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“Já tem gente me conhecendo na rua, viu?”, diz governador Rodrigo Garcia

Mais discreto que Doria, político quer se afastar das polêmicas do ex-chefe e pretende modificar programa que obriga PMs a usar câmeras nos coletes

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 10 jan 2023, 17h14 - Publicado em 14 abr 2022, 06h00

Desde que assumiu, há duas semanas, o controle do estado mais rico do Brasil, com um orçamento de 286 bilhões de reais e um PIB oito vezes maior (2,32 trilhões de reais, mais do que o de países como Polônia, Chile, Bélgica e Argentina), o governador Rodrigo Garcia (PSDB), 47, começou a correr contra o tempo.

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Seja para entregar grandes obras ou pequenos feitos em ano eleitoral, seja para se descolar da atual imagem de seu antecessor, João Doria (PSDB), ele tem adversários na corrida eleitoral ao governo que estão à sua frente nas pesquisas, caso de Fernando Haddad (PT), Márcio França (PSB) e em alguns cenários o ex­-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), o postulante apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ainda desconhecido pela maioria absoluta dos eleitores paulistas (85% não sabem quem é o novo governador de São Paulo, segundo o Datafolha), Garcia diz que não é hora de falar em eleição e acredita que conseguirá reverter seu desconhecimento quando a campanha começar para valer, a partir de agosto.

Imagem mostra homem de camisa branca em sala com mesa, cadeiras, bandeiras do Brasil e de São Pauloe um quadro de um homem no chão, encostado na parede
O mesmo gabinete: quadro de Covas. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

“Mas já tem gente me conhecendo na rua, viu? Hoje fui a uma padaria e uma mulher perguntou se eu era o governador”, ri o tucano, que recebeu Vejinha em seu gabinete no último dia 2, enquanto preparava a mudança definitiva para o Palácio dos Bandeirantes. Além da esposa e dois dos três filhos (a filha mais velha mora na Itália), ainda se mudarão para o local quatro cachorros, um gato e um coelho.

De perfil mais discreto e menos suscetível a embates públicos na comparação com o ex-chefe, Rodrigo Garcia optou por tomar posse em uma unidade do Bom Prato, na favela de Paraisópolis, a poucos quilômetros do Palácio dos Bandeirantes, em vez de fazer um grande evento, como todos os seus antecessores, e congestionar corredores, salões, auditórios e a Avenida Morumbi.

Imagem mostra homem sorrindo em volta de pessoas que aplaudem. Ele sorri.
Posse no Bom Prato: sem cerimônia. (Crédito/Divulgação)

“Não é o momento de festa, de solenidade”, diz (veja mais detalhes sobre este e outros temas ao final da matéria). O simbolismo de assinar o termo de posse em uma mesa de plástico ao lado de pessoas simples tem como estratégia passar uma imagem mais amena e simpática da mostrada por João Doria nos últimos anos.

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Na relação com o secretariado, saem as grandes e rígidas reuniões com todos os assessores no palácio (os celulares eram “confiscados” por Doria para não dispersar a turma, e quem chegava atrasado pagava multa) para encontros itinerantes, em viagens pelo estado, feitas de ônibus. “Às segundas e sextas, eu e os secretários passaremos o dia nas regiões. Temos mais de vinte encontros agendados”, afirma Rodrigo, que pode embarcar nos ônibus, mas por questões de segurança e agilidade deverá optar pelos trajetos de helicóptero.

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Nos dez primeiros dias como gestor do estado, o tucano foi a São José do Rio Preto, Franca, Mogi das Cruzes, Piracicaba, ABC Paulista e Marília. A mudança na logística das reuniões, além de aproximar governador e secretários dos prefeitos (e futuros eleitores, claro), tem como objetivo facilitar a liberação de questões locais.

Para isso, um terceiro escalão do governo se dividirá em estandes para resolver as pendências, em uma espécie de Poupatempo de demandas públicas. A medida, além de evitar o deslocamento de prefeitos e assessores ao Palácio dos Bandeirantes, visa a apresentar um vultuoso e bilionário programa que vai distribuir mais de 3 000 tratores, ambulâncias, viaturas e caminhões às cidades.

Os encontros sempre findam com um discurso de Garcia após as entregas das chaves e dos veículos. Com o microfone em mãos, o sotaque interiorano e o discurso moderado se assemelham mais a de um ex-tucano histórico, Geraldo Alckmin, hoje no campo adversário do PSB.

Imagem mostra homem de camisa branca e óculos sentado em mesa, levantando uma das mãos.
Durante entrevista: eleição só a partir de agosto. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Para evitar problemas com a Justiça Eleitoral, a verba de 1 bilhão de reais para o programa Nova Frota SP está vinculada ao orçamento de 2021. No último dia 7 de abril, data em que o ex-prefeito Bruno Covas completaria 42 anos, governador e secretários foram à prefeitura paulistana para uma reunião em conjunto com o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e seus auxiliares.

