Boulos quer transformar iniciativas do MTST em leis
Cozinhas solidárias e projeto de moradia serão primeiras propostas como deputado federal; líder dos sem-teto critica apoio de Nunes a Bolsonaro e Tarcísio
Líder de votos na eleição a deputado federal por São Paulo nas eleições de 2022, Guilherme Boulos (PSOL), 40 anos, afirma que a principal marca do seu futuro mandato em Brasília será a de luta contra a desigualdade social no país. Entre os primeiros projetos que pretende apresentar estão duas iniciativas do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), a das cozinhas solidárias, que produz alimentos e distribui gratuitamente nas ocupações a partir de doações; e um programa de moradia popular, modelo que já ajudou a erguer prédios no estado.
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Coordenador da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência, Boulos afirma que a presença de Haddad nas agendas de Lula é a principal estratégia para tentar eleger, pela primeira vez, um petista à frente do governo estadual. Haddad disputa o segundo turno com Tarcísio de Freitas, do Republicanos.
Graduado em filosofia e mestre em psiquiatria pela USP (Universidade de São Paulo), Boulos atua há mais de 20 anos em movimentos sociais. À Vejinha ele lança o seguinte questionamento: “Quem imaginaria que o deputado mais votado de São Paulo, com mais de um milhão de votos, seria o líder do movimento sem teto, um movimento que sofre tanto estigma e preconceito? ”
Ele ainda comenta a expressiva votação que obteve para deputado federal, critica severamente a estratégia do prefeito Ricardo Nunes (MDB) em apoiar as campanhas do presidente Jair Bolsonaro (PL) à reeleição, e a Tarcísio ao governo estadual, dizendo que o emedebista antecipou as discussões sobre a eleição municipal de 2024. Boulos afirma também que continuará morando no Campo Limpo, no extremo da Zona Sul da capital, mesmo após tomar posse em Brasília.
Em relação à sua votação expressiva, o quanto ter participado de suas eleições seguidas colaborou para esse resultado?
Fui o deputado federal mais votado de São Paulo, e eu acho que isso acabou surpreendendo muita gente, né? Porque aqui [campanha] não tinha máquina, gabinete do ódio, nada disso. Já na eleição de 2020, quando fui ao segundo turno na capital, também surpreendeu pelas mesmas razões. Foi a batalha de Davi contra Golias. É natural que ter sido candidato à Presidência da República e à Prefeitura de São Paulo aumentou a taxa de conhecimento ao meu nome. As pessoas puderam inclusive desmistificar preconceitos que tinham em relação ao movimento social e à minha atuação militante. Essa votação também foi um recado, uma mensagem do Estado de São Paulo, que tinha quatro anos antes eleito o Bananinha [apelido pelo qual ele denomina Eduardo Bolsonaro, deputado federal reeleito pelo PL]. Depois de ter sido eleito, os meus esforços em primeiro plano são na eleição do ex-presidente Lula.
Como o senhor tem ajudado na campanha do ex-prefeito Fernando Haddad (PT)?
Estou 100% empenhado na eleição do Lula e na eleição do Fernando Haddad. Não dá para deixar um cidadão como Tarcísio virar governador de São Paulo. É uma tragédia não só por ele não ser do estado, não conhecer o estado e nem as necessidades do povo paulista, mas porque se ele virar governador, tende a trazer o pior do bolsonarismo para São Paulo. São Paulo até aqui é livre de milícias. Sabe-se lá o que pode acontecer com um cara como Tarcísio no governo.
A diferença de Haddad para Tarcísio é de mais de um milhão e meio de votos. De onde eles virão?
Dá para virar, eu não tenho a menor dúvida que dá para virar. A campanha do Haddad vai seguir muito ligada à campanha do Lula, e o Lula crescendo em São Paulo, isso também gera um crescimento do Haddad. Nós temos margem para ampliar a vantagem do Haddad na capital e na região metropolitana, onde ele já ganhou no primeiro turno, e reduzir a margem do Tarcísio no interior. Eu estou muito confiante que é possível.
