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A vida na barraca: as histórias de quem vive acampado nas ruas da cidade

No início de 2022, um censo promete revelar o crescimento da população de rua na capital; Vejinha mostra os dramas por trás dos números

Por Pedro Carvalho
Atualizado em 23 dez 2021, 12h57 - Publicado em 23 dez 2021, 06h00

Clima família na ZO

Faz um ano que Adriana Lara da Silva, 45, mora embaixo do Viaduto Antártica, em frente ao Shopping West Plaza, em Perdizes. Quem passa por ali repara que existe uma comunidade bem estabelecida no pedaço, com televisão e poltronas para a convivência.

Imagem mostra mulher sentada em cadeira mexendo em árvore de Natal.
Imagem mostra diversas barracas azuis e verdes ao lado de um canteiro. Ao fundo, um prédio antigo. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Quase todos os moradores são catadores de materiais recicláveis. Ex-recepcionista de uma empresa em Guarulhos, Adriana está desempregada desde 2019. Chegou a morar nas ruas da Lapa, mas prefere a “maloca” atual (é como ela chama o espaço).

“Aqui tem um clima familiar. Ninguém usa drogas pesadas, não tem furtos nas barracas. Todo mundo se ajuda: se um vai buscar água, outro varre a calçada”, conta, enquanto monta uma árvore de Natal.

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A maior dificuldade, dizem os moradores, são os frequentes “rapas” da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana. “Vêm toda semana e levam tudo o que estiver fora das barracas. Levaram até ração de cachorro”, diz Anderson Tomes, 40, companheiro de Adriana.

Atropelado ao dormir

Na manhã de 27 de outubro de 2020, o pintor José Ribeiro de Souza Júnior, 39, dormia sozinho na barraca que montou sob o Minhocão, no início da Rua Amaral Gurgel, na Vila Buarque.

A esposa, Cecília, 40, tinha saído com a cachorra Amora para buscar comida para o almoço, que eles cozinham usando uma lata com álcool para fazer a chama.

Imagem mostra homem sentado em cadeira de rodas, com uma bermuda vermelha, em frente a uma barraca.
José e Amora: planos adiados pelo acidente (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Perto das 11 horas, um Jeep Renegade invadiu o canteiro central, arrastou José e a barraca por 6 metros e acabou na outra pista da rua. “Parecia um pesadelo”, ele relembra. “Eu sentia muita dor, não conseguia falar. Em vez de me ajudar, a motorista ficou discutindo com o outro homem que se envolveu no acidente, enquanto eu tentava pedir socorro”, relata.

José quebrou cinco costelas, cinco vértebras e a bacia, onde tem um parafuso. Conta que a autora do atropelamento jamais deu algum suporte a ele — a cirurgia foi feita na Santa Casa de Misericórdia, que fica perto dali. “Eu estava quase saindo das ruas, graças ao meu trabalho. Agora, como o parafuso saiu do lugar, vou ter de operar de novo. Acho que levo mais um ano para voltar a trabalhar”, diz.

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Sem lapsos na biblioteca

A gaúcha Janete Silva, 22, tem uma história comum entre as mulheres em situação de rua: saiu de casa porque sofria abusos sexuais de um parente.

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Veio para São Paulo pouco mais de um ano atrás, após ouvir que seria a “terra dos empregos”. Não achou ocupação fixa na capital. “Tem muitos empregos, mas muita gente também”, ela diz. Chegou a dormir uma noite na Praça da Sé, mas achou o lugar inseguro — há relatos de brigas e furtos de pertences entre os moradores das barracas.

Imagem mostra uma mulher e um homem sentados em uma escada.
Janete, Rayffe: sonho de estudar em Etec. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Vive perto dali, nas calçadas do Pátio do Colégio, com o companheiro, Rayffe Marinho, 24. “É uma área mais tranquila, embora tenham roubado nossa barraca em uma ocasião”, conta. O casal usa bibliotecas públicas para estudar para as provas de admissão nas escolas técnicas estaduais (Etecs), onde eles pretendem concluir o ensino médio.

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No dia 15, após falar com VEJA SÃO PAULO, os dois iriam a uma livraria da região. “Pegamos um livro emprestado da Biblioteca de São Paulo (em Santana) e acabamos perdendo”, diz Rayffe. “Vamos comprar outro exemplar para repor”, conta

Angústia pelos amigos

Há quatro meses, Hilda Josefa, 50, vive em uma das mais de sessenta barracas montadas atualmente na Praça da Sé. Desempregada, não conseguia mais pagar o aluguel de 400 reais em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. Decidiu encarar a vida nas ruas com o marido, José Carlos, 47, que trabalha como pedreiro.

Imagem mostra mulher sentada dentro de barraca.
Hilda, na Sé: chuva no primeiro dia. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Ainda se lembra do primeiro dia na barraca. “Caiu uma chuva muito forte, parecia um teste para ver se a gente aguentaria mesmo a nova realidade”, conta Hilda, que vende bebidas e cigarros aos frequentadores da praça — a dose de Corote custa 50 centavos.

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Em dias de alto movimento, chega a faturar 100 reais. Com o dinheiro, o casal está construindo uma casa em Osasco. “Dizem que na Praça da Sé rolam bebida, drogas… Mas em qual bairro não tem isso? As pessoas acham que os pobres só têm direito a comer, não podem se divertir”, ela diz.

Ao falar sobre a futura casa, Hilda chora. “Fiz amigos aqui. Fico triste porque sei que vou sair da Sé, mas o que vai ser deles?”, pergunta.

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Publicado em VEJA São Paulo de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770

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