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Em gesto inusual (em geral é o prefeito que vai ao encontro do governador), Garcia, que mantém em seu gabinete um quadro de Covas e uma camiseta dos Tucanáticos, a ala jovem do PSDB (uma vestimenta idêntica foi utilizada pelo filho de Bruno, Tomás, no velório do pai), tratou de questões como moradores de rua e a Cracolândia. “Vamos liberar 10 000 bolsas de trabalho. Serão quatro horas por dia de serviço e cada trabalhador receberá 540 reais por mês, que se soma ao auxílio aluguel da prefeitura. São várias estratégias.”

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O programa estadual citado por Garcia existe há mais de vinte anos, mas quando direcionado à Cracolândia poderá encontrar semelhanças ao projeto De Braços Abertos, do ex-prefeito Fernando Haddad, que oferecia trabalho a dependentes químicos e foi criticado (e descontinuado) pelos tucanos.

A aproximação de Nunes e Garcia pode culminar com a indicação do vice na chapa que vai concorrer à reeleição. Recém-filiado ao MDB, legenda do prefeito, o ex-secretário de Saúde Edson Aparecido é um dos principais cotados para o posto. A escolha contraria a pretensão de João Doria, que deseja indicar o ex-ministro Henrique Meirelles para a vaga.

Seja na relação com secretários e aliados, seja na escolha do futuro candidato a vice, Rodrigo Garcia se posiciona de forma distinta do seu antecessor, de quem se afastou após o pré-candidato a presidente pelo PSDB ameaçar desistir de deixar o cargo no dia 31 de março, último dia para a desincompatibilização de cargo.

A ação gerou um grande rebuliço político no Palácio dos Bandeirantes, mas terminou com o que havia sido combinado desde o início. Garcia evita falar do tema. “Foi muita especulação. Foram coisas naturais, nada que tenha mudado o rumo”, afirma.

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Mudanças de rumo poderão ocorrer, no entanto, em um tema caro à gestão tucana. Um dos projetos com mais visibilidade na atual administração, a instalação de câmeras em coletes de policiais militares, que reduziu os confrontos em 87% e é motivo de queda de um terço nos registros de resistência durante abordagens, pode estar com os dias contados.

Atualmente existem 5 600 câmeras em funcionamento, e a meta é (ou era) atingir a marca de 10 000 aparelhos. “As câmeras ajudam em determinadas ações policiais, como na Polícia Rodoviária e em radiopatrulhas, mas para operações especiais, como Rota e Choque, eu realmente tenho dúvidas”, afirma Garcia.

A preferência do novo governador é vista por aliados como um sinal à ala da PM resistente ao sistema e, principalmente, ao setor mais alinhado com o bolsonarismo do que com o tucanato. Na semana passada, o ex-ministro Tarcísio de Freitas sinalizou, em caso de vitória, que vai acabar com a medida. A ideia foi rebatida por entidades de segurança e de direitos humanos.

Em meio a guinadas políticas e gerenciais, o novo governador iguala em partes o que pensa João Doria sobre um determinado assunto: a relação do Bandeirantes com o Planalto “A União virou as costas para São Paulo. Em três anos e três meses, deixaram o estado no fim da fila em vários temas. Para falar de apenas um deles, cito orçamento do Dnit (para pavimentação de estradas paulistas, entre outras demandas)”.

Imagem mostra várias pessoas segurando um troféu dourado. Em destaque, um homem de camisa azul e calça jeans, sorrindo com as mãos na taça.
Entrega do título paulista ao Palmeiras: “Mas eu sou santista”. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Para 2022, o órgão pretende liberar 14 milhões de reais para São Paulo, menos do que todos os outros estados, incluindo Santa Catarina, o primeiro do ranking, que receberá 259 milhões de reais para tocar obras de infraestrutura. Para compensar a perda de um lado, a gestão tucana vai aproveitar o bom momento econômico do estado e o caixa cheio para investir 6,5 bilhões de reais para recapear 5 800 quilômetros de estradas paulistas.

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Como comparação, a maior distância entre dois pontos no Brasil, do Norte ao Sul, de Roraima ao Rio Grande do Sul, tem 4 400 quilômetros. Haja asfalto em ano eleitoral. Nascido em São José do Rio Preto, Rodrigo Garcia conhece cada sala e antessala do Palácio dos Bandeirantes, o qual frequenta desde os 20 anos, quando foi assessor de Mário Covas.

Foi deputado estadual e federal, além de secretário estadual dos ex-governadores José Serra, Geraldo Alckmin e João Doria. Formado em direito, ele mantém nas paredes do seu gabinete de vice quadros com cada diplomação. A estrutura não será desmontada e Garcia não se mudará para o gabinete que foi de João Doria, em frente ao seu, espaço que utilizará apenas para reuniões maiores.

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Morador dos Jardins, vai residir no Bandeirantes por questões de logística e segurança. “Vamos levar apenas objetos pessoais. Apesar de o Doria não morar na ala residencial, ela não foi desmontada”, relata Garcia, que afirma ter gostos simples na hora das refeições, como arroz, feijão e uma proteína. “Estou acima do peso, fiquei parado, mas vou voltar a caminhar e a correr. Preciso fechar a boca.”

