A preparação dos principais atletas paulistanos para as Olimpíadas
A trajetória das figuras que são apostas para a conquista de uma medalha de ouro nos Jogos do Rio, em agosto
Desde 1920, quando uma delegação brasileira foi enviada pela primeira vez a uma Olimpíada, em Antuérpia, na Bélgica, 73 representantes do país colocaram a medalha de ouro no peito. Nada menos que vinte nasceram ou construíram boa parte da carreira aqui, praticamente um terço do total. Por esse critério, foram contabilizados, por exemplo, Cesar Cielo e Maurren Maggi. O nadador e a saltadora são do interior do estado, mas moraram e treinaram na capital. A conta põe São Paulo no topo da liderança nacional do ranking de cidades com mais campeões, seguida por Rio de Janeiro (onze).
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Da safra que vai marcar presença nos Jogos do Rio, entre 5 e 21 de agosto, constam destaques como o velejador Robert Scheidt, com dois primeiros lugares no pódio no currículo (Atlanta-1996 e Atenas-2004). Outra estrela da delegação é o técnico de vôlei José Roberto Guimarães, comandante em três conquistas olímpicas, uma à frente dos homens (Barcelona-1992) e duas com as mulheres (Pequim-2008 e Londres-2012). Confira nas páginas a seguir esses e outros ícones esportivos, fotografados como se estivessem praticando sua modalidade em nossos cartões-postais ou em cenas com referências paulistanas, enquanto revelam um pouco da relação que têm com a metrópole.
Ippon no Municipal
O quimono faz parte da vida de Tiago Camilo desde os 5 anos. Por vezes, no entanto, ele imagina que desempenha outra profissão. “O judô é um esporte muito plástico, tem detalhes como a pegada no colarinho, a projeção sobre o adversário, a queda no tatame”, descreve. “Quando encaixo um golpe perfeito, eu me sinto praticando uma espécie de arte.”
Para quem gosta de comparar seu esporte a um balé de golpes, não há palco melhor de exibição que as imponentes galerias do Teatro Municipal. “A beleza do lugar é impactante, nunca esqueci a primeira vez em que estive aqui, muitos anos atrás.” Morador da Vila Olímpia, ele divide seu tempo entre o Clube Pinheiros (onde treina e do qual é sócio benemérito), os restaurantes dos Jardins (como A Figueira Rubayat) e a favela de Paraisópolis (lá, ele mantém uma unidade de um instituto para ensinar a modalidade a crianças carentes). Aos 33 anos e com uma prata e um bronze no currículo, Camilo tem a última chance de levar o ouro olímpico. Mas, independentemente do que ocorrer no tatame do Rio, ele já comemora a longevidade da carreira. “Competi muitos anos com alto rendimento,e isso me deixa feliz”. TIAGO CAMILO, JUDOCA
Uma nadadora entre as feras do mar
Em 2009, Poliana Okimoto tornou-se a primeira brasileira a faturar a Copa do Mundo de Maratona Aquática. Mesmo atropelando as adversárias em percursos de 10 quilômetros, ela carregava uma secreta inquietação a cada braçada: o pavor dos habitantes do oceano. “Comecei no esporte por ter boa resistência na piscina, mas a transição foi sofrida, saí da praia chorando de medo nos primeiros treinos”, lembra. Em 2011, durante uma prova na Patagônia, na Argentina, Poliana nadou em meio a imensos leões-marinhos.
Apesar dos sustos, diz que isso não interfere em seu desempenho. “Esqueço tudo na hora da competição.” Para provar que é capaz mesmo de superar o medo, ela topou entrar no tanque dos peixes amazônicos do Aquário de São Paulo, onde circulou entre tucunarés e pirarucus. “Achei que ia ser mais difícil.” Seu treino, felizmente, é realizado em piscina: cinco horas por dia no Clube Esperia, em Santana. No Rio, a atleta vai encarar as adversárias em Copacabana. Nascida na Penha, onde viveu até os 20 anos, Poliana mora hoje no Tatuapé e só deixa a região para cumprir seus compromissos esportivos. “Amo a Zona Leste e não a troco por lugar nenhum.” POLIANA OKIMOTO, MARATONISTA AQUÁTICA
Vale gol de mão no campo
Mayara Moura frequenta quadras de handebol desde antes de nascer. De fato, sua mãe, Rita, disputou partidas oficiais até por volta do terceiro mês de gravidez. “Minha família inteira se envolveu com o esporte; meu pai é técnico e meus irmãos também jogam”, conta. “Ganhei a primeira bola aos 8 anos, não consigo me imaginar fazendo outra atividade.” Integrante da seleção brasileira que conquistou o histórico e inédito título mundial em 2013, a central canhota está em fase final de recuperação de uma lesão em um ligamento do joelho direito.
