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Isolado e cancelado: Arthur do Val fica sem apoio e corre risco de ser cassado

Acostumado a provocar e a criar encrencas com adversários e desconhecidos, o deputado estadual pode perder mandato após vazamento de áudios sexistas

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
11 mar 2022, 06h00

No dia a dia do Legislativo, é comum personagens antagônicos no espectro político e ideológico manterem boa relação pessoal e até mesmo algumas parcerias em projetos. Também é corriqueiro parlamentares de partidos opostos discutirem publicamente de forma ríspida, mas nos bastidores saírem abraçados. No caso do deputado estadual Arthur Moledo do Val, 35, ele conseguiu unir contra si a esquerda, o centro e a direita da Assembleia Legislativa após o vazamento de áudios sexistas.

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“As ucranianas são fáceis porque são pobres” e “Essas minas em São Paulo você dá bom-dia e ela iria cuspir na sua cara. E aqui elas são supersimpáticas, super gente boa” foram algumas das frases gravadas para um grupo de amigos ao relatar sua viagem à Ucrânia para, segundo ele, acompanhar o conflito, além de dizer que a fila de refugiados da guerra tem mais mulheres bonitas do que a “melhor balada do Brasil”.

Duas imagens. À esquerda, homem de terno com os punhos levantados. À direita, uma aglomeração de pessoas em volta do mesmo homem.
Punhos para o alto: Durante uma votação, em 2019, Arthur do Val chamou sindicalistas de vagabundos e provocou grande confusão no plenário. (Crédito/Reprodução)

Eleito em 2018 com 478 000 votos, ele enfrenta há uma semana um grande processo de “cancelamento” e não recebeu o apoio público de nenhum dos 93 colegas de Parlamento. Assim que o caso eclodiu, na sexta (4), Mamãe Falei, como o deputado é conhecido na internet por seu canal no YouTube, perdeu a namorada (ela terminou o relacionamento por meio de um texto no Instagram), a credibilidade, a candidatura ao Palácio dos Bandeirantes, a ligação com o presidenciável Sergio Moro, mais de 30 000 seguidores no Instagram, passou a ser objeto de mais de dez representações no Conselho de Ética e corre risco de ser cassado.

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De político promissor — nas eleições municipais de 2020 ele ficou na quinta colocação, com mais de 522 000 votos, à frente de candidatos como Jilmar Tatto (PT), Joice Hasselmann (PSL, hoje no União Brasil) e Andrea Matarazzo (PSD) —, Arthur do Val é hoje um homem isolado.

Duas imagens. À esquerda, dois homens, um com a mão sobre a nuca do outro. À direita, os mesmos homens tirando uma selfie juntos.
Ainda desconhecido: “Acha que eu sou a Patricia Pillar para você me bater?”, pergunta ao então presidenciável Ciro Gomes, em 2018. O vídeo em que Arthur, então candidato a deputado, leva um “pescotapa” do político cearense tem mais de 3,9 milhões de visualizações. (Crédito/Reprodução)

“É claro que o meu perfil sempre combativo vai me prejudicar (no Conselho de Ética)”, diz o deputado, prevendo dias difíceis no colegiado paulista, formado por seis homens e três mulheres. Na última terça (8), anunciou a saída do Movimento Brasil Livre (MBL), a sua desfiliação do Podemos e a desistência de tentar a reeleição.

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O perfil combativo e instigante em frente às câmeras é uma marca pessoal de Arthur, desde antes da sua vitória nas urnas. Tanto nas ruas quanto no plenário da Alesp, perguntas e posições ofensivas renderam muitas confusões (e muitos cliques).

Uma das polêmicas mais famosas, um mês depois de assumir o mandato, foi quando subiu ao púlpito da Assembleia com uma lista contendo nomes de colegas que receberam doações de campanha de agentes fiscais de renda. Na época, nominou cada um e seus respectivos valores.

