Lásaro do Carmo Júnior deixa o baú do patrão cada vez mais cheio
O executivo que transformou a Jequiti Cosméticos na empresa que mais cresce no Grupo Silvio Santos
Ao chegar ao final do processo seletivo que escolheria o presidente da Jequiti Cosméticos, em 2008, o mineiro Lásaro do Carmo Júnior recebeu o endereço da última entrevista pela qual passaria. Era o da mansão do dono da empresa, no Morumbi. Ao deparar com Silvio Santos, que vestia camisa social, sem terno, ouviu: “Está pronto para a sabatina?”. E formou-se, assim, por duas horas, o clima de Show do Milhão. “Ele me fez umas mil perguntas sobre passado, trabalho, família…”, lembra Carmo, que saiu de lá sem saber se tinha agradado. A resposta viria dias depois, com uma ligação de Luiz Sandoval, na época presidente do Grupo Silvio Santos, formalizando o convite para assumir a vaga. Passados cinco anos, Carmo virou xodó do famoso patrão. Jovem para o cargo que ocupa (44 anos) e boa-pinta, é uma espécie de versão Celso Portiolli para os negócios. Hoje, ocupa também uma das três vice-presidências do conglomerado do apresentador, que faturou pouco mais de 2 bilhões de reais em 2012 e engloba mais de três dezenas de empresas, do SBT, que é a joia da coroa, a uma corretora de seguros. Com o prestígio em alta, o comandante da Jequiti viaja lado a lado com o chefe para os Estados Unidos, participa de reuniões em sua casa todas as sextas e virou até alvo de seu humor peculiar. “Outro dia, o Silvio cismou que eu havia engordado e ficou falando disso durante o encontro todo”, conta.
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Essa confiança veio com a capacidade de Carmo de deixar ainda mais recheado o baú do patrão. De 2007 para 2012, a receita da companhia saltou de 20 milhões para 450 milhões de reais. Nesse mesmo período, a participação da Jequiti no resultado do grupo passou de 0,5% para 20%. O crescimento se mantém até hoje. No ano passado, o faturamento aumentou 10% (estimativa não oficial). Em fevereiro, a revista americana Forbes classificou a marca de cosméticos como o braço mais promissor da holding na reportagem em que anunciou a estreia do apresentador na lista dos seus bilionários, com um patrimônio estimado em cerca de 2,5 bilhões de reais.
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Para pôr a Jequiti no rumo certo, Carmo atacou em duas frentes principais. Com base no diagnóstico de que as entregas à casa dos consumidores demoravam demais por falta de produtos no estoque, erro quase fatal para quem deseja lucrar com vendas diretas, o executivo reorganizou a estrutura a fim de agilizar o serviço. “Depois disso, a coisa deslanchou rapidamente”, diz. Para construir uma boa imagem, esforça-se em não deixar sem resposta os registros contra suas consultoras e os artigos em espaços como o temido portal de internet Reclame Aqui. Com 714 queixas recebidas nos últimos doze meses, a Jequiti levou nota média de 6,75 dos usuários do site, à frente da Natura (5,28 e 1 770 registros) e da Avon (2,5 e 3 386 questionamentos).
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Paralelamente, multiplicou o lançamento de artigos inspirados em celebridades do show biz. No catálogo atual, com mais de 1.000 itens, há desde o hidratante Claudia Leitte (28,40 reais) até o desodorante Fábio Jr. (23,70 reais). A maior parte dos outros produtos também tem preços baixos, mirando nos consumidores das classes C e D. O apelo é reforçado pelo maior garoto-propaganda que uma empresa com essa pretensão poderia arrumar. Sim (ah-ahai!), no caso, ele é o próprio Silvio. Além de fazer comerciais e ações de merchandising na programação do SBT, aos domingos o apresentador aparece no programa Vamos Brincar de Forca, do qual só participam consultores e clientes da Jequiti, que concorrem a prêmios de até 1 milhão de reais.