Paranaense de nascimento e hoje moradora do Alto de Pinheiros, ela gosta de organizar happy hours com colegas do Clube Pinheiros em barzinhos da Vila Madalena. Ao ser fotografada no gramado do Allianz Parque, confessou que estava fazendo a alegria do pai, Ralph. “Sou sãopaulina como a minha mãe, mas ele é palmeirense.” MAYARA MOURA, JOGADORA DE HANDEBOL
Favoritismo à flor da pele
O ouro conquistado na prova de argolas em Londres, em 2012, ficou marcado no corpo. Desde 2013, o ginasta Arthur Zanetti carrega uma tatuagem com o formato da medalha no lado direito do abdômen. O plano? Desenhar outra ao lado, ainda neste ano, após amealhar a segunda vitória olímpica, no Rio. No topo de sua modalidade nos últimos três anos, Zanetti tem treinado quase sete horas por dia, inclusive aos sábados, em um ginásio de São Caetano do Sul, para atingir o objetivo.
As privações da preparação o impedem de praticar outros esportes de que gosta, como o surfe, pelo risco de se machucar. Sua programação restrita em direção aos Jogos é traçada até mesmo quando ele está dormindo. “Às vésperas da Olimpíada de 2012, eu sonhava com frequência que conquistava a medalha de ouro”, relembra. “Isso voltou a acontecer recentemente, mas, por enquanto, ainda não ‘ganhei’ de novo, o sonho sempre termina antes do fim da competição”, diz, ansioso. Nas raras folgas dos aparelhos, o atleta costuma passear no centro e no Ibirapuera com a namorada, Juliana, e a bull terrier Ivy. “O parque é um lugar movimentado e calmo ao mesmo tempo. Gosto disso.” ARTHUR ZANETTI, GINASTA
Paciência de um monge
Ao longo dos últimos doze anos, o técnico José Roberto Guimarães, da seleção feminina de vôlei, entra pelo menos uma vez por semana no Mosteiro de São Bento, por volta das 7 da manhã, e senta em um dos bancos no fundo da igreja. Dali, assiste à missa e ouve o canto gregoriano. Figura carimbada na área, ele costuma ser cumprimentado pelos seguranças e, vez ou outra, distribui autógrafos. “São sempre as mesmas pessoas que vêm nesse horário, acabo conhecendo todo mundo de vista”, diz Zé Roberto, ex-coroinha e de família católica praticante.
A relação próxima com o mosteiro o levou a usar uma medalhinha de São Bento. “Não a tiro do pescoço por nada”, jura. Conhecido por seu jeito calmo e paciente, o treinador mostra-se ansioso com a proximidade da Olimpíada. Em contagem regressiva, ele é capaz de dizer de bate-pronto quantos dias faltam exatamente para os Jogos do Rio. “Estou me preparando desde que a última bola caiu no chão em Londres”, diz. Aos 61 anos, Zé Roberto vive ainda uma situação curiosa.
Apesar de ser tricampeão olímpico — Barcelona-1992 com a seleção masculina, Pequim-2008 e Londres-2012 com a feminina —, ele não tem nenhuma medalha guardada em casa. Isso porque o Comitê Olímpico Internacional não entrega a comenda aos técnicos, apenas aos atletas. “Nunca me fez falta, levo o cargo como uma missão e apenas agradeço por ter tido a oportunidade de viver aquele momento e deixar esse legado.” JOSÉ ROBERTO GUIMARÃES, TÉCNICO DA SELEÇÃO FEMININA DE VÔLEI
Um barco na rota de um recorde
Dono de dois ouros, duas pratas e um bronze, Robert Scheidt poderá isolar-se como o maior medalhista olímpico brasileiro — hoje, ele está empatado com o também velejador Torben Grael. Para as regatas no Rio, seu barco da classe Laser passou por uma mudança quase imperceptível: há uma minúscula reprodução das mãos dos dois filhos, Erik, 5 anos, e Lukas, 2, em um canto da vela. “Minha vida mudou muito desde que estreei em Atlanta, em 1996”, diz. “Disputei cinco Jogos, competi por duas classes, tornei-me pai de família e sei exatamente o que fazer para chegar ao pódio.”
Formado no Yacht Club Santo Amaro, o paulistano de 42 anos não esconde que a Represa de Guarapiranga é seu local preferido na capital. Mas o Parque do Ibirapuera ocupa um ilustre segundo lugar nesse ranking. No último 18 de janeiro, Scheidt teve a chance de colocar seu veleiro no lago do parque, uma honra raramente concedida, a fim de posar para o ensaio de VEJA SÃO PAULO. “O dia estava lindo e com vento, consegui realizar manobras com o cenário da cidade ao fundo”, diz. “Foi uma experiência inédita.” ROBERT SCHEIDT, VELEJADOR