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Os últimos da espécie: alfaiate

José Cuzzi se dedica desde os onze anos à construção de ternos

Por Felipe Zylbersztajn
Atualizado em 5 dez 2016, 16h39 - Publicado em 8 nov 2012, 20h37

“Minha arte é coisa que você leva mais ou menos uns trinta anos para aprender direito”, diz José Cozzi, de 69 anos, em voz baixa, como se entregasse um segredo mortal. Ele está sentado à pesada mesa de peroba dos anos 20 de seu escritório, num prédio antigo perto do Vale do Anhangabaú, no centro. Cozzi é um dos alfaiates mais bem-sucedidos do país. Desde os 11 anos, ele dedica a maior parte de seu tempo ao universo da construção de ternos. Aprendeu tudo o que há sobre o ofício. Hoje, atende uma clientela cativa de alto poder aquisitivo, entre banqueiros e figurões da comunidade judaica de São Paulo (Cozzi não revela os nomes, “para não atrapalhar os negócios”). Desde setembro, só aceita encomendas para ser entregues no próximo ano. Mas a voz controlada denuncia uma verdade que lhe é difícil admitir: ele sabe que não passará o seu conhecimento adiante. “Não dá mais tempo. Esta é a última geração. É angustiante. Fiz tanto para chegar aqui, e aí você fica pensando: puxa, corri, corri, corri para o ramo morrer na praia? É ou não é?”

Apesar dos pedidos, ele se recusou a ensinar os três filhos. Não por falta de fregueses (“Dispenso bons clientes todos os dias”, garante), mas por pressentir que a falta de mão de obra complicaria a carreira dos rebentos. Um bom alfaiate não faz um terno sozinho, mas coordena o trabalho de funcionários especializados. E eles, segundo Cozzi, não existem mais. “Sempre faltou esse tipo de profissional no mercado. Hoje a situação ficou ainda pior”, explica. Entre as funções em extinção, ele cita três, fundamentais: mangueiro, chefe de oficina e contramestre. “Um mangueiro, por exemplo, tem de ter o alinhavo leve e bom raciocínio, saber distribuir tudo no lugar certo. Às vezes você vai tirar um defeito da frente, mas ele vem de trás. Precisa entender do assunto, sabe?” A alfaiataria de Cozzi produz 240 ternos por ano (um modelo comum custa 4 500 reais), e é ele quem alinhava todas as mangas. “Para ensinar alguém, eu demoraria três anos e teria de parar os outros serviços”, justifica.

Cozzi nasceu em Duartina, a 370 quilômetros da capital, e foi o único dos sete irmãos que seguiu a profissão. Trabalhou com alfaiates em sua cidade natal e em Bauru antes de se mudar para São Paulo, em1964. Na metrópole, passou por algumas oficinas do ramo até decidir montar seu negócio. Em meados dos anos 70, foi morar no prédio onde trabalha até hoje. O ponto do centro foi adquirido de um profissional da área que estava largando a profissão. A mobília da década de 20 veio junto no pacote. Agora, sentado à pesada mesa de peroba de sua sala, ele tem a impressão de que não encontrará outro alfaiate para comprar aquilo tudo, quando resolver parar. “Deve virar escritório ou alguma coisa do tipo. A gente fica sentido para chuchu.”

J. Cozzi Trajes Masculinos. Rua Coronel Xavier de Toledo, 264, centro. Tel.: 3214-3537

+ Os últimos da espécie: profissionais que se dedicam a funções praticamente extintas

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