Quem é Natalício Bezerra Silva, líder dos taxistas e inimigo do Uber
Com um discurso feroz e grande cacife político, ele pressionou a Câmara Municipal a proibir o uso do aplicativo de caronas pagas na capital
O líder dos taxistas da capital não trabalha na rua desde os tempos em que o Galaxie Landau era o que havia de mais luxuoso por aqui em termos automotivos. Natalício Bezerra Silva deixou o ofício de motorista há mais de quarenta anos para dirigir o Sinditaxisp, o principal sindicato da categoria na cidade. De sua base, uma sala de escritório na Vila Clementino, na Zona Sul, o alagoano de Palmeira dos Índios, município de 70 000 habitantes a 140 quilômetros de Maceió, defende os interesses de 34 000 filiados no estilo jamanta: buzina alto e passa pela frente dos adversários. Seu inimigo no momento é o Uber, o aplicativo de caronas pagas que vem ganhando espaço em São Paulo e em outras metrópoles ao oferecer um meio de transporte eficiente, com veículos confortáveis e tarifas mais baixas em alguns trajetos em relação ao serviço tradicional da praça.
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Parecendo antever o crescimento da concorrência, Natalício tratou de declarar guerra mal o negócio desembarcou por aqui, em agosto. “Se o poder público não demonstrar interesse em nos ajudar a acabar com isso, vamos queimar esses carros”, ameaçou na ocasião. O clima esquentou logo nas primeiras semanas, com taxistas apedrejando uma série de veículos do Uber. Houve também o sequestro-relâmpago de um motorista da frota do aplicativo (a vítima ficou presa por cerca de uma hora) e sobrou até para alguns passageiros, agredidos no vácuo da onda de violência.
Em paralelo, iniciou-se uma batalha política para tentar barrar o serviço, sob a alegação de concorrência desleal. Os motoristas da praça reclamam de que os colegas digitais faturam sem ter de pagar impostos nem taxas. O serviço vem operando mesmo depois de uma ação na Justiça tentando proibi-lo na capital. A discussão chegou à Câmara Municipal. Na noite de quarta passada (9), por 43 votos a 3, os vereadores aprovaram em segundo turno o veto à atividade. O Poder Executivo tem um prazo de noventa dias para sancionar ou não o projeto. Minutos antes do começo da sessão plenária, o prefeito Fernando Haddad enviou uma emenda ao texto prevendo a realização de estudos sobre o impacto de atividades como a do Uber em São Paulo. Com isso, deixou uma porta aberta à legalização no futuro.
Em nota divulgada após o veto da Câmara, o escritório paulistano do Uber salientou que, segundo um relatório divulgado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), os serviços prestados não possuem elementos econômicos que justifiquem sua proibição. Criada em 2009 nos Estados Unidos, a empresa alega que não é uma companhia de transporte. Os cadastrados não seriam funcionários, e sim parceiros que realizam o transporte privado. Para tentar angariar adeptos e driblar a pressão dos sindicatos, o negócio vem promovendo uma série de campanhas, como a de viagens gratuitas oferecidas durante as paralisações de taxistas.
Quando começou a operar em São Paulo, o Uber tinha cerca de 1 000 veículos cadastrados. Atualmente, a frota estaria em torno de 2 000 automóveis. Os números são extraoficiais, pois a companhia não divulga esses e outros dados por considerá-los estratégicos, uma política pouco transparente que não combina com seu ar de modernidade. Mesmo que o negócio não vingue por aqui, a concorrência já traz benefícios para o paulistano.
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Para não perderem a clientela, em vez de partirem para a agressão, como muitos dos companheiros insuflados por Natalício, alguns taxistas trataram de investir na manutenção do veículo e no atendimento, oferecendo regalias similares às da turma do aplicativo, como refrigerantes e cafezinho. No ponto do Aeroporto de Congonhas, os motoristas pretendem instalar bolsas térmicas na frota. “Assim, fica mais fácil transportar água e bebidas”, afirma Adauto Guadaim, coordenador do local. Há ainda quem esteja apostando mais alto, como Welbe Marlon. Ele trocou o Chevrolet Cobalt com três anos de uso por um modelo novinho em folha. No mês que vem, pretende rodar com wi-fi e um tablet. “Melhorar o serviço é a forma mais eficiente de concorrer”, acredita. Na mesma linha, o aplicativo 99taxis recentemente passou a isentar o usuário da taxa de 50% em viagens até o Aeroporto de Guarulhos, algo que o Uber faz desde o início. “Sempre buscamos maneiras de melhorar a experiência dos usuários”, justifica Pedro Somma, diretor de operações do 99taxis.
A concorrência acirrada entre taxistas e Ubers também acontece nos outros 59 países em que o serviço está disponível, assim como a discussão sobre a legalidade do aplicativo. Na última terça (8), Lisboa virou o centro de manifestações dos resistentes à inovação. Em Portugal, a ferramenta acabou sendo suspensa por um tribunal em abril, mas continua operarando clandestinamente. Na vizinha Espanha, o sistema foi banido em 2014. A Cidade do México é um dos territórios regulamentados, ao lado de Nova York. Na metrópole americana, o Uber opera com uma frota de cerca de 22 000 carros, contra os 13 587 táxis tradicionais.
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Em São Paulo, Natalício comanda pessoalmente o forte lobby político contra o Uber. No início da tarde do dia da votação na Câmara Municipal, liderou uma carreata de cerca de 8 000 taxistas. O comboio bloqueou as principais avenidas do centro, em sua marcha rumo ao Palácio Anchieta, para pressionar os parlamentares. Em clima de final de campeonato, o Viaduto Jacareí foi tomado por uma torcida de motoristas uniformizados, com direito a fogos de artifício e carro de som.