Imagem mostra homem de terno falando em microfone, com um papel na mão.
Doações de campanha: durante a votação de benefícios a agentes fiscais de renda, que ganham os maiores salários do funcionalismo paulista, o deputado listou os colegas que receberam doações de campanha desses servidores. Nominando um por um, disse quanto cada um deles recebeu. No detalhe, o parlamentar Caio França (PSB), que recebeu 40 000 reais e cujos valores foram registrados na sua campanha. (Crédito/Reprodução)

No fim daquele ano, durante a votação da reforma da Previdência, Arthur chamou sindicalistas de vagabundos, provocando a ira do também deputado Teonilio Barba (PT), que invadiu a área dos discursos para agredir o colega e acabou contido pela turma do deixa-disso.

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“Chamei de bando de vagabundo, sim. É um bando de vagabundo mesmo. Não todos os servidores, só aqueles que estão aqui aplaudindo quem ofendeu a deputada Janaina (Paschoal)”, falou, após levantar os dois punhos, como um pugilista. Veja ao longo da reportagem outros momentos em que o deputado-youtuber provoca desafetos.

Se por um lado ele desafiava adversários, do outro se desentendia com aliados, caso da deputada Janaina Paschoal (PRTB), outrora defendida por ele. Em setembro, ela entrou com representação no Ministério Público depois que Arthur a acusou de negociar a manutenção de cargos em uma estatal. O caso acabou arquivado e a amizade de ambos terminou ali.

Duas imagens. À esquerda, dois homens, um de máscara, e o outro com a mão levantada. À direita, os mesmos homens, vistos de lado.
Dá o celular aqui: em dezembro do ano passado, o deputado Gil Diniz (PL), aliado do presidente Jair Bolsonaro, tentou pegar o telefone celular do colega, que filmava manifestantes na galeria do plenário. O vídeo, publicado no canal Mamãe Falei, teve mais de 200 000 visualizações. (Crédito/Reprodução)

“Com o tempo, todos foram percebendo que ele arma, edita falas, faz acusações infundadas, não tem nenhuma convicção, faz o que for preciso para ganhar seguidores nas redes”, diz a deputada estadual mais votada de 2018.“Ele monetizou até o vídeo em que tentou explicar os áudios. Nada ali é sentido. Nada é real.”

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De real atualmente em Arthur do Val há a tentativa de se defender do cancelamento pelo qual passa, quase sempre relacionando outros personagens desconexos com a sua acusação. “E quando o (ator) José de Abreu cuspiu em uma mulher e disse que é preciso socar a cara da Tabata Amaral? No caso dele está tudo bem, mas é inacreditável.”

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Outra comparação que o deputado faz é com o caso da importunação sexual cometida por Fernando Cury (sem partido) contra Isa Penna (PSOL), ambos deputados estaduais. “Tivemos um caso de assédio real na Assembleia (Cury apalpou a colega), não foi algo apenas falado. Não assediei ninguém. O caso dele foi mais grave. O meu caso não existe. Mandei áudios, cometi um erro grotesco, mas perder o mandato?”

Duas imagens, uma em cima da outra, mostra homem entrevistando pessoas vestidas de roupas com a bandeira do Brasil, em uma calçada.
Condenação: em dezembro último, Arthur foi condenado a pagar 60 000 reais de indenização a um casal de advogados que foi a uma manifestação a favor do presidente Bolsonaro. “Os vídeos seguramente comprometeram a imagem-atributo dos autores, chamados de ‘gado’ e representados como ‘burros’ ”, disse o juiz que proferiu a sentença. Cabe recurso. (Crédito/Reprodução)

Procurada, Isa Penna disse que a injustiça de uma eventual cassação não será contra Arthur, mas contra si, pois Cury também deveria ser cassado. Cury recebeu uma suspensão de seis meses e já retomou o mandato. “O Fernando Cury é da base aliada e querido por seus colegas”, diz Isa, citando um corporativismo no seu processo no Conselho de Ética. “Já o Arthur arrumou muitos inimigos, sempre tenta aparecer e criar fatos novos, como essa viagem à Ucrânia.”

Nos quase quatro anos de mandato, Arthur do Val disse que nunca usou carro oficial nem a totalidade da verba de gabinete (35 000 reais por mês) a que deputados têm direito. Por outro lado, emprega cinco membros do MBL. De projetos, foram quinze apresentados, dos quais três com outros colegas. Dos quinze, incluindo o que acabava com a meia-entrada, nenhum virou lei.

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Publicado em VEJA São Paulo de 16 de março de 2022, edição nº 2780

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