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Os empreendedores paulistanos que deram a volta por cima

Conheça pessoas que quebraram a cara e encontraram no fundo do poço as lições para triunfar nos negócios

Por Bárbara Öberg e Sophia Braun
Atualizado em 1 jun 2017, 16h18 - Publicado em 27 fev 2016, 00h00
Capa - Ed. 2467
Capa - Ed. 2467 (Caio Guatelli/)
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Que tal abrir um negócio na capital de um estado cujo PIB recuou 4,1% no último ano, com desemprego em alta (8,1%), a meses de uma eleição municipal para lá de imprevisível? Pois, para um número crescente de paulistanos, a resposta é sim, está aí uma ótima ideia. 

Só entre microempreendedores individuais, o crescimento do total de empresas na metrópole foi de 21% no último ano, chegando a cerca de 450 000. Os índices seguem uma tendência nacional, com porcentual recorde de patrões na força de trabalho: 39,3% da população adulta, de 18 a 64 anos, atua no próprio comércio, indústria ou serviço, de acordo com pesquisa do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) feita com apoio do Sebrae.

Trata-se da maior fração em catorze anos de estudo. Em 2002, a taxa era 20,9%. Em 2014, 34,5%. “Esse é um padrão para épocas de crise, quando muita gente não consegue se recolocar no mercado e se vale do dinheiro da rescisão”, diz Juliano Seabra, diretor da Endeavor, instituição sem fins lucrativos que promove cursos e ajuda a fomentar novos negócios. Uma evidência do estudo: o porcentual de pessoas que trilham esse rumo “por necessidade” pulou de 29% para 44% entre 2014 e 2015.

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O caminho dos que optam por essa direção nunca é dos mais fáceis. Segundo o Sebrae, 22% de quem abre a própria companhia em São Paulo quebra no prazo de dois anos. Um alento é que muitos deles emergem fortes do fundo do poço. Nas páginas a seguir, conheça empreendedores que têm prosperado na cidade depois de passar por experiências amargas. Na lista, boas ideias com pecados fatais na execução que antecederam negócios de êxito, dentro do cenário econômico mais difícil em muitos anos.

“A crise é um momento de várias oportunidades, como vender a empresas que buscam soluções a fim de reduzir custos e ter mão de obra qualificada disponível”, diz Seabra, da Endeavor. O Sebrae, que oferece assessoria a quem quer se lançar no mercado, também tem percebido o aumento de interesse. A Feira do Empreendedor, que a instituição promove, no Pavilhão Anhembi, teve número de visitantes 28% maior que no ano anterior.

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De olho no mesmo público-alvo, o Google está em vias de inaugurar um prédio de seis andares na região da Avenida Paulista, batizado de Campus São Paulo. “A ideia é oferecer um espaço para inovar por meio decolaboração, mentoria e estímulo ao networking”, explica André Barrence, diretor do local. Haverá área de coworking e muitas atividades gratuitas. É mais uma oportunidade para aqueles que planejam se projetar em um cenário um tanto inóspito, e que, ao ter sucesso, podem multiplicar oportunidades de emprego e ajudar a cidade e o país a voltar a tempos melhores.

“EU ME SENTIA EM AREIA MOVEDIÇA”

Aos 26 anos, o paulistano Alexandre Serodio ocupava o cargo de diretor nacional de vendas dos cosméticos Jafra, companhia especializada na venda de porta em porta. Vinha de uma ascensão rápida na carreira, mas queria ir além e se tornar o próprio patrão. Juntou-se a um grupo na tentativa de comprar a empresa em que trabalhava, mas as negociações não prosperaram e a relação com o empregador azedou. Acabou dispensado.

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Na ânsia de reinventar-se, investiu 150 000 reais para entrar como sócio em um salão de cabeleireiros, no Itaim, que funcionava ali havia cinco anos. “Foi uma roubada total.” O primeiro lapso, segundo ele: arriscar-se num empreendimento que não conhecia tão bem. Atender clientes era bem diferente de comercializar frascos. “Eu me sentia em areia movediça. Quase tudo o que fazíamos dava errado.”

