Como Nova York bateu o recorde sem um registro de homicídio

As estratégias que ajudaram a maior metrópole americana a ficar doze dias sem assassinatos

Por Veja São Paulo
Atualizado em 1 jun 2017, 17h00 - Publicado em 14 mar 2015, 00h00
patrulha na times square
patrulha na times square (Andrew Theodorakis / Getty Images/)
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Duzentas e oitenta e oito horas, o equivalente a doze dias seguidos. Durante todo esse tempo, no início de fevereiro, as 123 delegacias de Nova York não registraram um único homicídio. Foi uma façanha inédita desde que o departamento local de polícia começou a compilar estatísticas de crime com um sistema eletrônico conhecido como Compstat, em 1995. Alguns especialistas no assunto se apressaram em apontar como a causa mais óbvia do fenômeno o frio com temperaturas negativas — afinal, pela lógica, menos pessoas nas ruas pode significar menos crimes.

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O recorde, no entanto, não foi obra do acaso. Ele é resultado de um conjunto de políticas públicas que estão ajudando a maior metrópole americana a obter avanços seguidos e consistentes na área de segurança. No ano passado, por exemplo, aconteceram por lá 328 homicídios, 0,9% a menos do que em 2013 e o menor número desde 1963. Para se ter uma ideia, houve na cidade de São Paulo em 2014 um total de 1 132 assassinatos. Isso resulta em uma média de 9,83 homicídios por grupo de 100 000 habitantes, mais que o dobro da taxa de Nova York.

Que lições o exemplo de fora pode nos ensinar nessa área? “A redução do problema não ocorreu por uma única razão, mas por várias”, entende Inimai Chettiar, diretor do Brennan Center for Justice, departamento que faz parte da Universidade de Nova York e estuda questões relacionadas à justiça e à criminalidade. Confira, a seguir, o que ele e outros especialistas no tema apontam como os principais fatores.

TEORIA DA JANELA QUEBRADA

A famosa política adotada na década de 90 pelo então prefeito Rudolph Giuliani tomou por base a teoria desenvolvida por George Kelling e James Wilson em 1982 e denominada Broken Windows (janelas quebradas). Para os dois ensaístas, era imprescindível eliminar a desordem para conseguir reduzir a criminalidade. Exemplificavam assim: “Se você ignorar a janela quebrada de um prédio, outras janelas também serão quebradas. A área vai passar a ter uma imagem de abandono e a delinquência penetrará na sua casa”. Em Nova York, a ideia deu origem à “tolerância zero”, na qual nenhum crime seria pequeno demais para a Justiça.

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A polícia também se fez muito mais presente, ocupando o espaço público e trabalhando diretamente com as lideranças dos bairros. O efeito imediato nos índices da cidade fez com que o conceito fosse transportado para quase todos os centros urbanos dos Estados Unidos. Ainda assim, muitos críticos acreditam que a tal “tolerância zero” abriu espaço para uma repressão que cobra seu preço ainda nos dias de hoje, como no caso de Eric Garner, morto em julho do ano passado após receber uma “gravata” de um policial. “Nossa experiência mostra que a maioria dos moradores aprova as atividades de manutenção da ordem, até porque nossas atividades são respostas aos pedidos feitos por telefone ou em reuniões nos distritos”, disse William Bratton, comissário do departamento policial de Nova York, em um encontro recente com a imprensa.

OBSESSÃO POR DADOS

Desde 1995, a polícia de Nova York usa um programa chamado Compstat para determinar suas operações e mudanças de planejamento. O sistema utiliza dados das delegacias para analisar os crimes em absolutamente todas as ruas da cidade. Assim, o departamento consegue deslocar mais agentes para áreas violentas de um dia para outro. Além disso, os distritos ganharam uma autonomia maior para agir, mas são constantemente cobrados por isso. Atualmente, o Compstat custa aos cofres públicos cercade 800 000 dólares por ano e já consegue prever quais bairros podem sofrer com o aumento de ocorrências, utilizando séries históricas e mudanças comportamentais para tentar estar sempre um passo à frente dos criminosos.

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central do compstat
central do compstat ()

PATRULHA UNIFICADA

Não existe por lá uma polícia militar e outra civil, apenas uma força de patrulha local, auxiliada em casos mais graves por outros órgãos federais. Os profissionais são contratados com salários a partir de 3 500 dólares (cerca de 11 000 reais). Em São Paulo, o rendimento inicial de um investigador é de 4 000 reais, enquanto os vencimentos de um PM começam na faixa de 2 800 reais.

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O “xerife” de Nova York, William Bratton, conhece a cidade como ninguém. Essa é a segunda vez que ocupa a posição mais alta do departamento de policia local. No ano passado, o atual prefeito, Bill de Blasio, o convocou de volta ao cargo, no qual ele já havia trabalhado de 1990 a 1996. Foi justamente Bratton quem implementou a Teoria da Janela Quebrada e o sistema Compstat, além de ter demitido 30% dos seus policiais, suspeitos de corrupção, logo no primeiro ano à frente do órgão.

COMBATE SEM TRÉGUA AO CRACK

Poucos sabem, mas Nova York já teve sua Cracolândia. O departamento federal de combate às drogas chegou a calcular que 25 000 pessoas vendiam pedras de crack na cidade no fim de 1988, o que ainda causou diversas guerras entre gangues, cada vez mais violentas. O Congresso americano teve de mudar a legislação para tentar punir com mais severidade os traficantes – por exemplo, apenas cinco pedras de crack passaram a significar cinco anos de prisão, enquanto para os traficantes de cocaína essa pena só era dada a quem possuísse mais de 500 gramas de pó. As leis mais severas tiveram papel fundamental para acabar com o problema. 

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