Morre Vó Tutu, benfeitora social, aos 73 anos
Ganhadora do prêmio Causa Social de VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER, a moradora da Vila Brasilândia doava 2 000 pães todos os dias para a vizinhança do bairro

Uma das últimas vezes que estive pessoalmente com a querida Vó Tutu foi no ano passado, durante as gravações da primeira temporada do Cozinha do Lorençato. Embora o programa com ela tenha ser tornado o oitavo episódio, foi o primeiro a ser gravado. Ela chegou com um sorrisão enorme, acompanhada da filha Vania e do neto Mayan, um geniozinho do vídeo.
Ela vinha falar de seu trabalho como benfeitora na Vila Brasilândia, onde com o apoio de doadores de matérias-primas e equipamentos, distribuía pães e chá para os moradores do bairro. E ensinou a receita mágica de juntar água, farinha, manteiga e fermento para fazer bisnaguinhas deliciosas. Ela sabia o que era fome e a missão dela era partilhar.
Depois, falamos várias vezes, em todas as ocasiões festivas, incluindo Natal e Páscoa. Apesar da saudade apertada, depois da festa de lançamento do programa, não voltamos a nos encontrar ao vivo. Não será mais possível. Vó Tutu, a Maria Paulina Avelino Marques da Silva, partiu nessa manhã aos 73 anos, vítima de um infarto.
Conversei com Vania agora há pouco. Vó Tutu tinha sentido uma dor no peito e foi levada pela filha ao hospital. Lá fez exames e o plantonista disse que não era nada sério. Ela voltou para casa, mas o coração fraquejou pela manhã. Uma pessoa admirável, que na infância passou por situações muito delicadas, como a convivência com um pai abusador, fato que revelou no Cozinha do Lorençato.
Conversar com ela era um prazer. Uma mulher sábia que enfrentou dificuldades na vida, muitas. Sabia como poucos duas contas aritméticas: multiplicar e dividir. Inventou a multiplicação dos pães que ela mesma começou a fazer. Depois, ganhou ajuda para esse trabalho pesado.
Das 100 unidades iniciais, fez a multiplicação para 2 000 diárias, seguida da divisão com os moradores da vizinhança e também com alguns projetos sociais. Produzir para doar.
Esse empenho deu a ela o prêmio Causa Social de VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER em 2023. Antes, de conceder o título pelo guia anual, fui visitá-la. Foi aí que surgiu o amor e o respeito por ela. Ela me conquistou com sua voz suave e uma doçura incrível.
Vó Tutu foi uma mulher transformadora, revolucionária à sua maneira. Empenhava-se em alimentar quem tinha menos do que ela com um café da manhã digno com pãezinhos que ela mesma fazia.
Com sua partida, fica um vazio imenso, que espero seja preenchido pela fila dela, Vania. Fica a saudade. Vó Tutu era o pão da vida.
Confira o texto de apresentação do Cozinha do Lorençato
Prêmio Causal Social de VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER em 2023, Maria Paulina Avelino Marques da Silva, a Vó Tutu, distribui uma fornada de mais de 2 000 pãezinhos preparados de segunda a sexta na pequena padaria instalada num salão em cima da casa onde ela mora na Vila Brasilândia, num dos extremos da Zona Norte paulistana.
Além da paixão pela cozinha, ela sempre gostou de ajudar as pessoas à sua volta. Nos catorze anos de trabalho no serviço de limpeza da unidade pediátrica do Hospital das Clínicas, costumava ofertar marmitas para mães e pais com filhos doentes e em situação financeira precária.
Desde o início da pandemia, Vó Tutu passou a ajudar quem tinha fome na Vila Brasilândia, um dos bairros mais carentes de São Paulo “Precisava ajudar meus iguais”, costuma dizer. As 100 unidades iniciais viraram hoje até 2 600, entregues de segunda a sexta com chá. Ela é a alegria dos vizinhos necessitados no café da manhã.
A senhora de 73 anos que hoje comanda o Instituto Ações Sociais Vó Tutu se abre para um papo lindo e sincero. Falou da vida dura na infância, da fome que sentia e, do pior, o pai truculento.
Também conta que nunca teve vocação para vendas, embora tenha aberto um restaurante pouco antes da pandemia, que acabou fechando por causa dessa crise sanitária que vitimou o mundo.
Sem nunca perder fé ou esperança, ela diz também como agarrou a ideia de minorar a fome com um projeto tão bonito. Seu instituto vive basicamente de doações.
A benfeitora social foi a oitava convidada do Cozinha do Lorençato, programa de entrevistas e receitas transmitido pelo YouTube de VEJA e na plataforma de streaming VEJA+. Assista aqui ao episódio.

Leia o texto da premiação de Causa Social
De segunda a sexta pela manhã, uma pequena aglomeração se forma em frente ao imóvel onde funciona o Instituto Ações Sociais Vó Tutu. São moradores da vizinhança na Vila Brasilândia, periferia da Zona Norte, em busca de alimento. Para quem sabe o que é a fome, um alento. São distribuídos diariamente 2 000 pãezinhos no formato de macias bisnaguinhas assadas na tarde anterior junto de 300 litros de chá — na quarta, são 2 600 unidades (400 vão para o projeto Pãozinho Solidário).
O nome por trás dessa ação generosa é o de Maria Paulina Avelino Marques da Silva, 71. A proposta de amparar quem precisa é antiga e se fortaleceu na pandemia. Pouco antes de a crise sanitária ser decretada, Vó Tutu, como é conhecida, tinha realizado um sonho de empreendedora. Ela, que ganhava a vida cozinhando em eventos e vendendo comida para fora, conseguiu, com a ajuda dos filhos, montar um restaurante na Freguesia do Ó, que durou apenas três meses. Sem saber o que fazer, ouviu um sopro, uma inspiração sugerindo que ela fizesse pão para doação.
Com o dinheiro que tinha na conta, preparou a primeira fornada com 200 unidades amassadas com as próprias mãos e assadas no forno da casa onde mora até hoje, no piso de baixo do espaço transformado em organização social. No segundo dia, havia mais de cinquenta pessoas em busca das bisnaguinhas. Sem recursos para continuar, a solução veio do neto Thalys, de 8 anos na época, que sugeriu gravar um vídeo pedindo colaborações, prontamente editado pelo irmão dele Mayan, quatro anos mais velho. “Estava muito nervosa, fiz um vídeo muito tosco, que ele jogou nas redes sociais. No outro dia, foi uma loucura, tinha fila de gente querendo ajudar, doando farinha, fubá…”, lembra.
Uma das pessoas a notar as ações de Vó Tutu foi Paola Carosella, primeira premiada em causa social, em 2019, ao assistir ao vídeo e participar, com Ana Paula Padrão, de uma ação promovida pelo dentista Felipe Rossi, da ONG Por1Sorriso, na Brasilândia. Dona de uma voz potente, Paola pediu doações e, assim, Vó Tutu ganhou os equipamentos profissionais. Em 2021, Vó Tutu, que já tinha recebido outros equipamentos de Luciano Huck, apareceu no Domingão com Huck e foi contemplada com uma reforma do espaço.
Não acredite, porém, em requinte. A padaria é um lugar simples, e a batalha é diária, na qual ela tem a ajuda, em particular, da filha Vânia, presidente do instituto, e da nora Edilaine, responsável pela produção dos pães, uma vez que Tutu tem pinos no pé esquerdo e não pode permanecer muito tempo de pé. Ela agora também dá aulas em entidades como o Tonkiri, ensinando a receita do pãozinho. E segue garantindo o café da manhã para mais de 100 famílias por dia.
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