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Em três meses, a sociedade foi desfeita, em meio à ação de despejo do prédio e a outras dívidas. Hoje, passados dez anos, ele comanda o Beleza na Web, um dos principais e-commerces de beleza no país. A lição mais valiosa tirada do fracasso no mundo das tesouras foi a cautela. Com o estoque do salão, Serodio criou uma estrutura inicial com apenas um motoboy e um webmaster. “Pude aprender muito sobre o trabalho de cada um, observar como uma caixa deve chegar à casa do cliente”, conta ele, atualmente à frente de 180 profissionais. “Para ser o dono de uma empresa, você precisa realmente conhecer todos os processos”, enfatiza.

Capa - Ed. 2467 - Alexandre Bráz
Capa – Ed. 2467 – Alexandre Bráz ()

O TESOURO ESTAVA NO LIXO

Ecochato de carteirinha, Alexandre Bráz, de 27 anos, abriu, em 2009, o Instituto Muda, com a proposta de oferecer “o planejamento sustentável de condomínios e empresas”. Sim, parecia — e era — algo um tanto amplo demais. Os serviços incluíam minhocário, reúso de água, instalação de placas captadoras de energia solar e solução para o descarte do lixo.

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Para isso, era preciso uma estrutura e mão de obra bastante diversificada, o que jogava os custos lá em cima e tornava o dia a dia complexo. “Eu queria dar conta de tudo e acabava não fazendo nada direito”, reconhece. As más notícias vieram em série. O prejuízo chegou a 20 000 reais em um mês e, em menos de um ano, o sócio desistiu do projeto.

Na mesma época, o caminhão, essencial para a coleta de resíduos, foi roubado. Para não deixar o negócio parado, Bráz comprou um veículo substituto, que “era um muquifo sobre rodas”. Ainda assim, persistiu. “Cheguei a pagar aos prédios de 50 a 100 reais para coletar o descarte reciclável deles e vender.” O contraste das dificuldades foram os prêmios nacionais e internacionais que o instituto recebeu pelo caráter inovador do negócio.

Um investidor suíço fez um aporte de 130 000 reais para uma central de triagem, que acabou se tornando um elefante branco. “Da noite para o dia, eu tinha quinze funcionários e zero retorno financeiro.” Em fevereiro de 2015, ele se deu até o fim do mês para virar o jogo. Funcionou. Ao fechar um grande contrato, teve um alívio de caixa e ganhou visibilidade. A empresa passou a dar lucro e a cartela residencial chegou a ter oitenta clientes. O faturamento estimado em 2016 é de 3 milhões de reais, o dobro do de 2015. “Aprendi que é preciso ter foco. Ao concentrar o trabalho no lixo, passei a atender muito melhor a quem me contrata.”

Capa - Ed. 2467 - Carolina Dassie
Capa – Ed. 2467 – Carolina Dassie ()

PASSOS NO RITMO CERTO

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A licença-maternidade, após a chegada de Maria Fernanda, hoje com 2 anos, mostrou à economista Carolina Dassie que não dava mais para segurar: era a hora de abandonar a estressante rotina na bolsa de valores. “Eu tinha taquicardia só de pensar em pôr meus pés lá de novo”, lembra ela. Hoje, o arrependimento é zero. Ela comanda um clube de assinaturas mensal de aperitivos saudáveis batizado de Hisnëk.

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Fundado em 2014, o negócio começou a dar lucro com apenas seis meses de operação. Os acertos: projeto com baixo custo fixo, com investimento inicial de 60 000 reais, posto em prática rapidamente. Por trás da fórmula vencedora, uma experiência anterior mais tumultuada que a do mercado de capitais. Carolina desembolsou 400 000 reais na produção de comida congelada, mas passou um ano no planejamento e em testes do produto, o que a fez entrar no mercado com um passivo insustentável. “Exagerei no perfeccionismo, contando que a resposta do consumidor seria muito rápida, mas faturei um sexto do que imaginava, no primeiro semestre.”

