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Grupos de ciclismo em São Paulo adotam pautas ativistas

Visibilidade no trânsito, sustentabilidade, feminismo e pautas raciais são algumas das vertentes que impulsionam os coletivos de bicicleta

Por Laura Pereira Lima
Atualizado em 22 mar 2024, 11h01 - Publicado em 22 mar 2024, 06h00
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Pedalada pelada: uso da nudez para chamar atenção para a vulnerabilidade dos ciclistas no trânsito (Luciana Cury/Divulgação)
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Na noite do último dia 9, quem caminhava pela Avenida Paulista por volta das 19 horas presenciou uma cena inusitada: uma multidão pedalando sem roupa ocupava toda a pista sentido Paraíso. Tratava-se da edição local do movimento mundial conhecido como World Naked Bike Ride — que em português recebeu a oportuna tradução de Pedalada Pelada. Uma vez por ano, ciclistas de diversas partes do mundo se reúnem para pedalar como vieram ao mundo. A nudez não é gratuita, tem como objetivo chamar atenção para a insegurança de quem circula sobre duas rodas em meio ao trânsito das grandes cidades. “Pelado você me vê?” é um dos slogans do grupo.

O protesto foi orquestrado pelo Massa Crítica, organização mundial que atua em defesa da visibilidade no trânsito e da locomoção sustentável, ou seja, por meio de veículos não poluentes. Em São Paulo, o grupo organiza pedaladas mensais e atos como o que chamou atenção para a morte de Julieta Hernández, atriz venezuelana assassinada em dezembro de 2023, no Amazonas, enquanto viajava de bicicleta pelo Brasil. “É um caso de feminicídio, mas também alerta sobre a vulnerabilidade do ciclista”, afirma George Queiroz, frequentador do coletivo há mais de dez anos.

Mais do que um meio de locomoção, o ciclismo tem sido uma importante forma de manifestação política. Ativismo ambiental, identidade de gênero e questões raciais são algumas pautas levantadas por grupos que se reúnem regularmente para pedalar em conjunto.

“Nosso corpo não é aceito na cidade nem no trânsito. Pilotar com o corpo exposto é muito desafiador”, afirma Letícia Nakano, artista visual e cofundadora do Vespas Bike Gang. Criado em 2018, o coletivo tem como objetivo oferecer uma rede de apoio para mulheres dentro e fora do ciclismo, um ambiente frequentemente hostil ao público feminino. “O próprio formato padrão do assento é um grande desconforto. A bicicleta sempre foi pensada para o corpo masculino”, alerta Alessandra Albuquerque, outra fundadora do Vespas.

Assédio moral e sexualização — por conta das roupas justas, próprias para a prática — são outros motivos que afastam mulheres da atividade. Na comunidade do WhatsApp dos Vespas, que reúne mais de 500 mulheres, o assunto não é só bicicleta. Além das pedaladas às quartas-feiras, o grupo também organiza eventos como aulas de defesa pessoal, workshop de mecânica, festas e oficinas de temas variados.

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Vespas Bike Gang (Alexsandra Moura/Divulgação)

Foi também em busca de acolhimento que Beatriz Ferreira chegou ao ciclismo. A jovem psicóloga morou grande parte da vida na periferia e, há dois anos, mudou-se para o centro. “Quando cheguei, não conhecia ninguém”, lembra. Procurando um refúgio, Beatriz começou a participar das pedaladas do Malungada, grupo exclusivo para pessoas negras. Ela tinha acabado de passar por um processo de transição capilar, e os encontros foram fundamentais para seu autoconhecimento. “Sou uma mulher preta de pele clara. Eu me questionava muito sobre minha identidade como pessoa preta. No Malungada me senti pertencente”, conta ela, que por meio do grupo teve o primeiro contato com o Candomblé, religião que segue atualmente.

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Malungada (Instagram/Reprodução)
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No caso do Emos Bike Crew, a música é o grande elo. Nas caixinhas de som, indispensável nos roteiros, a trilha sonora, claro, costuma ser o rock mais melódico. “Todo mundo ali já usou calça apertada e cinto com rebites algum dia”, conta André Rufos, produtor audiovisual, em referência ao estilo dos emos, tribo urbana surgida na década de 80 nos Estados Unidos e que ganhou adeptos no Brasil nos anos 2000. Como muitos participantes são artistas, o grupo funciona também como um espaço de troca de ideias e divulgação de trabalhos como shows e álbuns.

Independentemente do perfil, todo ciclista compartilha, além do amor à bike, a preocupação com a segurança no trânsito. Em 2023, foram 34 mortes por atropelamento na capital, segundo dados do Infosiga. Com ciclofaixas ainda insuficientes, e ameaças por parte dos motoristas motorizados, aderir às bicicletadas coletivas tem sido uma maneira de pedalar com mais tranquilidade, mas não só. Também tem se mostrado um importante espaço de autoconhecimento e de luta por ideais.

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Publicado em VEJA São Paulo de 22 de março de 2024, edição nº 2885

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