Continua após publicidade

Grajaú: um novo centro efervescente de artistas

Em busca de um lugar ao sol, nova geração de artistas da região se desdobra para viabilizar a carreira com pouco orçamento e muita determinação

Por Mariana Rosario Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 jun 2018, 15h36 - Publicado em 22 jun 2018, 06h00

Formado por bairros como Cantinho do Céu, Parque Residencial Cocaia e Ilha do Bororé, o distrito do Grajaú ocupa o extremo da Zona Sul da cidade. Castigada pela pobreza e pela violência, a região, de 92 quilômetros quadrados (quase doze vezes o tamanho de Pinheiros), exibe alguns dos piores resultados em quesitos como serviços culturais e índice de vulnerabilidade dos moradores.

Em um dia de trânsito normal, pode-se levar duas horas de ônibus dali à Avenida Paulista (de carro, uma hora, no mínimo). No meio do cenário desfavorável, floresce uma talentosa geração de artistas. “A área tem uma cena de vanguarda”, afirma Eleilson Leite, coordenadorde cultura da ONG Ação Educativa. “Traz forte herança dos anos 80 e 90, quando surgiram as primeiras iniciativas do tipo por lá, mas, mesmo assim, está em constante renovação.”

Do Grajaú saíram nomes fortes desse universo, caso dos cantores Criolo e Raquel Virgínia, do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira. A nova leva de artistas que querem mostrar suas criações ao mundo envolve cantores, artistas plásticos e agitadores culturais. Com falta de recursos financeiros, mas uma alta dose de determinação, a turma empreendedora consegue gravar álbuns, juntar milhares de pessoas em um evento e pôr seus projetos de pé.

Aliás, a maioria deles não vive do próprio sonho e leva empregos paralelos a fim de fechar as contas do mês. Eles se veem envolvidos também com projetos sociais e trabalhos em ONGs com o objetivo de melhorar a região e a cidade. Conheça a seguir alguns destaques dessa turma.

 

Câmeras a postos
Eles não são os únicos. Na região, já pintaram outros coletivos interessados em gravar videoclipes usando o entorno como cenário, caso do Graja na Cena e do Canis Filmes. O Quebramundo, no entanto, é a novidade da vez. Com cinco clipes (o último será lançado na próxima semana) e mais de 14 500 visualizações no YouTube, a trupe se tornou um canal de divulgação para artistas do extremo da Zona Sul. No ano passado, os nove integrantes ganharam um edital da prefeitura e deram o pontapé inicial no projeto.

O orçamento de 39 000 reais bancou as primeiras produções e garantiu a compra de equipamentos de filmagem e edição. Muitos moradores fizeram figurações e emprestaram roupas para exibir figurinos bacanas nas gravações. “Queremos mostrar que nosso território é maravilhoso”, diz Neto Lopes, um dos integrantes. O time se prepara para montar agora uma produtora com foco na periferia. “Adoraríamos gravar com o Criolo, ele nos inspirou”, sugere, com ótimas intenções, o membro do grupo Victor Rodrigues.

Continua após a publicidade

Para contatar o Quebramundo: quebramundo@gmail.com

Sonho de criança
O rapper MMoneis, ou Rafael Gomes, 25, precisou gastar muita sola de sapato para divulgar seu disco de estreia. “Vendi sozinho 6 000 cópias do CD em lugares como a USP e a Vila Madalena”, conta. Ao custo de 5 reais cada um, os álbuns o ajudaram a pagar suas contas por mais de um ano .“Estourei quando consegui uma maquininha de cartão”, diverte-se. A obra de quinze faixas lançada em 2015 — com letras inspiracionais e sobre a vida na periferia — abriu portas para novas oportunidades. MMoneis já se apresentou com Karina Buhr e Xênia França.

De quebra, conheceu o DJ Makô e Lumbriga, músicos advindos do importante grupo de rap Quinto Andar, encerrado em 2005. Do contato, surgiu o convite para gravar o segundo álbum, com produção executiva da dupla. Para bancar gravação, masterização e mixagem, Rafael montou um esquema de patrocínio com contatos próximos. “Consegui 30% do investimento com eles”, diz. Em troca, disponibilizará produtos, como álbuns, para essa turma. A ginástica justifica o sonho de cantar que acompanha o artista desde a infância. “Não tem um dia em que não penso em rap.”

Para contatar MMoneis: manomoneysoficial@gmail.com

Continua após a publicidade
Gah MC, Jpa Epycentro e Ladakipnis: batalha de rimas (Alexandre Battibugli/Veja SP)

8 000 pessoas em uma noite
Na comemoração de um ano de atividade, em abril, a competição Batalha Grajaú Rap City, na qual MCs duelam entre si para ver quem faz as melhores rimas, atingiu a impressionante marca de 8 000 pessoas na plateia (o suficiente para encher o Espaço das Américas). Com programação quinzenal, às quintas, a atração gratuita é comandada por sete integrantes de grupos locais, como Clube do Berro e Canella Fina. Entre eles aparecem os irmãos Bruno e Rafael Turuzawa, conhecido como Jpa Epycentro.

Donos de uma etiqueta de roupas e de um estúdio de tatuagem na região, eles aproveitam a rinha também como forma de divulgar seus negócios. Os encontros funcionam no esquema do mínimo gasto possível: usam a aparelhagem de som do DJ Beel, do coletivo, e ocupam um espaço aberto em frente ao Centro Cultural Grajaú. Nesse embalo, a turma começou a participar de eventos pagos. Mensalmente, uma festa própria acontece em uma casa no Ipiranga com lotação de 1 500 pessoas, na qual o grupo fatura com o valor do ingresso, a partir de 5 reais. “No começo foi complicado, mas conquistamos nosso espaço”, diz Jpa.