Na Hisnëk, ela levou três meses no desenvolvimento e deu os primeiros passos em pequena escala, fazendo com que a produção acompanhasse a demanda. “Ao menos, o meu fracasso serviu como uma boa escola.”

Capa - Ed. 2467 - Fabien
Capa – Ed. 2467 – Fabien ()
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DE MOTO, NO CAMINHO DO SUCESSO

Na foto ao lado, Fabien Mendez, francês estabelecido em São Paulo há seis anos, pilota uma das 2 500 motos que operam pela Loggi, empresa de entrega que faz 350 000 fretes por mês, 90% deles na capital. Os 10 000 clientes cadastrados incluem grandes empresas como Netshoes, Saraiva e Flores Online. “Percebi que esse nicho era gigante e já passava por um processo de formalização”, diz.

A análise certeira de mercado, curiosamente, já o levou a quebrar a cara em outra iniciativa. Em 2013, ele lançou uma plataforma de carros particulares de luxo por aplicativo, a GoJames. Só não contava com um grande obstáculo que o gigante Uber enfrentou na cidade um ano depois: a proibição de concorrentes do táxi. De cara, dois veículos parceiros acabaram apreendidos por fiscais, o que afugentou os motoristas.

As multas superiores a 1 000 reais logo mostraram que os 200 000 reais investidos seriam insuficientes e, em três meses, Fabien pulou fora. “Tentei implementar uma solução estrangeira no mercado brasileiro, em que as regras são específicas. ”A Loggi foi montada no mesmo ano com 2,6 milhões de reais captados junto a investidores-anjo. “Depois, recebemos 60 milhões de reais em aportes e estamos chegando a outros estados”, comemora.

Capa - Ed. 2467 - Livo Eyewear
Capa – Ed. 2467 – Livo Eyewear ()

A DEMORA EM ENXERGAR O EQUÍVOCO

Em 2012, os amigos Guilherme Freire, 30 anos, Arthur Blaj, 28, e Raphael Neves, 31 (na foto, da esquerda para a direita) tiveram uma ideia inovadora: vender óculos pela internet. Aconteceu o que hoje, para eles, parece óbvio: é o tipo de produto que os consumidores resistem em adquirir sem experimentar para ver se ele está de acordo com as proporções do rosto.

Apesar das vendas abaixo da expectativa, o trio insistiu na estratégia da Livo Eyewear por um ano, de olho na vantagem de usar a plataforma digital para cortar custos com intermediários. O e-commerce não produzia a escala necessária para manter o negócio no azul, e o investimento de 800 000 reais escorreu quase todo pelas mãos. Em vez de desistir, porém, eles corrigiram a rota no último momento, à luz do que a turbulência ensinou.

Usaram os derradeiros 40 000 reais para alugar um ponto na Rua Oscar Freire por dois meses. Era tudo ou nada. “Deu tão certo que recuperamos o dinheiro e elevamos o respeito em torno da marca”, avalia Blaj. Atualmente, a Livo possui lojas físicas em cinco endereços prestigiados da cidade, entre eles a Rua dos Pinheiros e o Shopping Iguatemi, e está se preparando para inaugurar mais uma no Aeroporto de Congonhas. Nas contas dos donos, a empresa cresceu 300% em 2015, o ano de sua maior expansão. “Ficamos apegados à ideia original por muito tempo, e isso poderia ter nos matado”, arremata Blaj.

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PRONTOS PARA A BATALHA

O crescimento da legião de patrões

21% é o aumento do total de microempreendedores individuais paulistanos nos últimos doze meses

51% dos que estão se lançando ao mundo dos negócios pertencem ao sexo masculino

39,3% é a porcentagem de empreendedores entre a população adulta do país, o maior índice em catorze anos de estudo

■ 88 dias é o tempo necessário paraa abertura de uma companhia na metrópole

Agradecimentos: Wilson Djavan, treinador da escola de luta Team Nogueira, e Victor Nogueira, maquiador.

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