O rei do iPhone: 120 clientes por dia e 500 000 reais por mês
Wissam Atie bombou depois de consertar o smartphone de um cliente de graça e viralizar na internet
A máquina de sorvete italiano de 15 000 reais chegou na segunda (7) ao escritório do número 51, na Rua Santa Ifigênia. Deverá estrear em um próximo sábado escaldante e servir de cortesia casquinhas no sabor baunilha, com a massa nas cores azul e branco, em alusão ao logotipo do Rei do iPhone, assistência técnica especializada no smartphone criado por Steve Jobs.
Será mais um mimo para a freguesia de Wissam Mohamed Atie, o dono do lugar e do apelido que dá nome ao seu estabelecimento. Desde junho, ele oferece agrados como cafezinho e bolo de cenoura para aplacar o ânimo dos cerca de 120 clientes que atende por dia. A maioria chega lá em pânico: tela destroçada, bateria arriada, pane no sistema e, pior, o cotidiano paralisado pela falha do aparelho.
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Ao saberem que tudo se resolverá em no máximo duas horas, no entanto, os fregueses sentam-se em uma das 25 cadeiras (no estilo sala vip de aeroporto) e aguardam o atendimento. No alto, uma televisão de 50 polegadas os entretém com gatinhos fofos e criancinhas arteiras, entre outros vídeos virais da internet. A estratégia normalmente dá certo e muitos levam um susto ao ouvir a senha.
Então, entregam “a vida” nas mãos de um técnico e, do outro lado do balcão, ficam de olho em cada parafuso apertado enquanto tiram dúvidas sobre a conservação do telefone. No fim, pagam entre 50 e 650 reais pelo conserto. Quando o problema é muito simples, a loja não cobra nada. “Atender bem é o primeiro mandamento para prosperar nos negócios”, afirma Atie.
Ele ficou famoso em 22 de abril deste ano, com um post que viralizou na rede. No texto, o publicitário Caio Rossoni narra uma peregrinação na Rua Santa Ifigênia para consertar a bateria de seu iPhone 6. Em um quiosque, o reparo sairia por 180 reais. Até que encostou no balcão do Rei do iPhone. Na época, Atie só atendia em um boxe de 8 metros quadrados no número 92 daquela via.
O especialista pegou o aparelho, arrumou-o em segundos e não cobrou nada. Como agradecimento, o cliente publicou a história no Facebook com uma foto do cartão da loja. Resultado: quase 73 000 compartilhamentos, 333 000 curtidas e mais de 200 pessoas acotovelando-se naquele guichê na manhã seguinte. “Não dormi naquela noite. Eu sabia que daria minha guinada ali”, diz o técnico.
Desde então, o número de clientes aumentou quase dez vezes e a conta bancária empresarial engordou. A receita cresceu 455% e hoje é de cerca de 500 000 reais por mês (Atie não confirma o número). Com o efeito colateral do sucesso, fiscais surgiram no pedaço e o empresário precisou regularizar sua situação às pressas. “Agora, só trabalho com nota fiscal”, jura. Aquele guichê ficou apertado e deu origem a um pequeno reinado de assistência técnica.
Hoje, Atie usa a “matriz” como lugar de triagem e, desde junho, aluga o espaço oito vezes maior na galeria quase em frente. Além disso, contratou outros treze funcionários (até maio, eram só dois). “Eu vi a movimentação e propus uma parceria”, conta o advogado Ayres Gonçalves Neto, administrador do novo endereço. A ele, Atie paga um aluguel de 16 500 reais (quase o dobro do valor do ponto anterior, que é bem menor).
“A Santa Ifigênia vive a pior crise dos últimos dez anos, com uma retração de 30% no movimento, mas o Rei do iPhone só cresce”, comemora Gonçalves. Até o fim do ano, Atie vai inaugurar uma loja de 25 metros quadrados no 1º andar de um novo shopping, o Galeria Pagé Brás. Foi feito um investimento inicial de 300 000 reais, além do gasto com aluguel, de 10 000 reais. “Quero abrir uma unidade da minha empresa em cada capital brasileira”, planeja o comerciante.
Essa prosperidade toda parecia impossível em dezembro de 2012. Naquela época, ele acumulava uma dívida de quase 100 000 reais por ter quebrado seu primeiro empreendimento, a Wissom (um trocadilho com seu nome), também na Santa Ifigênia, que vendia rádios e outros acessórios automotivos. “Foi má administração mesmo”, conta.
Desiludido com o fracasso, tentou trabalhar com importação em Foz do Iguaçu. Não deu certo de novo, e ele retornou para São Paulo no início de 2013. Começou então a aprender a consertar aparelhos do sistema iOS com um amigo. Viu na atividade uma forma de dar a volta por cima e abriu a assistência técnica em outubro daquele ano.
