Academias paulistanas têm cerca de 30% de alunos acima de 40 anos
Eles buscam saúde, bem-estar e, em muitos casos, constroem músculos de causar inveja
Durante muito tempo, o salão de uma academia de ginástica parecia o terreno mais hostil do mundo para uma pessoa um pouco mais velha, o que criava uma barreira adicional ao desafio, difícil por si só, de deixar a preguiça de lado e incorporar a prática de exercícios à rotina do dia a dia. O desfile de corpos sarados, a presença de dublês de Mister Universo com suas camisetas regatas e a música alta no estilo bate-estaca, entre outras coisas, tinham o poder de transformar aquele ambiente num campo minado para a turma que se aventurava por ali tentando suar a camisa, na batalha para se livrar do sedentarismo ou eliminar a barriga de cerveja e outras marcas indesejáveis dos maus hábitos de saúde.
A situação hoje é bem diferente. Aos poucos, os estranhos no ninho do passado estão ganhando espaço. A mudança fica clara quando se comparam as estatísticas recentes do escritório da América Latina do International Health Racquet & Sportsclub Association (IHRSA), a principal associação mundial de companhias de fitness. Há dez anos, os frequentadores com idade acima de 40 anos nas academias da capital representavam apenas 17% dos alunos. A participação desse grupo no total de inscritos subiu atualmente para 29%. Ou seja, quase dobrou no período.
O setor vem se adaptando ao amadurecimento da clientela. Sim, é claro, ainda tem som eletrônico bombando nos alto-falantes, gente marombada com cara de lutador de UFC e muitos jovens (pessoas entre 21 e 39 anos representam 51% do público). Mas tudo isso agora convive em harmonia com aulas sob medida para quarentões, cinquentões e sessentões, além de instrutores muito mais bem preparados para lidar com as necessidades desse contingente cada vez maior. “Quando comecei a treinar, havia poucos da minha idade nos aparelhos”, lembra a dona de casa Adriana De Caprio, de 49 anos, que entrou para a unidade da Companhia Athletica do Shopping Anália Franco, na Zona Leste, em 2002. “Atualmente, somos quase a maioria.”
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O envelhecimento da sociedade explica parte do aumento dos grisalhos nas academias. Segundo o IBGE, a população brasileira acima dos 40 anos passou de 27% para 33% na última década. Combinado a essa mudança demográfica, houve o aumento da preocupação com a saúde e o bem-estar. Ex-obesa (chegou a ter 120 quilos, o dobro do peso atual) e hoje militante do estilo de vida saudável, a empresária Lucilia Diniz compara a diferença: “Nos anos 80, o homem fazia sucesso com um copo de uísque em uma mão e, na outra, um cigarro. Agora, impressiona quem cuida do corpo”. A nova mentalidade produziu reflexos diretos no movimento das academias. Somente na capital, existem atualmente 4.500 salões de ginástica, com um total de 1,3 milhão de alunos, ou 50% mais que o número registrado em 2002, de acordo com estimativas da IHRSA.
Nesse universo, há desde negócios de fundo de quintal na periferia cobrando mensalidades de 90 reais até academias-butique, locais mais exclusivos e com equipamentos de última geração, como a Sett Nandi Coaching Spa & Hair, no Itaim, onde os frequentadores desembolsam a partir de 890 reais por mês. Ali, cerca de 40% dos alunos têm mais de 40 anos. Um deles é o empresário Fábio Quinteiro, de 57 anos, que se exercita com a ajuda de personal trainer seis vezes por semana. “Depois de uma lesão na coluna, em 2007, resolvi malhar somente com a supervisão de especialistas”, afirma. “Antes, fazia tudo por conta própria, sem prestar atenção na postura nem na carga de esforço.”