Além das roupas e de pequenos pertences, o governador levará para o palácio seu Fusca ano 1969, que utiliza como hobby. Na TV do gabinete ou da sua casa, não consegue assistir a séries “por falta de tempo”, mas viu com a filha O Golpista do Tinder (“não gostei”). À noite, tem assistido a Pantanal, que lhe traz recordações da adolescência, tempo em que as cobras podiam ser vistas apenas no sinal analógico.

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Imagem mostra família dentro de carro, todos sorrindo. Um homem de roupa verde está dirigindo, e uma mulher está tirando a foto. Os três filhos estão no banco de trás
Com os filhos e a esposa: Fusca ano 1969. (Arquivo pessoal/Reprodução)

“As câmeras precisam filmar o bandido, não a polícia”

Garcia vai dialogar com o comando da PM antes de decidir sobre o sistema acoplado aos uniformes. Confira entrevista pingue-pongue com o governador:

Por que o senhor preferiu tomar posse em uma unidade do Bom Prato a fazer uma solenidade no Palácio dos Bandeirantes?

Eu quis passar uma imagem simbólica de quem eu sou. É o estado mais desenvolvido, o maior polo de desenvolvimento e emprego. Perto daqui, Paraisópolis sempre me intrigou. Quando eu era secretário, entreguei aquela unidade do Bom Prato há dez anos. Nesse período, o Brasil andou para trás, tem o coronavírus, não é momento de festa.

O seu nome aparece atrás nas pesquisas, é pouco conhecido dos paulistas e traz consigo uma rejeição do ex-governador João Doria. Como reverter esse quadro?

Vou focar muito no governo até agosto. Temos muita coisa para realizar. Só depois disso, definida a chapa, vou começar a pensar na campanha. Portanto, meus adversários saibam que não adianta bater boca comigo. Vou governar São Paulo.

Mas e a rejeição ao ex-governador João Doria?

Eu vou defender nosso governo, o legado de investimentos, não existe essa preocupação. Podem ter implicância com o Doria, mas foi ele quem trouxe a vacina para o Brasil. Ninguém tira isso dele.

Pretende deixar a sua marca nesses nove meses de gestão?

Nesses nove meses de gestão? Não sou governador de deixar marcas. Quero diminuir desigualdades e melhorar a vida das pessoas. Alguém que tem bom senso, equilíbrio e dialoga com todas as áreas.

Inclusive com o presidente Bolsonaro?

Todos os pedidos que São Paulo fez estão lá. Se ele puder atender algum, vamos agradecer, como na área de drenagem, financiamentos que estamos aguardando para o Metrô (500 milhões de dólares) e o Rio Tietê (100 milhões de dólares).

Como será essa etapa do programa para o Rio Tietê?

É a última etapa, com investimento em esgoto. Entramos com 3 milhões de novos clientes. O plano inclui urbanização, recolocação de mata auxiliar. Mas isso seria para o próximo governo.

Quais serão seus planos para a segurança pública, uma área sensível atualmente, com aumento de casos de crimes contra o patrimônio?

Vamos ampliar as operações em abril e maio e desmanchar quadrilhas de furto e roubo de celular. Também vamos criar estratégias para prendermos falsos entregadores de aplicativos. Mas não posso falar mais detalhes senão os bandidos saberão das ações pela Vejinha.

O senhor é a favor ou contrário às câmeras instaladas em coletes de policiais militares?

As câmeras ajudam para determinadas ações policiais, mas eu vou falar com os comandos sobre isso. Quero que as câmeras filmem mais os bandidos do que os policiais.

Por um lado os policiais reclamam das exposições, mas por outro há dados que mostram a redução de índices de violência.

Para a Policia Rodoviária, para a radiopatrulha, são importantes. Mas para operações especiais, como Choque e Rota, eu realmente tenho dúvidas.

Quantas obras o senhor pretende inaugurar neste ano eleitoral?

Temos 8 000 obras em andamento. É um conjunto muito grande no interior, com estradas vicinais, estradas estaduais. Vamos entregar sessenta Poupatempos, restaurantes Bom Prato, o Hospital Pérola Byington.

O senhor foi secretário de Geraldo Alckmin e presidente da Assembleia quando ele era governador. O que achou da ida dele para o PSB e seguir no projeto do ex-presidente Lula?

Quem tem melhores condições de responder a essa pergunta é o Alckmin, não eu. Continuo no mesmo campo político. Fui forjado aqui em São Paulo como político nessa coligação, PSDB e Democratas, que é meu ex-partido. Continuo defendendo as bandeiras desse campo.

Como vice-governador, o senhor foi secretário de Governo e tocou os principais projetos do mandato. Quem vai ser o gerente da sua gestão?

Não haverá. Vou redistribuir os Rodrigos, redistribuir as demandas.

O que aconteceu no dia 31 de março, data-limite para a renúncia de João Doria?

Muita especulação e pouca realidade.

Mas aconteceu uma confusãozinha aqui, não?

São coisas naturais, nada que tenha mudado o rumo das coisas. O script correu conforme o roteiro original.

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Publicado em VEJA São Paulo de 20 de abril de 2022, edição nº 2785

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