Atie nunca quis ser empregado. Formou-se em 2009 em administração de empresas e fez pós-graduação em negócios internacionais na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Com 10 anos, trabalhava no Brás como ajudante na loja de roupas do pai, o libanês Mohamed Atie, de 60 anos. “Hoje, sou eu que fico por aqui, no Rei do iPhone, como relações-públicas”, diz Mohamed, que fechou seu estabelecimento em 2013 para ajudar o filho.
Atualmente, Atie vive em uma casa em Mairiporã, a 48 quilômetros da capital, com o enteado, João Eduardo, de 9 anos, e a mulher, a veterinária Déborah Martins, 28. Em março, o casal terá o primeiro filho, Yossef. Déborah e Atie se conheceram por causa de uma pane no iPhone 4 dela. A peça foi uma das raras que ele não conseguiu consertar. “Ele me pediu para voltar sete vezes, mas faltava um componente e o reparo não deu certo”, lembra Déborah. Nesses encontros, os dois se apaixonaram. “Ainda guardo o celular quebrado como recordação”, afirma ela.
Com exceção dos eletrônicos (ele tem um iPhone 6S e um Apple Watch, ambos comprados em Ciudad del Este, no Paraguai), a família dispensa ostentação. O comerciante continua com seu Honda Civic 2012 e deverá comemorar seus 30 anos no próximo sábado, 19, “pilotando” a churrasqueira para os parentes, seu hobby preferido. Até hoje, só saiu do Brasil para visitar o Paraguai. “Eu gostaria de conhecer a Apple Store em Nova York, mas, agora, com o Trump presidente…”, lamenta ele, que é muçulmano praticante.
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A expansão do reinado de Atie é resultado da combinação da propaganda boca a boca com a busca incessante do bom atendimento. “Ele oferece um diferencial em uma região em que os serviços normalmente pecam pela informalidade”, avalia Bruno Caetano, diretor-superintendente do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado de São Paulo (Sebrae-SP). Há um mês, Caetano tornou-se cliente do lugar: levou dois iPhones 5 (o dele e o da esposa) para arrumar a bateria. Pagou 150 reais por aparelho e resolveu o problema em quarenta minutos.
Estima-se que há aproximadamente 1 milhão de celulares do tipo na capital. O Rei do iPhone disputa espaço no mercado diretamente com as autorizadas da Apple (na cidade, são catorze pontos). O principal deles fica no Morumbi Shopping. Lá, é preciso agendar uma data para o atendimento no site da empresa e aguardar pelo menos uma semana. Casos como uma tela quebrada custam em torno de 700 reais.
Fora da rede oficial, Atie também enfrenta concorrentes. Uma das maiores é a iPhone & Cia, localizada na quadra seguinte, na própria Rua Santa Ifigênia. “Estamos há dez anos aqui, e Wissam deve ter se inspirado em nosso padrão de atendimento”, diz Ivan Pereira Rosa, um dos sócios.
Atie usa a maçã em seu logotipo e a marca iPhone, e, até agora, nunca recebeu reclamação da Apple. O comerciante fica apreensivo com a situação e já tem um plano B. “Se me acionarem na Justiça, mudo o nome imediatamente para Rei da Assistência”, diz. Procurada pela reportagem de VEJA SÃO PAULO, a companhia americana, por meio de sua assessoria de imprensa, preferiu não comentar o caso. Seus executivos, é claro, conhecem o fenômeno do centro da metrópole.
Há um mês, Atie fez um curso de quarenta horas em uma escola parceira da Apple, no Itaim, e tirou o certificado de técnico especializado em iPhone. “Foi bom para afinar o conhecimento”, conta. Lá, foi identificado pela turma. “Como vou dar aula para o monarca?”, brincou o professor. “Nunca imaginei que seria reconhecido dessa forma”, orgulha-se o “Steve Jobs” da Santa Ifigênia.
Mitos e verdades
O rei do iPhone tira as principais dúvidas sobre o aparelho
› Passar a noite carregando o celular estraga a bateria: mito
Cabos “piratas” são os verdadeiros vilões que reduzem a vida útil desse componente
› Guardar o iPhone no bolso da calça entorta o aparelho: verdade
Além disso, há o risco de ele ser danificado por sujeira
› Banheiro não é ambiente para celular: verdade
O vapor do chuveiro enferruja os componentes da placa
› Películas de vidro são melhores: em parte
Normalmente, elas são mais resistentes, mas vale ainda usar os filmes de plástico. As capinhas também evitam inúmeros danos
› Mexer na bateria pode causar incêndio: verdade
Às vezes, esse componente incha por diversos fatores. Há quem tente furá-lo com uma agulha, o que pode fazer com que o aparelho pegue fogo
› Arroz cru “ressuscita” iPhones molhados: em parte
Esse grão tem alta capacidade de absorção e pode extrair a água. Mas, se o truque não der certo, pode provocar uma pane