acho essa coleção extremamente bem feita, documental, e torço para que venham outros livros para me aproximar de gênios como Monet e Proust.
Quais são suas receitas preferidas deste livro e qual obra de Proust gosta mais gosta?
A obra-referência é sempre Em Busca do Tempo Perdido, mas achei muito saboroso conhecer, ao longo do livro, trechos de outros livros que me fascinaram. Neste sentido, À mesa com Proust cumpre sua função: aguçar o leitor ( seu intelecto e paladar) e torná-lo mais próximo do autor.
Quais são seus futuros projetos? Tem algum outro livro a caminho?
Sim, acabo de voltar da minha licença maternidade (meu filho Valente completou 6 meses) e vivo uma fase muito inspirada! Tenho projetos para dois novos livros. Um deles, como não poderia deixar de ser, para crianças. E o outro é um sonho antigo que pretendo realizar, sempre na área cultural. E Sabor do Brasil vai sair em inglês. Taste of Brazil já está traduzido e meu editor, Marcos da Veiga Pereira, em breve vai lançá-lo.