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A presença intensa de Silvio nas decisões da Jequiti surpreendeu os mais próximos, acostumados à sua dedicação quase total ao SBT. Há alguns resultados visíveis. O faro do patrão tem implicação nos aromas do catálogo. Apesar de alérgico a perfume, ele costuma comprar dezenas de produtos que encontra no exterior e despejá-los sobre a mesa de Carmo. Foi da insistência de Silvio que nasceu ali, no ano passado, uma colônia ao custo de 10 reais, preço tido como arriscado por diretores. As vendas (1,7 milhão de frascos em 2012) compensaram a margem pequena de lucro e trouxeram novos consumidores, o que pode ajudar na meta de crescer 15% em 2013. “O momento é perfeito para a Jequiti. Até três anos atrás, as mulheres das classes C e D só compravam batom, mas hoje consomem blush, gloss e rímel”, afirma Marcelo Pontes, chefe do departamento de marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Mesmo com experiências anteriores em companhias de consumo (trabalhou quatro anos na Natura antes de assumir a Jequiti), Carmo ainda se surpreende com as peculiaridades do negócio. Ao decidir fabricar pela primeira vez um item com o nome de uma celebridade, pediu uma pesquisa na qual perguntava: “O cheiro de qual artista você gostaria de ter ao seu lado?”. Deu, disparado, o nome de Fábio Jr. “Estranhei. Ele já tem quase 60 anos”, lembra o executivo. Carmo encomendou então uma nova aferição, com indagação mais direta: “O perfume de qual ídolo você compraria?”. A resposta foi a mesma. Na terceira tentativa, ele se rendeu, e o resultado é um dos maiores êxitos da casa, com 2,4 milhões de unidades em cinco anos (a colônia de 50 ml, por exemplo, custa 62,90 reais). “Percebi que as consumidoras queriam enxergar no marido esse jeito safado do Fábio Jr., independentemente da idade dele”, analisa. Também faz toda a diferença o engajamento de Fábio, que promove jantares em sua casa para as consultoras, como são chamadas as vendedoras da marca. “Se ele vai a um evento com 400 representantes, dá beijo em cada uma delas”, conta Carmo.
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Nos últimos meses, a marca lançou perfumes de artistas internacionais, como as cantoras Madonna e Beyoncé. Há contratos firmados para produtos de Britney Spears e Jennifer Lopez, além de negociações com o ator espanhol Antonio Banderas. A ideia é se associar a ídolos internacionais para sofisticar o nome da empresa e ajudar a quebrar a resistência da classe média à Jequiti e ampliar ainda mais o seu público. “Vejo ainda um certo preconceito”, reconhece Isabel Gimenes, uma das 190 000 consultoras (o porcentual de homens não chega a 5%), que recebem de 30% a 50% do montante vendido. “Tem gente que passa o ano comprando Jequiti e Avon mas no Natal escolhe Natura para presentear, porque acha mais chique.”
Mineiro de Belo Horizonte, nascido em família de classe média (a mãe era professora e o pai, um pequeno empresário), Carmo sempre foi “aluno da turma do fundão” e se formou em história pela UniBH. Frustrado ao iniciar a carreira de professor, empregou- se aos 23 anos como representante comercial na farmacêutica francesa Sanofi, onde subiu rápido. Aos 24, chefiava uma equipe de quinze pessoas. Três anos depois, eram mais de 100. Aos 30, morava em uma cobertura de 500 metros quadrados na Barra da Tijuca, no Rio. De lá, seguiu para a Natura, empresa na qual exerceu o cargo de diretor de vendas na Argentina. “Sempre trabalhei muito, até dezesseis horas por dia”, orgulha-se. “Essa coisa de ‘deixa a vida me levar’ só dá dinheiro para o Zeca Pagodinho.”
Hoje, a rotina continua puxada. Dorme à meia-noite e às 5h30 está de pé. Às 6, o faixa preta em full contact treina musculação e corrida em academia próximo ao condomínio onde mora. Entre os vizinhos, estão o próprio Fábio Jr. e os astros do SBT Celso Portiolli e Carlos Alberto de Nóbrega. Autoconfiante na fala (“Eu me comunico diante de mil pessoas com a maior naturalidade”), ele repete o estilo vaidoso no visual. Usava creme Nivea contra rugas antes dos 30 anos e, fora do trabalho, ressalta os bíceps com polos justas da grife Sergio K. Para honrar os rendimentos, que a depender dos lucros chegariam, segundo estimativas de mercado, a 400.000 reais por mês — valor que não confirma —, Carmo cumpre o expediente das 9 às 21 horas, nos dias sem imprevistos. Nos fins de semana, com alguma regularidade, Silvio o convoca para reuniões nos camarins do SBT. Está há cinco anos sem férias. “O esforço vale a pena, porque é um período de crescimento”, diz sua mulher, Patricia Salvador, de 35 anos, com quem vive o terceiro casamento e teve seu segundo filho, João, de 1 ano. Em 2008, quando o executivo chegou ali, a atriz e ex-assistente de palco se tornou a apresentadora oficial dos quadros da Jequiti. “Mas estávamos comprometidos. O namoro só começou em 2010”, afirma ela.
