“Os recreios voltarão a ser barulhentos”, diz Marina Helou
Criadora do projeto que proíbe celular nas escolas paulistas, deputada prevê adaptação lenta e resultado positivo
Responsável pela incomum criação de um projeto capaz de unir a esquerda e a direita, a deputada estadual Marina Helou (Rede) começou a pensar na ideia de barrar o uso do celular nas escolas públicas e particulares paulistas há pouco mais de um ano.
Em julho de 2023, um relatório da Unesco apontou preocupações com a utilização de aparelhos em salas de aula e alertou para o grande impacto negativo no aprendizado de crianças e adolescentes.
Foi o gatilho para a parlamentar iniciar os estudos sobre o tema e construir o projeto de lei na Assembleia Legislativa de São Paulo. “Não quisemos polarizar, pois a pauta é de todo mundo, e não encontramos resistências por parte dos deputados, apenas algumas dúvidas”, diz Marina, que contou com o apoio da Secretaria Estadual da Educação para fazer ajustes no texto e agora espera a sanção do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
O passo seguinte, o da regulamentação, ficará a cargo do Executivo. É nessa fase que todos saberão as regras, como a que determina o local em que os celulares deverão ficar durante a aula. “O professor não será fiscal de celular. O ideal é o aluno deixar o aparelho na entrada e pegá-lo quando sair”, diz a autora da lei.
Confira a entrevista a seguir.
Por que o projeto optou por barrar o celular durante o período todo de aula em vez de criar proibições parciais, liberando nos intervalos de aulas, por exemplo?
Estudamos várias possibilidades e entendemos que o melhor é proibir. A partir daí, a escola deverá criar o melhor meio, estimulando possibilidades. Visitei escolas (que já proíbem o celular) e vimos reformas em quadras de vôlei, compra de mesas de pingue-pongue. Eles criam campeonatos, projetos de recreação. Os celulares e as redes sociais não são inofensivos no vício. Os estímulos, a liberação de dopamina, com cores e formas, viciam o cérebro. É injusto (esperar) que crianças tenham força de vontade sozinhas para sair do vício.
Por que é importante não liberar os aparelhos nem no recreio?
Os intervalos são necessários para a criação de espaços para o desenvolvimento de competências relacionais — conversar, falar, pensar e criar novas iniciativas. A dinâmica de vídeos curtos tira a oportunidade de elas criarem. Os recreios perderam esse lugar na vida das crianças e viraram espaços silenciosos. Agora eles voltarão a ser barulhentos, de brincadeiras.
O governador Tarcísio de Freitas sinalizou que vai sancionar a lei. A partir daí, como a senhora espera que seja feita a regulamentação?
Nossa expectativa é de que regulamentem a tempo, que as escolas tenham tempo de se preparar durante o recesso e que a lei possa valer a partir do ano que vem. Discutimos bem o tema e deixamos claro na lei que o celular não pode ficar na mochila. A escola deve oferecer o local para acondicionar os aparelhos. O simples fato de estar na mochila diminui a atenção e traz distração.
Uma das dúvidas é sobre a posição do professor no processo. Ele vai precisar virar fiscal de celular?
A ideia é que a lei desonere o professor. O ideal é o aluno deixar o aparelho na entrada e pegá-lo quando sair. Cada escola vai ver qual o melhor espaço para isso. Nos últimos meses, vimos várias instituições criando armarinhos ou proporcionando meios para que seus alunos deixem os celulares na entrada, com seu nome impresso. Cada uma vai decidir como fazer.
Por não prever punição, a senhora acredita que a lei corre o risco de não pegar?
A ideia é ser algo pedagógico, não de punição. A gente não previu punição nem criminalização, mas sim ajudar a comunidade escolar a se desenvolver de forma mais saudável.
Qual o papel da família no processo de adaptação?
É fundamental para entender o que acontece, o impacto na vida dos alunos, e trazer mais consciência a eles. Há vários movimentos de pais que propõem pactos coletivos. As famílias precisam entender que as redes sociais são feitas para viciar.
O fato de os alunos não poderem utilizar o celular nas escolas não poderá fazer com que busquem compensar a perda de conectividade em outros momentos do dia?
Uma vez fui a uma escola e conversei com 500 alunos. Pedi para levantarem a mão sobre o tempo que ficam no celular por dia: uma hora, cinco horas, seis horas. A maioria passa dez horas por dia no celular. Eles já passam muito tempo. Se não tiverem o aparelho na escola, já garantimos o mínimo para desenvolverem suas habilidades e conhecerem novos interesses.
O tema também tramita no Congresso Nacional. A senhora acredita que os deputados federais vão proibir celular nas escolas do Brasil inteiro?
Acredito que sim. Fomos convidados para ir ao Ministério da Educação recentemente e mostramos o que discutimos aqui. Fomos bem recebidos. A construção suprapartidária também tem potencial para ocorrer no Congresso. Temos expectativa de que aprovem a lei em nível nacional.
Como avalia a gestão do governador Tarcísio de Freitas?
Sempre me coloquei como independente, consigo avaliar coisas boas, como diálogos para a construção do projeto dos celulares. Mas sou crítica a outras áreas, como na segurança pública, com aumento significativo de violência policial. Nesses pontos eu sou bastante crítica à gestão do governador.
A senhora foi candidata a prefeita em 2020 e obteve pouco mais de 22 000 votos. Qual a sua avaliação sobre o nível baixíssimo da última campanha, com cadeiradas e agressões ao vivo e em cores?
Achei muito triste, fiquei sentida e frustrada pela São Paulo que eu amo. A eleição foi ruim, com poucas possibilidades de discussão. Temas necessários, como desenvolvimento de crianças, mobilidade urbana e adaptações a mudanças climáticas, entre outros, ficaram de fora dos debates. São Paulo merecia muito mais.
Publicado em VEJA São Paulo de 22 de novembro de 2024, edição nº 2920