Tomadas as devidas precauções, como os check-ups periódicos e o acompanhamento de profissionais durante os treinos para indicar o exercício adequado a cada faixa de idade, os benefícios são enormes. No caso das pessoas com mais de 40 anos, a prática regular de atividade física chega a reduzir em 54% o risco de morte por infarto, entre outros efeitos positivos. “Muitos investem em academia para evitar gastar dinheiro com hospital”, diz Marcio Atalla, preparador físico do quadro Medida Certa, do Fantástico, que vem mostrando nas últimas semanas o esforço de Ronaldo Fenômeno para perder parte de seus 118,5 quilos. Com o aumento do público mais velho na malhação, começaram a surgir também nessa faixa etária alguns heavy users como a dona de casa Suleima Viscardi, de 44 anos, que investe 5.000 reais por mês no negócio, entre o custo da Bodytech do Shopping Eldorado e o pagamento de três personal trainers. “Encaro como uma poupança para a minha saúde no futuro”, define.
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Muitas vezes, a conta acumulada dos maus hábitos começa a ser cobrada bem antes do que se imagina. Atleta de sofá e “halterocopista” de carteirinha, o administrador Ronaldo Barbuy tomou um susto em 2010 quando constatou num exame que sua taxa de colesterol estava fora de controle. “Eu nunca tinha entrado em academia e escolhi começar fazendo jiu-jítsu”, conta. Hoje, aos 41 anos, é faixa azul da modalidade (a segunda em uma escala de cinco cores). Barbuy pratica quatro vezes por semana e colheu outros resultados positivos. “Abandonei o tabagismo, tenho uma alimentação saudável e meu índice de gordura no corpo baixou de 26% para 18%”, enumera. Além dos aspectos ligados à saúde, outro atrativo para que os mais velhos ingressassem nas academias é a possibilidade de aumentar o círculo de relações pessoais, encontrando gente com os mesmos interesses e que tenham um estilo de vida parecido. O advogado de família Rodrigo Tubino Veloso, de 44 anos, e a gerente de loja Vera Minelli, de 47, começaram a namorar há sete meses na festa de aniversário de um personal trainer da Reebok, no Shopping Cidade Jardim. “Na primeira troca de olhares já rolou uma grande identificação”, lembra Vera.
Frequentadores como eles ganharam status de queridinhos das academias, que desenvolvem serviços e promoções especiais destinados a esse público. As redes Companhia Athletica e Competition oferecem descontos para quem tem mais de 60 anos: cerca de 15% e 20% sobre o valor da mensalidade, respectivamente. Na Bio Ritmo e na Bodytech, há professores treinados para atendê-los, com cursos de capacitação sobre patologias para desenvolver treinos customizados. O hábito de malhar após os 40 requer atenção especial por causa do maior risco de ocorrência de lesões. Nada para tirar o sono. “A composição do corpo muda à medida que envelhecemos”, explica o endocrinologista Freddy Eliaschewitz, diretor do Centro de Pesquisas Clínicas (CPClin). “A tendência é perder músculo e osso, ao passo que há ganho de gordura.”
A partir de 50 anos, ocorre com mais intensidade o processo de destruição muscular, chamado de sarcopenia. Por isso são indicados para esse grupo exercícios como levantamento de peso. “A musculação ajuda a retardar esse quadro”, explica Eliaschewitz. Na Bio Ritmo da Avenida Paulista, quem segue a receita à risca é a checa Susana Trancova, com 1,70 metro e 55 quilos. Vaidosa, ela não revela a idade. “É entre 50 e 55 anos”, desconversa. A fórmula para o corpo sarado? “Faço mais de 100 abdominais e várias séries de agachamento, além de correr na esteira cerca de quarenta minutos. Isso quase todos os dias”, diz ela, num português com um leve sotaque. Na Competition da Rua Oscar Freire, uma atração é a aposentada Luiza Nogueira, de 64 anos. Ela passa duas horas e meia em suas dependências, de segunda a sábado, alternando musculação e natação. Luiza recebe olhares de admiração com sua barriga de tanquinho. “Para mim, é um prazer fazer séries de abdominais com pesos de 20 quilos”, conta ela, que investe também na alimentação regrada. “Não como pastel há mais de dez anos.” Nunca se sentiu tão bem e tão feliz.
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