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Músicos eruditos se reinventam após mudanças no cenário cultural

Com as demissões no Theatro São Pedro, o fim da Banda Sinfônica e reduções nos salários do Municipal, artistas se desdobram para pagar as contas

Por Mariana Rosario Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
26 Maio 2017, 19h41

Desde 2008, a flautista Amanda Bonfim acostumara-se a trajar vestidos formais de cores sóbrias e manter cabelos bem alinhados durante os concertos da Banda Sinfônica de São Paulo. Em espaços badalados como os auditórios do Masp e da Fiesp, ambos na Avenida Paulista, ela era uma das principais solistas de seu instrumento durante a execução de peças clássicas, a exemplo de Suíte Tropical, de Ronaldo Miranda, e Harpia, de Daniel Havens.

Nos últimos três meses, no entanto, sua rotina tornou-se bem mais despojada. Demitida do posto em fevereiro, passou a ganhar a vida como adestradora de cães. Vestida com roupas e tênis esportivos, passeia duas vezes por semana com treze animais pelos parques Ibirapuera e da Independência.

Em sua nova função, embolsa 8 000 reais por mês, quase o dobro do salário que recebia na orquestra. Ainda assim, sonha em retornar à carreira na qual batalhou por 28 anos. “Dediquei quase a minha vida inteira à música, estudo desde os 10. Se pudesse, reassumiria o meu emprego anterior”, afirma. “Para me manter animada, costumo dizer que agora estou encantando cachorros com a minha flauta”, diz, em tom de brincadeira.

Outros ex-integrantes da Banda Sinfônica enfrentam situação semelhante. No começo do ano, o desmanche do grupo levou ao desligamento de um total de 65 artistas. Com uma carreira premiada na tuba, no trombone e no bombardino, o instrumentista Rafael Mendes teve de retornar a sua cidade natal, Nova Odessa, a 120 quilômetros da capital, onde assumiu o comando de uma loja de roupas. “Nos últimos tempos, eu vivia sob o medo de ser demitido”, conta.

Theatro São Pedro: perda de dezenove integrantes (Decio Figueiredo/Veja SP)

Em 19 de maio, o Ministério Público de São Paulo obteve uma liminar na Justiça para a retomada das atividades do conjunto. O governo do estado tem dez dias para recorrer, mas até quinta (25) ainda não havia sido notificado da decisão. A Banda Sinfônica não é o único corpo musical da cidade que sofre com o problema.

No último dia 6, dezenove contratados da Orquestra do Theatro São Pedro (Orthesp) foram dispensados, o que reduziu seu total a 33 componentes. Entre os que perderam o emprego está o flautista Henrique Amado, que passou por instituições da Alemanha, Bélgica e Holanda.

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No grupo, tocava havia três anos. “Mesmo com um bom currículo, estou com expectativas baixas, o cenário está péssimo”, ele lamenta. Com casamento marcado para agosto, tenta ganhar a vida fazendo bico como regente de uma orquestra que está montando na cidade de Suzano. Em contrapartida, a Orthesp receberá 22 estudantes da Escola de Música do Estado de São Paulo, que formará um novo conjunto na casa.

Protesto no Viaduto do Chá: contra a “morte da cultura”, onde 15% dos músicos foram demitidos (Cris Faga/Folhapress/Veja SP)

Eles ganharão 1 940 reais por mês, metade do salário pago a um profissional mais experiente. “Queremos fortalecer a ideia de que se trata de um local de formação”, diz o secretário adjunto estadual de Cultura, Romildo Campello. A onda de demissões nas duas instituições vinculadas ao governo do estado causou impacto considerável no setor.

Cerca de 15% dos músicos da cena erudita da capital perderam o emprego desde o início do ano. As dispensas são causadas por uma redução brusca no orçamento dos órgãos responsáveis pelas iniciativas. Na Banda Sinfônica, trata-se de um corte de 7,5 milhões de reais. Na Orquestra Sinfônica, a queda é de 5,2 milhões de reais. Há ainda aspectos políticos a complicar o cenário.

Responsável pela gestão dos dois grupos e da Orquestra Jazz Sinfônica, o Instituto Pensarte foi acusado de irregularidades há alguns meses. Em maio, a organização social Santa Marcelina Cultura assumiu os seus antigos contratos, com exceção da Jazz Sinfônica, agora administrada pela Fundação Memorial da América Latina e pela Fundação Padre Anchieta.

A mudança, realizada sem concorrência pública, é alvo de uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado. A Secretaria de Estado da Cultura alega que a escolha ocorreu às pressas, para resolver uma emergência, e um novo edital deve ser aberto nos próximos meses.

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No âmbito municipal, o panorama também é preocupante, ainda que em grau menos intenso. Neste ano, quase metade do orçamento previsto de 641 milhões de reais da Secretaria Municipal de Cultura chegou a ser congelada por falta de dinheiro na prefeitura.

Para não engrossar o caldo de demissões, a pasta negocia uma redução de 30% no salário dos 280 artistas do Teatro Municipal por um período de dois meses. Com uma verba de 88 milhões de reais para tocar o ano, a casa prevê gastar 90 milhões apenas com o pagamento de funcionários.

O quadro de incertezas motivou uma série de manifestações de profissionais da área cultural nas últimas semanas na capital. A última ocorreu no dia 16, em frente à prefeitura, no Viaduto do Chá, quando dezenas de artistas com pinturas faciais representaram a morte da cultura. “É um cenário preocupante, os recém-formados não têm onde trabalhar”, diz o diretor do sindicato da categoria, Fred Kaizer, um dos demitidos do Theatro São Pedro.

Colaborou Sara Ferrari

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