Mocotó vira livro (trechos inéditos)
Trechos inéditos do livro Mocotó — O pai, o filho e o restaurante, escritos pelo poeta e publicitário Elcio Fonseca, que define a história como uma “ópera nordestina” Abertura O sol cozinhava o horizonte a fogo lento. As imagens distorcidas da casa grande completavam a sensação de vertigem no menino que manejava a enxada. Era, na verdade, uma […]
Trechos inéditos do livro Mocotó — O pai, o filho e o restaurante, escritos pelo poeta e publicitário Elcio Fonseca, que define a história como uma “ópera nordestina”
Abertura
O sol cozinhava o horizonte a fogo lento. As imagens distorcidas da casa grande completavam a sensação de vertigem no menino que manejava a enxada. Era, na verdade, uma mímica, feita para enganar ao mesmo tempo a fome e o senhor das terras, que, olhando de longe, via satisfeito um garoto forte e decidido capinando. De perto, apenas os movimentos leves, lavoura coreográfica. O calor castiga. O menino enxuga a testa e descansa os braços sobre a enxada. Seu cabo faz as vezes de um rupestre ponteiro de relógio, marcando a hora que ele preferiria esquecer, a hora do almoço.
Um punhado de feijão cozido na água. Um ascético cardápio que denunciava a impossibilidade de acesso a temperos e complementos, luxo no sertão de Mulungu, terra em que para se chegar, você precisa entrar no sertão, passar por Caruaru, Belo Jardim, Pesqueira, atravessar São Sebastião do Umbuzeiro, podendo subir para Zabelê, atravessar Monteiro, Prata, Ouro Velho e encontrar o pequeno vilarejo lá no final de Pernambuco, quase no sertão da Paraíba, no ombro do Brasil. É lá que começa uma historia que vai do feijão sem tempero ao baião-de-dois que enterneceu os mais exigentes gourmets do mundo. Uma historia de um pai, um filho e um restaurante. Vamos chegando. Puxe a cadeira e fique à vontade.
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O começo de tudo
A parteira Maria Romão com habilidade puxava a criança para fora, no quartinho dos fundos da casa de dona Quitéria, conhecida curiosamente como Glorinha. Naquele 12 de agosto de 1938 um sorriso abriu no rosto do marido, o barbeiro Alcino: mais um menino. O terceiro filho da lista de quatorze que iria se formar. Nada demais naquela casa, onde a irmã Nazareth iria contabilizar, anos mais tarde, trinta e um partos.
Na numerosa família, o menino fazia questão de dar sua contribuição. Logo cedo pegou na enxada e foi trabalhar de “alugado” para João Lulu, o tio vereador. Na semana de seis dias, três eram do tio, três do pequeno José. Valente como Davi, o menino andava légua e meia, trabalhava de sol a sol para apurar, no final da jornada, uma moeda de 500 réis. Dinheiro essencial para complementar os parcos proventos provenientes dos cortes “meia cabeleira” de seu Alcino na pequena Mulungu. A base dessa infância não diferia muito de outros personagens de cenários similares. O menu do dia: banana e açúcar. Ou um ou outro por vez, bem entendido. Fonte de energia, proteina, carboidratos e vitaminas que vão de A a E, não se aconselha, entretanto, seu uso como fonte única de alimentação, pois contém pouco cálcio e muito fósforo, causando desequilíbrio alimentar bastante comum, que prejudica a formação e a manutenção da estrutura óssea. Sem esse conhecimento nutricional à epoca, o sonho que embalava o pequeno José era “ficar rico”. Pra que, menino? Comer banana junto com açúcar todo dia!
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