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Teatro da Vertigem encena Agropeça em arena de rodeio no Sesc Pompeia

Grupo teatral histórico no cenário paulistano volta à cena com (mais uma) montagem inusitada que leva o agro às terras da Dona Benta

Por Clayton Freitas
Atualizado em 28 abr 2023, 10h20 - Publicado em 28 abr 2023, 06h00

Como se pegasse emprestado o pó de pirlimpimpim usado pelos personagens do Sítio do Picapau Amarelo para suas viagens fantásticas, Antonio Araújo, diretor do Teatro da Vertigem, decidiu transportar Emília, Narizinho, Pedrinho, Tia Nastácia, Dona Benta, Visconde de Sabugosa e Marquês de Rabicó para dentro de uma arena de rodeio. Eles serão protagonistas de Agropeça, espetáculo que entra em cartaz no dia 4 de maio no galpão do Sesc Pompeia. Diferentemente do clima amistoso das histórias de Monteiro Lobato, em Agropeça, criada de forma coletiva e que teve texto final do escritor Marcelino Freire, as personagens vivenciam embates entre si e ganharam voz para abordar questões sociais contemporâneas que envolvem temas como a influência do agronegócio na sociedade brasileira, diversidade de gênero, gordofobia, raça, religião, discursos políticos e trabalho análogo à escravidão. Um dos exemplos é uma cena que retrata Dona Benta tentando convencer Tia Nastácia a assinar documentos para que a patroa não seja acusada de trabalho análogo à escravidão. Em outra, Tia Nastácia questiona a respeito do fato que as pessoas logo pensam em uma xícara de café quando a avistam. Na vida real, críticos à obra de Lobato defendem que o autor sempre demonstrou o seu racismo por meio de seus personagens. Outra releitura da trupe é em relação à boneca de pano Emília, que na peça é retratada por uma travesti. O espetáculo é conduzido como se fosse de fato um rodeio, em que cada bloco é apresentado por um locutor diferente. Pedrinho, aspirante a peão de rodeio, é o locutor do primeiro bloco, seguido de Tia Nastácia e Emília.

Não convencional: projeção de como será o palco e disposição do público no galpão
Não convencional: projeção de como será o palco e disposição do público no galpão (Teatro da Vertigem/Divulgação/Reprodução)

A crítica social sempre foi uma das principais marcas do Teatro da Vertigem, ao lado de propostas imersivas e ocupação de locais e estruturas nada convencionais para as suas montagens. Desde 1991 a trupe criou espetáculos que foram apresentados em igrejas, hospitais, em um presídio desativado, uma passagem subterrânea e até no leito do Rio Tietê. Outra característica era “procissão” dos espectadores para acompanhar as cenas. Em Agropeça isso não acontece, já que o público ficará sentado para assistir ao espetáculo. Segundo Antonio Araújo, essa foi uma escolha devido ao tema proposto, e não um novo direcionamento estético para o grupo. “Desde o começo nunca eu quis de fato uma arena de rodeio. Fazer num espaço de ‘mentira’ combina com essa temática.” Ele afirma que a ideia da Agropeça nasceu logo após o resultado das eleições de 2018, com a vitória de Jair Bolsonaro. “Veio todo aquele movimento de ultradireita, conservador e reacionário. Fiquei com muita vontade de olhar para isso.” Inicialmente as pesquisas levaram o grupo a estudar mais sobre o agronegócio, um dos pilares de sustentação política de Bolsonaro ao lado de parte dos evangélicos, e também o ambiente dos rodeios. Personalidades do meio, como o peão Cleber Henrique, um dos ganhadores da Festa de Peão de Barretos, e Mara Magalhães, a primeira locutora mulher de rodeios do Brasil, foram entrevistados para a montagem.

Além do novo projeto com o Teatro da Vertigem, Antonio Araújo também tem uma outra produção pronta. Trata-se de uma parceria com Nuno Ramos no primeiro texto para teatro do artista. A peça, que aborda a extinção da humanidade, ainda não pode estrear por falta de licença do espaço que a abrigará.

Teatro da Vertigem – trajetória

O grupo criado em 1991 arrebatou público, crítica e pesquisadores
pelos espetáculos site specific, termo comum às artes visuais que
designa a criação de uma obra segundo um ambiente determinado

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1992 – Paraíso Perdido
1995 – O Livro de Jó
2000 – Apocalipse 1,11
2006 – BR-3
2007 – Histórias de Amor Últimos Capítulos
2008 – A Última Palavra É a Penúltima
2008 – Dido e Enéas
2010 – Mauísmo
2010 – Kastelo
2011 – Cartas de Despejo
2011 – Cidade Submersa
2012 – Bom Retiro 958 Metros
2012 – Orfeo e Eurídice
2014 – A Última Palavra É a Penúltima 2.0
2014 – Dizer o que Você Não Pensa em Línguas que Você
Não Fala
2015 – Patronato 999 Metros
2015 – O Filho
2017 – Enquanto Ela Dormia
2020 – Marcha à Ré

Largada: primeira montagem foi encenada na Igreja Nossa Senhora da Conceição
Largada: primeira montagem foi encenada na Igreja Nossa Senhora da Conceição- Santa Ifigênia (Jorge Etecheber/Teatro da Vertigem/Reprodução)

 

Nas águas: após trilogia bíblica, BR-3 foi encenada no Rio Tietê e suas margens
Nas águas: após trilogia bíblica, BR-3 foi encenada no Rio Tietê e suas margens (NELSON KAO/TEATRO DA VERTIGEM/DIVULGAÇÃO/Reprodução)
Bom Retiro: palco foi em ruas ermas, shopping e um prédio abandonado
Bom Retiro: palco foi em ruas ermas, shopping e um prédio abandonado (FLAVIO PORTELLA/TEATRO DA VERTIGEM/DIVULGAÇÃO/Reprodução)
Intervenção: na pandemia, performance filme foi encenada no meio da Paulista
Intervenção: na pandemia, performance filme foi encenada no meio da Paulista (Matheus Jose Maria/Teatro da Vertigem/Divulgação/Reprodução)

Sesc Pompeia — Galpão. Rua Clélia, 93, Pompeia, ☎ 3871-7700. → Qua. a sáb., 20h. Dom., 17h. R$ 25,00 e R$ 50,00. Até 11/6. sescsp.org.br.

Publicado em VEJA São Paulo de 3 de maio de 2023, edição nº 2839

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