A vitória acabou sendo acompanhada de perto pelo presidente do Sinditaxisp. Durante a votação, ele sentou-se na terceira fileira de cadeiras exclusivas aos vereadores dentro do plenário da Câmara. O privilégio da poltrona de couro azul não se estende nem a assessores parlamentares. A filha de Natalício, Silvana Bezerra Silva, que trabalha no gabinete do vereador Adilson Amadeu (PTB), autor do texto da proibição ao aplicativo, teve de se contentar com uma cadeira nos fundos da sala. “Por ora, estou satisfeito”, comemorou Natalício, ao final. “Mas, se eles continuarem trabalhando, vamos voltar para as ruas”, prometeu.
O passe-livre e o tratamento vip na política paulistana devem-se ao período em que ocupou o cargo de vereador pelo PTB, entre 1997 e 2000. Nesse tempo, elaborou 23 projetos de lei, sendo que nove deles envolviam benefícios aos taxistas. Desse total de propostas, quatro foram sancionadas pelo então prefeito Celso Pitta. Com o chefe do Executivo de sua época, o vereador Natalício não tinha cerimônia: entregava- lhe as sugestões para análise em mãos, sem nem precisar bater à porta para entrar no gabinete.
O privilégio vem da força que a categoria empresta quando apoia (ou desaprova) um político. Antes de Pitta, a entidade promoveu carreatas em 1991 para ajudar na eleição de Paulo Maluf no ano seguinte, até hoje um ídolo de grande parte dos taxistas. Mais recentemente, o sindicato parou importantes vias da cidade contra projetos de Haddad que tiravam regalias dos taxistas. Depois de muita pressão, o petista voltou atrás no ano passado na proibição da circulação dos carros de praça em corredores de ônibus.
Em maio, Natalício, aos 83 anos, foi novamente reeleito, em uma corrida sem concorrentes, à presidência da entidade, cargo que ocupa desde 1986. “Larguei a praça porque não havia ninguém na época para representar a categoria de forma mais profissional”, explica. O tempo de permanência na cadeira de presidente lhe rendeu o apelido de “Vitalício” entre os inimigos. Ele promete que este será o seu último mandato, mas ninguém leva isso muito a sério. A última vez que foi incomodado de verdade pela oposição ocorreu na década de 80, quando o ex-taxista e atual vereador Salomão Pereira (PSDB) tentou entrar na disputa, mas foi impedido de registrar a chapa. “O Natalício manobrou para que eu perdesse o prazo de inscrição”, acusa. “Ele não aceitava mudanças e sempre criava barreiras”, critica o vereador tucano.
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A última eleição do Sinditaxisp está sendo questionada na Justiça do Trabalho, devido a dívidas que ultrapassam 500 000 reais (incluindo atraso no pagamento do IPTU do escritório). Responsável pelo processo, o ex -diretor do sindicato José Vanderlei Machado quer a realização de novas eleições. O caso, porém, está apenas no início. “As acusações não procedem e estamos dentro do prazo para apresentar a defesa”, comenta Natalício.
Casado há mais de meio século, ele tem três filhos (só um deles é taxista) e um casal de netos. Mora em uma casa em Santana, e recebe 4 600 reais de salário pelo cargo no sindicato. Complementa a renda alugando seu ponto na praça a um motorista na ativa. Mesmo sem pegar nenhum passageiro desde 1972, dirige um SpaceFox 2015 comprado com descontos dados aos profissionais da classe (a redução chega a 30%). O seu celular é típico de um homem avesso a modernidades. Trata-se de um modelo LG bastante simples. Sem o aplicativo do Uber, é claro.
FROTA | 34 000 veículos | 2 000* veículos |
VEÍCULOS | Brancos e com idade máxima de dez anos | Sedan, com ar-condicionado e fabricados a partir de 2010 |
IMPOSTOS | Isenção de IPI, ICMS, ISS e IPVA | Nenhuma isenção |
TAXAS | 210 reais por ano | ISS a cada viagem |
DOCUMENTAÇÃO | Curso de capacitação no valor de 127,54 reais e o Condutax, cadastro que tem validade de cinco anos e custa 415 reais | Isento |
BANDEIRA | 4,50 reais | 3 reais (UberX) e 5 reais (UberBlack)**. Valor mínimo: 8 reais; taxa de cancelamento: 10 reais |
TARIFA | Tabelada e calculada pelo taxímetro | Calculada pelo aplicativo com base na distância e no tempo |
VIAGEM METROPOLITANA | Adicional de 50% | Não há cobrança de adicional |
CUSTO DO TRAJETO ENTRE SÃO PAULO E O AEROPORTO DE CUMBICA | 197 reais*** | 155 reais |
PAGAMENTO | Dinheiro, débito ou crédito | Cartão de crédito |
GANHO | Autônomos ficam com o valor integral | Repasse de 20% (UberBlack) e de 25% (UberX) para o aplicativo |
* Fonte: Câmara Municipal de São Paulo ** O UberBlack é a versão tradicional do aplicativo; já o UberX, a mais econômica *** Teste realizado em maio por VEJA SÃO PAULO no trajeto entre o bairro de Pinheiros e o Aeroporto de Guarulhos / Fontes: Associação das Empresas de Táxi de Frota do Município de São Paulo, Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo, Uber e Prefeitura de São Paulo
Colaboraram Aretha Yarak, Alessandra Freitas e Bárbara Öberg