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Opinião: o condomínio de luxo protegido

Em quase todos os distritos paulistanos, há restrições graves de zoneamento que levam a pequenas Manhattans rodeadas por grandes Los Angeles

Por Pedro Menezes
Atualizado em 14 fev 2020, 16h00 - Publicado em 3 ago 2018, 06h00

Escolher onde morar é optar pelo que desejamos ter próximo. O que faz esta cidade única é uma reunião muito especial de oportunidades e pessoas. A excelência empresarial, acadêmica e cultural não se reúne em São Paulo porque a água paulistana produz gênios, mas porque somos melhores na produção de excelência se estamos próximos uns dos outros, e essa proximidade eleva a renda dos trabalhadores. Justamente por isso, não faz sentido sustentar um grande condomínio de luxo entre as avenidas Paulista e Faria Lima, mantendo o paulistano médio distante das duas vias que simbolizam essa concentração de excelência e bons salários.

Quando Anthony Bourdain disse que São Paulo “é como se Los Angeles tivesse vomitado Nova York”, ele tinha um ponto. Os mapas de densidade dos distritos de Jardim Paulista e Pinheiros mostram como bairros caros com poucas residências espalhadas espremem suas pequenas Manhattans. As regiões de maior densidade nesses dois distritos são conhecidas por qualquer paulistano: no Jardim Paulista, supermercados, bares, livrarias e pessoas se reúnem ao sul da Avenida Paulista, até o início do Jardim América; em Pinheiros, destaca-se a boêmia região próxima à Estação Fradique Coutinho do metrô. Nessa mínima fração da cidade, operam diversos equipamentos culturais privados e trabalham os melhores chefs. Na maior parte desses distritos, porém, há apenas mansões, onde alguns dos mais famosos sobrenomes do país se isolam do contato com o resto dos paulistanos.

Todo mundo quer morar perto das avenidas e dos estabelecimentos principais da cidade. O metro quadrado da área certamente seria mais barato sem a Los Angeles exclusivamente residencial que domina grande parte da região, onde comércio, prédios e até a circulação de transporte público são restritos. A poucas quadras da Haddock Lobo ou da Rua dos Pinheiros, onde há duas dessas mini-Manhattans, existem apenas residências de luxo. Nenhum outro uso é permitido num solo tão valorizado e central.

Regras de zoneamento como a do Jardim Europa efetivamente mantêm a região com a mesma lei ditada pela Cia. City, empreiteira que lá construiu um condomínio de luxo no início do século XX. Uma diferença importante é que as praças e os parques do bairro agora são sustentados pelo mesmo pagador de impostos que não consegue chegar de ônibus. Quando o ex-prefeito Fernando Haddad tentou flexibilizar o zoneamento da região, faixas penduradas nas portas das mansões perguntavam o seguinte aos pedestres: “A quem interessa o fim das zonas exclusivamente residenciais?”. Eis um debate que vale a pena.

Em quase todos os distritos paulistanos, há restrições graves de zoneamento que levam a pequenas Manhattans rodeadas por grandes Los Angeles. Na Zona Sul, por exemplo, é nítida a presença de duas manchas urbanas — Capão Redondo e Grajaú — que se destacam no oceano de baixa densidade. Também há outros exemplos parecidos com o dos Jardins, como no Alto de Pinheiros.

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Políticas públicas simpáticas ao adensamento da cidade, se bem desenhadas, podem ser muito benéficas para quem sofre com o custo de moradia e transporte. Se o Centro Expandido tivesse a mesma densidade de Paris, 2 milhões de pessoas a mais poderiam morar na região.

O principal argumento contra a urbanização dos Jardins Europa e América diz respeito às árvores do local, que formariam um “pulmão verde”. Há certo elitismo nessa visão, ao ignorar que a falta de arborização não é um problema nos bairros nobres da cidade. As áreas mais caras de São Paulo são justamente as mais verdes, mesmo quando os prédios dominam o cenário, como na Vila Nova Conceição. Há também pulmões verdes maiores e próximo da região de condomínios de luxo, como o Parque Ibirapuera e a Cidade Universitária da USP, vizinhos do Jardim América e Alto de Pinheiros, respectivamente. Por outro lado, a falta de árvores é um problema realmente sério para regiões periféricas.

O Central Park, o pulmão verde urbano mais famoso do mundo, é uma das áreas mais verticalizadas e superadensadas de Nova York. Em ambos os lados do parque há calçadas vivas, muita gente morando e enorme arrecadação municipal pelo uso do território.

Se todos os bairros de São Paulo tivessem a mesma densidade que tem o Jardim Europa, não sobraria área verde alguma na região metropolitana. Boa parte da Serra do Mar seria desmatada para que as pessoas morassem em grandes casas isoladas com quintaizinhos. O uso do carro seria ainda mais intenso, assim como os engarrafamentos.

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Permitir que o paulistano dependa menos do carro é um ótimo argumento ambientalista a favor do fim dos condomínios de luxo estatais: do que adianta construir áreas verdes se usamos veículos poluentes por longas distâncias? O adensamento pode atenuar o problema de duas formas: primeiro, aproximando a casa do trabalho, dada a concentração de empregos no Centro Expandido; segundo, projetos imobiliários têm sido cruciais para financiar metrôs ao redor do mundo, e é difícil imaginar uma área com maior potencial de arrecadação.

Com o adensamento dos condomínios de luxo centrais, o problema da falta de área verde em São Paulo poderia até ser reduzido: inicialmente, centenas de milhares de paulistanos poderiam morar mais próximo às árvores do Centro Expandido; além disso, o projeto de urbanização de áreas tão caras pode gerar vultosos recursos à prefeitura, que poderiam ser utilizados justamente para plantar árvores onde elas fazem mais falta. O Estado dispõe dos meios regulatórios para evitar que uma urbanização desmatasse a área. Basta exigir que eventuais prédios não mudem o ambiente. A demanda pela região permite projetos que arquem com os custos ambientais das construções e permaneçam lucrativos. Haveria mais oportunidade do que perigos ao meio ambiente com a abertura dos Jardins a mais habitantes.

Pedro Menezes é editor do Instituto Mercado Popular

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