Continua após publicidade

Vereadores transformam Câmara em ‘templo’ uma vez por semana

A casa foi sede de 24 atos de cunho religioso entre janeiro e junho, com custos pagos pelo Legislativo

Por Estadão Conteúdo
Atualizado em 27 dez 2016, 16h52 - Publicado em 4 jul 2016, 12h19
Câmara-Municipal-lei-de-zoneamento
Câmara Municipal de São Paulo (Tuca Vieira/Folhapress/Veja SP)
Continua após publicidade

“Amém”, “Aleluia, irmãos”, “glória a Deus”. Sempre acompanhadas de exclamações efusivas, essas palavras têm sido ouvidas cada vez mais em um local onde todos os temas deveriam ser discutidos e tratados, mas nenhuma oração, de crença nenhuma, deveria ser proferida: a Câmara Municipal de São Paulo. Ela é o endereço de pelo menos um encontro religioso por semana neste ano.

Levantamento feito pela reportagem na agenda de eventos do Cerimonial da Câmara mostra que a casa foi sede de 24 atos de cunho religioso entre janeiro e junho (praticamente um por semana), com custos pagos pelo Legislativo. Os vereadores e entidades envolvidas dizem que exercem a liberdade de expressão nesses encontros e afirmam não cometer ilegalidade. Especialistas em direito constitucional ouvidos pela reportagem discordam.

+ Artista Ivald Granato morre aos 66 anos

Muitos disfarçam a natureza do evento, transformando as sessões de louvor em “homenagens” a personalidades da cultura gospel ou ao aniversário de inauguração de algum prédio religioso. Alguns, por outro lado, nem se esforçam para isso.

Com reuniões mensais desde 2014, o Grupo de Oração Ministério Ágape Reconciliação, ligado à Igreja Bola de Neve, chega a reunir 200 participantes no Auditório Prestes Maia, no 1º andar do Palácio Anchieta.

Os encontros duram três horas. Têm pregação, momentos fervorosos de oração – em que os fiéis dão as mãos, fecham os olhos e pedem a intervenção do Espírito Santo – e muita doutrina. O grupo pode ocupar o espaço a pedido do vereador Eduardo Tuma (PSDB) – autor do projeto de lei, vetado anteontem pelo prefeito Fernando Haddad (PT), que queria instituir o Dia de Combate à Cristofobia.

Continua após a publicidade

Pregações

“Se alguém vier falar para vocês que o islamismo é uma religião de paz, é mentira. Eles fazem todo cristão renunciar a Jesus Cristo. Todos são convocados para a matança de cristãos”, afirmou um homem ao microfone em um dos encontros do Ágape, em fevereiro.

E a pregação também não deixa de tratar de temas políticos. “Quero pedir perdão. A gente sabe que existe algo chamado Foro de São Paulo, e sabemos que nosso governo atual (na época, de Dilma Rousseff) está envolvido nisso. Nós Te pedimos perdão por alianças com países que estão tentando implantar o comunismo, que já estão em processo de doutrinação desde a época em que houve ditaduras em toda a América Latina. Pedimos que tende piedade de nós, porque essa é uma doutrina feita por um satanista chamado Karl Marx”, afirma outro homem, no encontro.

+ ‘Tive vergonha de denunciar’, diz Luiza Brunet

Os discursos também trazem a visão religiosa para assuntos ligados aos direitos civis: “Pedimos perdão por todo tipo de casamento gay, de doutrinação”, afirmou outro fiel no evento.

Continua após a publicidade

No dia 18 de abril, o momento evangélico ocorreu no Salão Nobre, no oitavo andar do prédio que fica no Viaduto Jacareí, centro da capital. Iniciativa de Noemi Nonato (PR), missionária da Assembleia de Deus, autora do projeto de lei que incluiu o Dia do Círculo de Oração no calendário de festas paulistano. Em certo momento, um grupo de seis mulheres com vestidos semelhantes a fardas militares roubou a cena, cantando e dançando uma animada coreografia. “O sonho não pode acabar, Deus está sempre ao teu lado”, entoavam. “É hora de se levantar, não desista de lutar, o escolhido de Deus não para não, mesmo que esteja em uma prisão.”

Louvorzão

Em encontro chamado “Louvorzão Fé São Paulo”, no dia 10 de junho, no Plenário Primeiro de Maio – local onde os projetos de lei são discutidos e votados pelos vereadores, a ideia foi homenagear “os representantes da música gospel”. Foi um evento proposto pelo vereador Jean Madeira (PRB), pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. “Se diziam que não tinha como acontecer isso na Câmara, pronto. Já está acontecendo. Uma salva de palmas para Jesus.”

Madeira pregou, cantou, orou e reclamou que fez o pedido para que houvesse música gospel na Virada Cultural – mas não foi atendido. “Queremos fazer e avançar cada vez mais na cidade de São Paulo.”

Procurada, a Presidência da Câmara informou que os vereadores têm direito de requisitar os auditórios para eventos particulares – o Estado contou quase oitenta somente neste ano. E destacou que os assuntos tratados nas cerimônias são de responsabilidade do parlamentar que convocou o encontro.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe semanalmente Veja SP* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de São Paulo

a partir de 39,96/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.