Apesar do crescimento dos últimos anos, a receita da empresa é 7% a da Natura, a número 1 do mercado nacional de cosméticos e tida por muitos especialistas como a principal fonte de inspiração para o negócio criado por Silvio Santos. As semelhanças iriam muito além da simples cópia do sistema de entregas em domicílio de mercadorias vendidas por um exército de representantes. A líder já bateu às portas do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) para reclamar da concorrente. No ano passado, apresentou denúncias contra duas linhas da Jequiti que imitariam as da Natura. O Conar julgou improcedentes as queixas. “Não nos inspiramos na Natura”, jura Carmo. “A semelhança é a brasilidade, mas eles têm a sustentabilidade como mote, enquanto nossa marca é a alegria”, compara.
Desde o episódio do rombo bilionário descoberto nas contas do Banco PanAmericano, em 2010, que abalou as finanças e a imagem do grupo, Silvio Santos aumentou a participação de sua prole no dia a dia dos negócios. Na empresa de cosméticos, quem dá expediente é Rebeca, de 32 anos, “a filha de número 5”, hoje diretora de comunicação e marketing. “Comecei como gerente em 2009, mas o Grupo Silvio Santos decidiu apostar em mim, entregando-me essa responsabilidade”, diz ela. A venda do Baú da Felicidade e do encrencado banco devolveu a paz à família Abravanel. Em 2011, por decisão conjunta com o patrão, Carmo contratou o banco inglês Barclays, com a missão de arranjar um sócio para fazer grandes aportes na Jequiti, aproveitando o assédio de multinacionais. Desde então, são frequentes os boatos de uma possível troca de donos na empresa, que já foi avaliada em 1 bilhão de reais. “Recebemos várias propostas, o Silvio olha, às vezes se interessa, mas logo fala: ‘Lásaro, por que você quer se desfazer da Jequiti? Eu gosto tanto!’”, diverte-se o pupilo, acostumado com uma das pegadinhas favoritas do patrão. Assim, ele evita repetir um episódio de 1979, que ainda lhe rende alguma “dor de cotovelo”, segundo Carmo. O apresentador havia criado uma pequena fábrica de cosméticos, mas desistiu do empreendimento. Os 70 000 vidrinhos vazios foram vendidos para um microempresário visionário chamado Miguel Krigsner, que batizou a perfumaria como O Boticário — que, com 3 200 lojas, se transformou na maior rede de franquias de perfumaria e cosméticos do mundo. Um homem como Silvio Santos não cometeria um erro como esse duas vezes. Ainda mais tendo Carmo ao seu lado.
O CRACHÁ DE CARMO JR.
■ Idade: 44 anos
■ Nascimento: Belo Horizonte
■ Formação: graduado em história pela UniBH, com MBA em marketing na Fundação Getulio Vargas e cursos de extensão na americana Wharton School e na francesa Insead
■ Carreira: após onze anos na farmacêutica Sanofi, ficou quatro anos na Natura, até assumir a presidência da Jequiti, em 2008
■ Rendimentos: cerca de 400 000 reais mensais (segundo estimativas de mercado)
■ Cuidados pessoais: malha duas horas por dia e usa creme contra rugas desde antes dos 30 anos. É faixa preta em full contact e já praticou capoeira. Hoje corre e faz musculação
■ Hobby: diz ser admirador de vinhos e de livros (está lendo atualmente uma biografia do papa João Paulo II)
■ Família: é pai de Lásaro Neto, 4 anos, do seu segundo casamento, e de João, 1, do terceiro e atual relacionamento, com Patricia Salvador, apresentadora dos quadros da Jequiti no SBT
■ Na internet: publica regularmente no Twitter frases “edificantes” como “O maior defeito do ser humano é ser pequeno na alma“ e “Difícil não é pegar todas. Difícil é fazer uma única mulher feliz a vida toda”