“Se o verão for ruim de chuvas, teremos problemas”, diz presidente da Sabesp
Benedito Braga fala sobre o risco de crise hídrica, a despoluição do Rio Pinheiros e o futuro da empresa, na mira das privatizações
A gestão João Doria (PSDB) avalia privatizar a Sabesp, a terceira maior empresa de saneamento do mundo e responsável pelos serviços de água e esgoto na região metropolitana de São Paulo, em 2022. A ideia, no entanto, é controversa para um ano eleitoral — e o governo evita dar datas ou definições.
O estado tem 50,3% das ações da empresa (o restante é negociado nas Bolsas de São Paulo e Nova York), que lucrou 973 milhões de reais no ano passado. No comando do negócio, o engenheiro Benedito Braga também evita o tema, mas revela planos para atuar em outros estados e avalia o risco de uma crise hídrica.
O senhor tem dito que São Paulo não corre o risco de nova emergência hídrica. Mas a capacidade dos reservatórios está cerca de 10 pontos porcentuais abaixo do nível do inverno de 2013, que antecedeu a crise. Não vai depender de uma eventual seca no segundo semestre?
No segundo semestre, não. Mas, no fim do ano, sim. Com as obras que fizemos (após a crise de 2014), o sistema ficou mais resiliente. O Cantareira abastecia 9,2 milhões de pessoas, agora são 2 milhões a menos. Com o reservatório em 42%, estamos tranquilos quanto ao segundo semestre. Mas é uma situação desfavorável? Sim. Se o verão for ruim, vamos ter problemas.
Naquela crise, a população reduziu o consumo de água. O comportamento perdurou ou voltamos a ser gastões?
Na época da crise, nós usamos instrumentos econômicos para incentivar a queda do consumo. Havia bônus para quem gastava menos e aumento de tarifa para os gastões. A regra parou de ser aplicada em 2016. Ainda assim, a população deixou de lado alguns comportamentos, como varrer as calçadas com água. Hoje, o consumo da região metropolitana de São Paulo é 12% menor que antes da crise. São 9 000 litros por segundo de água economizados.
Não seria prudente tomar novamente essas medidas, ainda que sejam impopulares em ano pré-eleitoral?
Nós vamos fazer campanhas de conscientização, mas aumentar a tarifa, como no setor elétrico, isso não vamos fazer. Vamos conscientizar sem penalizar a população, que já tem um comportamento melhor. Quem decide a tarifa, vale dizer, é a agência reguladora (a Arsesp), não a Sabesp. Mas (aumento de tarifa) é um mecanismo que não quero usar.
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As queimadas na Amazônia têm a ver com a atual seca no Sudeste?
Esses fenômenos climáticos de grande porte, como secas e inundações, são controlados pelos oceanos. Dependem principalmente da temperatura do Pacífico (que muda com a La Niña, prevista para acontecer no segundo semestre) e dos ventos e correntes do Atlântico. Questões como queimadas e desmatamento não conseguem influenciar o clima dessa maneira.
Uma eventual crise hídrica, portanto, vai depender do La Niña?
Veja a complexidade da Região Sudeste: a La Niña tem uma influência clara no Sul e no Nordeste, mas aqui a correlação (entre o fenômeno e a seca) não é muito forte. Teve vezes em que houve La Niña e choveu normalmente. Estamos em uma zona de transição. A probabilidade é que o clima fique mais seco, mas nem isso é certo.
As obras de saneamento do projeto Novo Rio Pinheiros estão de acordo com o cronograma? Acredita que o rio não terá cheiro ruim em 2022?
Estamos com 309 000 ligações de esgoto concluídas. Ou seja, o projeto está em cima do cronograma. Cumprimos 60% da meta prevista para ser atingida em dezembro de 2022. A perspectiva é que o Pinheiros fique sem cheiro ruim. Acredito nisso, sim. Não será possível ter contato direto com a água, ou praticar esportes no rio. Mas pedalar ou fazer piquenique no futuro Parque Bruno Covas (previsto para 2022), sim. Agora, tem um probleminha que não depende do governo ou da Sabesp, que é a questão do lixo. As pessoas precisam se conscientizar de que não podem jogar lixo na rua, porque a chuva leva para o Pinheiros.
“Estamos trabalhando em uma política de expansão. Temos, sim, a perspectiva (de atuar em outros estados, além de São Paulo)”
Existe a perspectiva de fazer algo parecido no Rio Tietê?
O Tietê ainda demora um pouquinho mais. Neste momento, estamos trabalhando em grandes interceptores, que são tubulações enterradas às margens do rio para receber o esgoto antes que ele entre no leito. Temos vários projetos na Zona Leste, na região de Guarulhos, Itaquera e São Miguel.
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O novo Marco Legal do Saneamento completou um ano em julho. Ele facilitou a participação privada no setor. Que efeitos práticos já teve?
O principal é que saíram algumas licitações, nas quais a iniciativa privada ganhou a concessão do serviço, como em Maceió, Rio de Janeiro e Campo Grande. Acho que é um resultado positivo. O problema é que essas licitações ainda usam o pagamento de outorga como critério para a seleção da empresa vencedora. Uma forma melhor de fazer isso seria usar a menor tarifa para a população (a outorga costuma ser uma fonte imediata de recursos para prefeituras em crise). Independentemente dessa visão, o fato é que três grandes concessões foram feitas.
A Sabesp é considerada uma empresa bem posicionada para assumir esses serviços em outros estados, por meio desses leilões. A empresa não vai sair de São Paulo?
Participamos do leilão de Alagoas. Infelizmente, o valor de nossa outorga não foi suficiente. Mas, sim, estamos trabalhando em uma politica de expansão de mercado, que deverá ser apreciada pelo conselho de administração da empresa nos próximos dias. Temos, sim, uma perspectiva (de sair do estado). Mas a principal missão é universalizar o saneamento em São Paulo.
O governo do estado avalia privatizar totalmente a Sabesp em 2022. Você é favorável a essa decisão?
Essa pergunta não cabe ao presidente da Sabesp responder. Tem de ser direcionada ao controlador (o governo). Como presidente, não posso opinar, infelizmente.
A Sabesp é lucrativa, tem boa governança (avaliação AAA da agência Moody’s) e acesso a capital (terá 500 milhões de dólares em financiamento nos próximos meses). Qual seria a razão para privatizá-la?
De novo, a pergunta não pode ser direcionada a mim. Agora, tudo o que você falou está correto, sim. Mas a decisão de privatizá-la ou não caberá ao controlador.
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Publicado em VEJA São Paulo de 28 de julho de 2021, edição nº 2748