Num eventual governo Tarcísio, São Paulo será de fato um bunker do bolsonarismo?
Olha, eu sequer quero considerar essa hipótese. Vamos trabalhar arduamente pela eleição do Haddad. O Tarcísio representa justamente a infiltração do bolsonarismo em São Paulo, e por isso precisa ser enfrentado e combatido com todas as forças até o dia 30 de outubro. No debate da TV Bandeirantes [no dia 10 de outubro], ele chegou a defender o orçamento secreto [também chamado de emendas do relator, e que oculta o nome do parlamentar que solicitou]. Ele quer trazer o orçamento secreto para São Paulo. Ele quer trazer as milícias para São Paulo. O cara não sabe o colégio de votação dele, se deixar o Tarcísio sozinho pelo Estado, ele não chega na Praça da Sé nem com Waze. Não tem a menor condição.
O senhor mencionou dois projetos que seriam prioritários, um novo projeto de moradia popular e cozinhas solidárias. Quais são as outras propostas que tem em mente?
O meu foco como deputado federal vai estar no combate às desigualdades. A desigualdade social é o maior drama do Brasil e vamos combatê-la de todas as formas. Quando eu falei de uma política de combate à fome, uma política de moradia, falo do cerne da desigualdade. É inadmissível que um país que seria um dos maiores produtores de alimento do mundo, tenha 33 milhões de pessoas com fome. É inadmissível que um país rico como o Brasil tenha tanta gente morando nas ruas, jogadas de maneira indigna nas suas grandes cidades. É por isso o foco nessas duas ideias. Naturalmente vamos nos debruçar em outras pautas. Por exemplo, uma reforma tributária progressiva para mudar esse sistema escandaloso, injusto de cobrança impostos no Brasil, que está focado na cobrança de imposto sobre consumo, em que os mais pobres pagam proporcionalmente mais do que o super-ricos, que estão isentos nas suas aplicações, estão isentos na distribuição de lucros e dividendos, estão isentos de IPVA de jatinho, enquanto na cesta básica, na compra dos produtos elementares para sobrevivência das pessoas, se cobrem impostos. Então, uma reforma tributária que estabeleça justiça na cobrança, e combate à desigualdade é essencial e vai ser uma das pautas que eu também vou me debruçar.
Embora a composição da Câmara tenha saído mais diversa, com eleição de nomes como Érika Hilton (PSOL), a base bolsonarista foi ampliada. Numa eventual reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), ele poderá ter 300 nomes. Será mais difícil de negociar os seus projetos?
Nós temos que olhar a eleição para o legislativo no dia 2 de outubro não só pelo copo meio vazio, mas também pelo copo meio cheio. Em primeiro lugar, não se elegeram 300 bolsonaristas. Foi eleita uma bancada bolsonarista, o que era esperado, porque derrotar o Bolsonaro, o que nós vamos fazer no dia 30 de outubro, não significa acabar com o bolsonarismo. Essa é uma batalha muito maior. Só que se você pegar a própria bancada do PL, mais da metade dessa bancada não é bolsonarista ideológica, é a turma do centrão do Valdemar Costa Neto [presidente do PL]. É lógico que o Lula uma vez eleito vai precisar fazer diálogo e negociar com partidos que não são da esquerda porque a esquerda não fez maioria. Agora é preciso também dizer uma coisa, quem imaginaria que o deputado mais votado de São Paulo, com mais de um milhão de votos, seria o líder do movimento sem teto, um movimento que sofre tanto estigma e preconceito? Quem imaginaria que uma mulher negra, trans como Érica Hilton seria deputada com uma votação tão expressiva? Ou que a Sônia Guajajara e a Célia Xakriabá, duas mulheres indígenas, chegariam ao Congresso para enfrentar a bancada ruralista? Ou que um pastor de esquerda, negro, tal como Henrique Vieira lá no Rio de Janeiro, se tornaria deputado? Houve uma renovação com a presença de figuras muito simbólicas, com votações expressivas no Congresso.
