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O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também comanda o Cozinha do Lorençato, um programa de entrevistas e receitas no YouTube. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Imóvel da discórdia

Moradores do Edifício Dolores não querem que o sobrado vizinho, que faz parte do mesmo condomínio, seja ocupado pelo Dinho's Place nem outro restaurante

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Atualizado em 20 jan 2022, 14h07 - Publicado em 7 jan 2021, 12h00
Edifício Dolores
 (Arnaldo Lorençato/Veja SP)
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Como contei em primeira mão aqui no blog e nas páginas da edição semanal de VEJA SÃO PAULO em 13 de novembro (clique para ler), o tradicional Dinho’s Place trocará de endereço. Depois de seis décadas em uma esquina do Paraíso onde foi fundado, o restaurante vai para a região dos Jardins. Mas essa não será uma mudança tranquila.

A churrascaria deve ocupar dois imóveis, um alugado da chef de cozinha Ana Luiza Trajano no número 70 da Rua Professor Azevedo Amaral, o mesmo no qual funcionou o restaurante Brasil A Gosto, de 2006 a 2016, o outro, uma casa vizinha e de esquina no número 48 na mesma via, onde esteve instalado o escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados Associados, de José Marcelo Braga Nascimento, proprietário do sobrado de aproximadamente 460 metros quadrados. É neste ponto que reside a discórdia.

O segundo imóvel, embora totalmente independente, integra o condomínio do Edifício Dolores, de uso residencial, com onze pavimentos e entrada independente pela Rua Barão de Capanema – ou seja, os fundos do prédio é que dão para o sobrado. São os moradores do condomínio que determinam os tipos de uso da “casa assobradada de 4 cômodos e três banheiros no pavimento inferior e de 5 cômodos e 4 banheiros no pavimento superior”, como se registra na convenção condominial e na qual é descrito como “unidade autônoma nº 101”.

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Imóveis vizinhos em obras, o sobrado de esquina da Rua Professor Azevedo Amaral, 48, e o antigo Brasil A Gosto, no número 70: a cozinha ficará no 70 (Arnaldo Lorençato/Veja SP)

Em entrevista com o advogado Ricardo da Rocha Neto, representante do Condomínio Edifício Dolores, ele explica que os moradores do prédio não devem ser incomodados, já que há pessoas da sociedade paulistana entre os residentes, caso de um famoso jurista, do qual deixa escapar o nome. Também questiona o estorvo que seria um deles passear com o cachorrinho e encontrar um cliente do restaurante flanando na Rua Barão de Capanema. “Na convenção do condomínio, veda-se expressamente restaurantes e atividades que possam trazer incômodo”, afirma, ao mesmo tempo que recorda que “o número 101 é uma unidade autônoma, do Dolores, construído há aproximadamente 45 anos. Tem acesso apenas pela área externa e não utiliza elevador.”

Não é a primeira vez que esse tipo de conflito acontece. Antes de Braga Nascimento ter adquirido o imóvel para montar um escritório de advocacia, o sobrado havia pertencido a Ana Luiza Trajano, que sonhou instalar nele um ateliê culinário, e, possivelmente, a futura sede de seu Instituto Brasil A Gosto. A chef não conseguiu levar o projeto adiante.

“Desisti porque não queria comprar briga. Saía bem estressada das reuniões de condomínio. As pessoas de lá eram cheias de soberba. Elas infernizavam. Uma moradora chegava a me ligar aos fins de semana para reclamar do barulho do Brasil A Gosto, que nem estava aberto naquele horário. O ódio mortal deles é restaurante”, disse Ana Luiza na conversa que tive com ela por telefone.  “É um carma que ninguém precisa.”

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A chef de cozinha também deixou claro que preza pela transparência nos negócios e descreveu ao atual proprietário todos esses detalhes antes da venda. “É minha responsabilidade informar a pessoa onde ela está entrando.”

Nos anos em que o escritório de advocacia esteve nesse endereço, não se descreveram relatos de problemas. Quase um mês depois que publiquei a nota em VEJA SÃO PAULO, mais precisamente em 10 de dezembro, teve início a ação contra José Marcelo Braga Nascimento e o Dinho’s Place.

Edifício Dolores
A fachada do Edifício Dolores: condôminos não toleram a ideia de ter um restaurante como vizinho (Arnaldo Lorençato/Veja SP)

“Não estou fazendo o restaurante dentro do Dolores. As entradas são distintas, as garagens são distintas”, contrapõe Braga Nascimento. O advogado assegura que o dono do terreno, na construção, manteve a casa vizinha para poder erguer o edifício em uma altura maior do que a permitida à época.

Braga Nascimento também conta que entrou em contato com a síndica “porque estou pagando cerca de 20 000 reais por ano para não ter benefício nenhum. Estou pagando uma coisa indevida, 3% na fração do condomínio.  A garagem, a limpeza e a água são de minha responsabilidade. Não tenho segurança, não tenho nada”, queixa-se. Aliás, queixa que já tinha sido registrada oficialmente em janeiro de 2014, depois de Braga Nascimento ter adquirido a unidade autônoma no ano anterior. “Pensei várias vezes em interromper esse pagamento absurdo e acabou passando”, afirma.

Na ação, os representantes do Edifício Dolores alegam que Braga Nascimento não salda a taxa de condomínio desde novembro de 2020. “Como a casa foi alugada neste período outubro ou novembro de 2020, pode ser que o financeiro do escritório tenha esquecido. Mas são só dois meses, nada de extraordinário”, garante Braga Nascimento.

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Em 18 de dezembro, no despacho do agravo de instrumento assinado pelo relator Almeida Sampaio, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o representante do judiciário assinala que Braga Nascimento “aduz não haver proibição específica na convenção condominial, e ser o rol de atividades comerciais descrito na convenção meramente enumerativo”. Em outro trecho, o relator destaca que o proprietário da unidade autônoma “ressalta que as atividades de cozinha não serão realizadas no imóvel do agravante, afastando-se, assim, eventual dano e problemas com odores e movimento excessivo”.

O relator Almeida Sampaio deferiu em parte o efeito suspensivo. Houve por bem permitir “que as obras prossigam”, mas manteve a decisão “para o impedimento da abertura de um restaurante”. Não esmiúça no veto o motivo da proibição. É curioso esse tipo de proibição, uma vez que a Rua Barão de Capanema, na qual se inicia a Professor Azevedo Amaral está coalhada de restaurantes — um dos mais recentes, senão o mais recente, a ser aberto naquela via e a duas quadras dali foi o Beef Bar, franquia de uma casa de grelhados de Mônaco que tem como responsável por sua chegada ao país o piloto Felipe Massa.

O enredo dessa batalha jurídica pelo uso da “unidade autônoma número 101” do Edifício Dolores está apenas começando. Muitos rounds devem se seguir nesse conflito judicial. Que prevaleça o bom-senso.

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