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Problemas na Fundação Casa permitiram a fuga de 117 menores em oito dias

Os próprios agentes socioeducativos ficam responsáveis pela vigilância nas horas extras após a falência da empresa que fazia o serviço

Por Silas Colombo
Atualizado em 1 jun 2017, 16h35 - Publicado em 26 set 2015, 00h00
Fundação Casa
Fundação Casa (Peter Leone/Folha Press/)
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Mal deu tempo de os funcionários do Complexo Guaianazes da Fundação Casa entenderem como 28 internos haviam conseguido pular o alambrado e sumir pelas ruas da Zona Leste sem que fossem notados. Apenas seis dias depois, na noite da segunda (21), outros 33 tomaram o mesmo rumo. Por volta das 23 horas, eles arrancaram a porta de ferro de uma sala e usaram-na para abrir um buraco na parede. Na saída, destruíram móveis e agrediram quatro funcionários. Usando os agasalhos do uniforme para evitar cortes no arame farpado, pularam a cerca e, antes de desaparecer, furtaram roupas de varais em casas vizinhas.

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Essa foi a última das cinco fugas em massa registradas em um período de oito dias nas unidades da entidade responsável pela ressocialização de menores infratores em São Paulo. No sábado passado (19), dezoito escaparam em Ferraz de Vasconcelos, na Zona Leste. No mesmo dia, outros cinco deram no pé em Guarulhos, na região metropolitana. Ali, a evasão ocorreu antes do início de uma rebelião em que quatro funcionários foram mantidos reféns por três horas. A onda de debandadas começou na noite do último dia 14, quando 33 internos sumiram da unidade Vila Conceição. De um total de 117 fugitivos, apenas 32 haviam sido recapturados até a quinta passada (24).

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Essas ocorrências se iniciaram alguns meses depois de um problema no sistema de vigilância. Em maio, a Aviseg, empresa terceirizada que fazia o patrulhamento em quarenta unidades em São Paulo, faliu por má gestão e parou de pagar os vigias que prestavam o serviço, forçando o governo a rescindir o contrato. A segurança passou a ser feita pelos próprios empregados da Fundação Casa, em regime de horas extras, ainda que sem o treinamento adequado. Quem aceitou o “bico” deixou de cumprir a jornada tradicional (dois dias de expediente e folga em outros dois) e começou a trabalhar sete dias e folgar um. A política de emergência agravou uma falha antiga: a falta de efetivo. “Trabalhamos com metade do pessoal necessário. Mesmo destacando uns para a vigilância e outros para acompanhar sessões no fórum, por exemplo, os garotos ficam quase sozinhos”, critica o presidente do sindicato dos funcionários da entidade, Aldo Damião Antonio.

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Criada em 2006 para substituir a desgastada Febem, que passou por um turbulento período de rebeliões e fugas, a Fundação Casa teve a missão de adequar o antigo sistema prisional de adolescentes de 12 a 18 anos ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). A transição foi marcada pela construção de unidades menores — diferentes das instalações antigas, que lembravam os presídios comuns. A maioria delas nasceu para atender, no máximo, 56 adolescentes — quarenta no regime de internação e dezesseis em tratamento provisório. Isso tudo foi feito justamente para prover um controle maior da segurança e proporcionar uma relação mais próxima dos educadores com os internos.

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Quase nove anos depois da mudança, no entanto, a entidade apresenta problemas semelhantes aos da antiga Febem. O motim em 2011 no centro da Vila Maria, na Zona Norte, por exemplo, teve todos os elementos dos levantes do passado: colchões queimados no pátio, funcionários reféns e ação truculenta da polícia. De acordo com um levantamento do Ministério Público, das 38 unidades da Fundação Casa na capital paulista, 27 apresentam um número de menores superior à capacidade original.

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A instituição, porém, alega que o Supremo Tribunal Federal autorizou uma acomodação 15% superior à programada. Ainda assim, considerando as unidades que estão dentro da margem estabelecida pela Justiça, vinte locais continuam irregulares. O governo estadual, também por meio de nota, admitiu o problema e o atribuiu à demanda maior do que a capacidade atual do sistema. Há conversas a respeito de uma futura ampliação, mas ainda nada de concreto nesse sentido.

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Atualmente, muitos jovens são obrigados a dormir em colchões no chão, um encostado no outro, para que todos caibam nos dormitórios. “Será que assim é possível garantir a segurança, a integridade física e a dignidade deles?”, questiona o promotor de Justiça Vitor Almeida Lago. O excesso de menores diminuiu também o período de internação. Dos 1 232 casos contabilizados entre agosto de 2014 e março deste ano, em 89,6% deles (1 104) os menores não passaram mais de doze meses presos. Uma hipótese levantada por especialistas é que pode estar ocorrendo a liberação antecipada para desocupar vagas, algo que o governo nega.

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Outra discussão envolve o índice de reincidência. A Fundação Casa diz que só 15% dos menores voltam para lá. Segundo um relatório recente do Ministério Público, a taxa seria de 34%. Para o governo, só são computados aqueles que voltam a ser internados. De acordo com o MP, devem entrar na conta também os reincidentes que estão sob qualquer regime de tratamento, sem a necessidade de reclusão. Além disso, repetidos relatos de tortura esquentam o clima dentro dos muros. A Defensoria Pública pediu em julho o afastamento do diretor e de três funcionários do Complexo Guaianazes. Requerimento semelhante havia sido feito no começo do ano, com relacão a cinco profissionais da unidade Raposo Tavares. Até agora, nada aconteceu. O governo diz que abriu uma sindicância para apurar esses problemas e ainda não chegou ao fim do processo.

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