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O problema da minicracolândia na região da Avenida Paulista

Frequentadores e moradores da área reclamam de sensação de insegurança; houve crescimento de roubos e furtos

Por Ricardo Chapola
2 ago 2019, 19h20

Às 18h do último dia 23, duas viaturas da Guarda Civil Metropolitana (GCM) foram escaladas para ficar de plantão em um dos acessos da Avenida Paulista. A missão era garantir a segurança de quem passava por lá, principalmente de eventuais ataques cometidos por usuários de crack que tomaram a região nos últimos três anos. Enquanto isso, a 150 metros dali, na Praça José Molina, próxima à avenida Doutor Arnaldo, cerca de quinze pessoas acendiam seus cachimbos e saiam a pé, vagando em direção à principal via da cidade, entre pedestres e bases da Polícia Militar instaladas no pedaço.

Desde 2016, muita gente que mora ou trabalha na Paulista se queixa do surgimento de uma espécie de nova minicracolândia por lá. Antes, os usuários costumavam se concentrar embaixo dos viadutos da Avenida Doutor Arnaldo. Hoje, é possível encontrá-los também ao longo de toda a via, bem como nas ruas adjacentes a ela, tanto do lado dos Jardins, quanto da Bela Vista.

Essa é a impressão de pessoas como Isabella Guedes. Funcionária de um banco do pedaço desde 2011, a mulher de 30 anos relata que, há três anos, percebe um aumento considerável do número de usuários de crack no caminho para o trabalho. Junto a isso, a sensação de insegurança também tem incomodado. “Eu já não ando mais em certos trechos à noite, nem nas ruas paralelas”, conta. “Os usuários são bastante agressivos quando abordam os pedestres. E nós, mulheres, nos sentimos ainda mais vulneráveis.”

Entre os moradores, a impressão é a mesma. Bruna de Andrade, de 29 anos, vive na região desde 2000. A publicitária reclama dos usuários que passaram a morar em barracas montadas em frente a sua casa, entre as ruas Haddock Lobo e Antônio Carlos. “Eles se drogam ali mesmo. E acabam descontrolados à noite. Ficam berrando de madrugada”, afirma.

As barracas também têm incomodado Fabrício Estevão da Silva. Funcionário de uma banca de jornal há treze anos, o rapaz reclama do lixo deixado pelos dependentes químicos. “Quando comecei a trabalhar por aqui, não tinha nada disso por aqui”, afirma.

Quem passa pela Paulista reclama da presença de barracas de moradores de rua e de usuários de crack (Ricardo Chapola/Veja SP)

O surgimento da nova cracolândia na Paulista coincide com o período em que a região também passou a ficar mais perigosa. Entre 2016 e 2018, o número de crimes cometidos na área disparou. Há três anos, o 78º DP, delegacia responsável pela área, registrou 9 948 ocorrências de roubos e furtos. No ano passado, foram 12 023 – um crescimento de quase 21%.

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Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informa que, em 2019, essas estatísticas começaram a cair. “As ações policiais na região também resultaram na queda de 12,5% dos roubos, de janeiro a maio, em comparação ao mesmo período do ano passado”, diz o texto. Segundo informações disponíveis no site da pasta, a polícia registrou 5 518 roubos e furtos ocorridos no pedaço nos primeiros cinco meses deste ano. O órgão comunica também que a PM tem realizado patrulhamento diário na área para combater o tráfico.

A prefeitura comunicou que atua em toda a cidade a fim de diminuir o consumo de drogas, por meio da oferta de acolhimento e tratamento a usuários. “Na Avenida Paulista, as equipes de Consultório na Rua realizam abordagens, orientando e convidando os moradores em situação de rua a conhecerem os serviços de saúde mental e, os que aceitam o atendimento, são encaminhados pelas equipes aos CAPS mais próximos ou direcionados às UBSs, sempre que necessário”, diz a nota.

Só em junho, a prefeitura informou que o Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS) realizou cerca de 236 abordagens com 33 encaminhamentos na região da Paulista. Desses encaminhamentos, 22 deles foram para o núcleo de convivência (onde os usuários têm acesso a almoço, higiene e atividades). Houve ainda cinco casos em que as pessoas foram acolhidas. Além disso, a administração municipal afirma que mantém policiamento diário na região com equipes da GCM.

Do cinema às drogas

A cracolândia mais conhecida pela população paulistana fica na região da Luz, no centro. Antes de virar reduto do tráfico e do consumo de crack, o bairro já foi polo da indústria cinematográfica da cidade. A antiga Boca do Lixo, como era chamada, chegou a atrair empresas do ramo como Paramount, Fox e Metro pela proximidade com as estações de trem e a rodoviária de São Paulo naquela época, o que facilitava a distribuição de equipamentos e cópias de filmes pelo país. Com o passar dos anos, a Luz passou por um intenso processo de degradação, virando antro de prostituição e tráfico de drogas até ganhar, em 1990, o apelido de cracolândia que carrega até hoje.

Desde então, o poder público tem tentado implementar medidas para acabar com o tráfico e o uso de crack no bairro. Muitas delas envolveram operações ostensivas de repressão policial. Para especialistas ouvidos pela reportagem, as ações policiais no pedaço ajudaram, na verdade, a diluir os usuários e os traficantes para outros bairros, formando várias outras minicracolândias por São Paulo.

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“As operações na cracolândia foram bastante ruins. Porque, durante as ações, não é possível diferenciar o usuário do traficante”, afirma Benedito Mariano, ex-secretário municipal de Segurança Urbana na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT). “O que a polícia precisa fazer é investigar a rede de distribuição de crack em São Paulo. Em especial, na Luz.”

Segundo Mariano, o fim do Programa Braços Abertos também fez com que os usuários migrassem para outras áreas da capital. Uma das marcas da gestão de Haddad na prefeitura, o programa, criado em 2014, oferecia moradia e trabalho a dependentes químicos, com base em uma política de redução de danos. Foi extinto quando João Doria assumiu a administração municipal em 2017. No lugar dele, Doria criou o Programa Redenção, baseado em uma política de internações e tratamentos ambulatoriais.

 

 

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