Para contatar a Batalha Grajaú Rap City: grajaurapcityoficial@gmail.com

Galeria pioneira
Com forte produção de grafites em muros do
Grajaú — voltados a desenhos como máscaras e elefantes —, o artista plástico Gelson Salvador, 29, ficou conhecido na região e em outros pontos de São Paulo. “Houve um ano em que pintei quase todos os dias”, contabiliza. Pela necessidade de exibir sua obra de forma mais organizada em telas, ele montou em 2014 o Ateliê Daki, ao lado de outros seis criadores do pedaço.

Trata-se da primeira galeria de arte com mostras recorrentes da área, em funcionamento até hoje. “Vendemos cerca de 50% das obras na primeira exposição”, lembra. O esquema de pagamento parcelado permite que os moradores comprem quadros a um valor até maior que o do próprio salário — há obras de 500 a 10 000 reais. Desde 2016 em voo solo, Salvador apresentou uma mostra com dez pinturas próprias no Centro Cultural Santo Amaro e participou da exposição de lançamento do Centro Cultural Instituto Amo, em Cotia, com figuras como Guto Lacaz. Com a divulgação, surgiram convites para pintar quadros sob encomenda e vendas pelo Instagram. “É preciso ser polivalente até a alma”, acredita.

Continua após a publicidade

Para contatar Gelson Salvador: gelsonsalvadorart@gmail.com

Parcerias do rap
Enquanto muitos enxergam na noite paulistana uma ocasião para curtir, beber e paquerar, o rapper Lauro Pirata, 31, vê uma rede de oportunidades. “Observo o momento oportuno para aparecer e rimar”, diz. Hexacampeão da famosa Rinha dos MC’s, o rapaz conseguiu, graças ao estilo despojado e bem articulado, diversas parcerias. A partir de um contato com o cantor de folk Jonavo, por exemplo, ele pôde se apresentar no Bar Brahma, em maio.

No mesmo mês, fez participações em shows no Z Carniceria, em Pinheiros. A camaradagem o ajudou ainda a lançar o disco Nós Somos Um, em 2016. A banda de jazz que o acompanhou, a produção e a finalização saíram a custo quase zero. “Acrescenta no meu trabalho conhecer mais estilos, ver como outros caras enxergam a música”, diz. Agora, está às voltas com uma nova série de singles, o primeiro deles previsto para 6 de julho.

Para contatar Lauro Pirata: lauropirata@gmail.com

Continua após a publicidade
Wellington Neri sobre a Casa Ecoativa: “É um espaço de convivência com potencial de aprendizagem” (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Cultura na Billings
O artista visual Wellington Neri, o Tim, 34, trabalha há mais de uma década para manter dois projetos irmãos, ambos com forte apelo nas áreas de educação e meio ambiente. A Casa Ecoativa, às margens da Represa Billings, funciona como um importante polo de cultura. Ali, rolam saraus, eventos e exposições.

O endereço oferece ainda consultoria a instituições de ensino que buscam saber mais sobre juventude, arte urbana e ecologia. “É um espaço de convivência com potencial de aprendizagem”, afirma. Ele também toca o projeto Imargem, que organiza oficinas de grafite, realiza intervenções artísticas e se propõe a repensar espaços urbanos. As empreitadas, que demandam cerca de 15 000 reais por mês, são bancadas em parte por editais públicos e parcerias com empresas que contratam o time para comandar workshops e visitas guiadas à Casa Ecoativa.

Para contatar a Casa Ecoativa: eco_ativa@hotmail.com
Para contatar o Imargem: meescreva@imargem.art.br

Shows embalados por soul e blues
Com a intenção de resgatar as memórias de bailes black da década de 80, nove músicos decidiram lançar a atual proposta do graja groove em 2015. Desde então, tornou-se um dos grupos mais conhecidos da nova geração do Grajaú. Focado em ritmos como soul, disco e blues, o conjunto lançou seu primeiro disco com a ajuda de um edital público em 2016. Atualmente, faz, em média, três apresentações mensais, mas vale dizer: em boa parte delas não há cachê, apenas ajuda de custo. “Estamos sempre batendo nas portas e procurando lugares onde podemos mostrar nosso trabalho”, explica Tiago Morais, o Tigone.

Com forte tino para o marketing, o rapaz assume o planejamento do coletivo e ainda participa de outra turma, o Salve Selva. Essa última dedica-se à divulgação de iniciativas artísticas locais e comercializa camisetas e moletons com a marca Graja Groove. Denise alves, a única mulher do grupo, se destaca também em sua carreira-solo. Recentemente, gravou um DVD ao lado de Nayra Lays, outra figura marcante da região. Para a produção, contou com o apoio de 32 profissionais, entre músicos, iluminadores e cinegrafistas.

Continua após a publicidade

Eles não receberam nem um centavo sequer por seus serviços, mas quiseram apoiar o trabalho das jovens. “Aprendi que é essencial fazer parcerias, apresentar um sonho e ver quem embarca junto”, afirma Denise, que integra ainda o coletivo Graja Minas, pelo qual dezenove MC’s do pedaço lançarão em breve uma coletânea de faixas inéditas. “Eu me vejo como empresária da minha própria carreira.”

Para contatar o Graja Groove: tigone15@yahoo.com.br
Para contatar Denise Alvesdenisealvess002@gmail.com

(VEJA SÃO PAULO/Veja SP)
Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe semanalmente Veja SP* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de São Paulo

a partir de R$ 39,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.