Na gestão do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles foram estabelecidos o teto de gastos e a reforma trabalhista. São pautas que não dialogam com o que foi divulgado até agora por Lula, embora Meirelles tenha declarado apoio ao ex-presidente. Em sua opinião Meirelles terá espaço num eventual governo Lula?
Eu acredito que o Lula construiu uma ampla frente democrática, isso é o importante agora. Grande parte da sociedade brasileira reconhece a ameaça autoritária que o Bolsonaro representa. Se alinhar com o Lula mesmo tendo diferença, seja na agenda econômica, seja em outros aspectos por entender a urgência e a necessidade do Brasil seguir um caminho democrático, é isso que está em jogo. Minhas posições sobre a agenda econômica do Brasil são públicas. Certamente os brasileiros, e a maior parte dos brasileiros pobres que votam no Lula, votam também entendendo que o Lula representa o combate à fome, que o Lula representa o combate às desigualdades, e eu acredito que essa agenda essencial para o país na reconstrução depois de derrotar o Bolsonaro. O Henrique Meireles eu acredito que entrou nessa frente por entender o risco à democracia brasileira. É isso que está em jogo.
O senhor continuará morando no Jardim Catanduva, no Capão Redondo?
Vou continuar morando no Campo Limpo sem sombra de dúvidas. Eu não vou morar em Brasília. As sessões do Congresso acontecem três vezes por semana, às terças, quartas e quintas estarei em Brasília para todas as sessões cumprindo o meu dever, que o Povo Paulista me confiou, mas voltarei de Brasília direto para o Campo Limpo.
O apoio de Ricardo Nunes (MDB) a Tarcísio já antecipa as discussões para 2024? E o senhor, será ou não candidato à Prefeitura de São Paulo?
Tive uma votação expressiva e fui ao segundo turno na maior cidade do Brasil há dois anos. É lógico que isso gera um debate sobre as perspectivas para a disputa na cidade de São Paulo, e eu fico grato que o Lula tenha já declarado seu apoio, o Haddad, o PT, as lideranças do PT a esse projeto, mas esse é um momento para a gente pensar no dia 30 de outubro. Minha cabeça está 100% voltada na necessidade de liberar o Brasil desse pesadelo. O momento é pensar nisso, pensar na eleição do Lula e na eleição do Fernando Haddad. Eu lamento muito que o Ricardo Nunes já esteja antecipando até de uma forma pequena, mesquinha, um debate eleitoral de 2024 e que a reação dele tenha sido apoiar o Bolsonaro e o Tarcísio de Freitas. Apequena a cidade de São Paulo que votou de uma forma bastante expressiva e sonora contra o Bolsonaro. Quando ele declara apoia o Bolsonaro e ao Tarcísio, ele está fazendo isso também pensando em coalisões para 2024, e apequena a cidade de São Paulo.
José Serra e João Dória foram duramente criticados por ficarem apenas dois anos nos mandatos de prefeito para se elegerem governador. Se uma eventual candidatura sua se efetivar para a Prefeitura de São Paulo em 2024, não incorrerá no mesmo que eles fizeram?
Como eu te disse meu foco nesse momento é o Lula. Eu não estou com a cabeça em 2024, eu estou com a cabeça no dia 30 de outubro de 2022, e, na sequência dessas vitórias, poder exercer meu mandato como como deputado federal. Ao mesmo tempo é preciso ter em mente que uma coisa é um cargo Legislativo, outra coisa é um cargo Executivo. Serra e Dória usaram essa tradição tucana em cargos Executivos, largando a cidade e o estado no meio do caminho para poder atender os seus projetos.
Além de Boulos, é possível também conferir a entrevista do deputado estadual mais votado de São Paulo, Eduardo Suplicy (PT), neste link. A reportagem também procurou o senador eleito, Marcos Pontes (Republicanos), porém sua equipe informou que ele não falaria com a reportagem.