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Luiz Carlos: “TV foi feita pra ator de novela, não pra cantor”

Em entrevista, vocalista do Raça Negra fala sobre a banda e critica o sertanejo universitário: “Eles podem até ouvir sertanejo em casa, mas não é o que gravam”

Por Tiago Faria
Atualizado em 5 dez 2016, 16h21 - Publicado em 30 jan 2013, 20h12

Uma das bandas de samba mais populares dos anos 90, o Raça Negra andava sumido das rádios e dos programas de auditório quando lançou, no fim do ano passado, o CD e DVD Raça Negra & Amigos. Para parte do público, a notícia soou como uma surpresa: o grupo decidiu voltar à ativa?

Desde então, o vocalista Luiz Carlos tem explicado que não, o grupo nunca parou de fazer shows. “Já chegamos a aparecer no Faustão quatro domingos num único mês”, lembra o cantor, que vendeu 40 milhões de discos. “Mas hoje sigo o conselho do meu mestre Tim Maia: TV é coisa pra ator de novela”, resume.  

No projeto, que comemora os 30 anos de carreira da banda, fãs famosos como Michel Teló e Agnaldo Timóteo interpretaram hits do romantismo como Cheia de Manias e Cigana. Não foi à toa que a Som Livre decidiu investir na gravação: os sucessos do Raça Negra voltaram em festas de rock (e de brega), em karaokês e até numa compilação indie – a Jeito Felindie, idealizada e produzida pelo jornalista Jorge Wagner.

A banda apresenta neste sábado (2) o repertório do DVD – sem os convidados – no HSBC Brasil. Paulista de 55 anos, Luiz Carlos conversou com VEJA SÃO PAULO sobre a nova fase da banda – formada ainda por Fabinho César (pandeiro e voz), Fena (surdo), Fernando (tantan), Fininho (bateria) e Irupê (sax e flauta) –, sobre sertanejo universitário e rock. No decorrer da entrevista, ouça as releituras do projeto Jeito Felindie. Leia e, depois, clique aqui para mais informações sobre a atração:

VEJA SÃO PAULO: O CD e DVD Raça Negra e Amigos tem sido descrito como um retorno do Raça Negra, mas a banda nunca parou. É uma fase de redescoberta da grupo pelo público?

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LUIZ CARLOS: Encaro como uma redescoberta sim. Mas é que o público, e somente no Rio e em São Paulo, está muito acostumado a ver TV. Quando os artistas não vão à televisão, as pessoas acham que ele morreu. O Raça Negra sempre trabalhou em alto nível, com cachê normal, bom, fazendo vinte shows por mês. Estamos sempre na estrada, isso não mudou. Mas aí dizem que a banda não está na mídia… Só que o Djavan, o Caetano, o Roberto Carlos, eles estão sempre na TV? Não. É que televisão foi feita para ator de novela. Não é para cantor. Cantor tem que estar perto do público. Se tiver coisa nova para mostrar, vá à TV. Se não tiver, não vá.

VEJA SÃO PAULO: Não aparecer na TV foi uma opção da banda?

LUIZ CARLOS: Hoje em dia, o artista que não tem estrada, que não tem público para lotar as casas de show, que não consegue rodar o Brasil e o mundo… Esse artista não vende mais. Foi o Tim Maia, meu mestre, que me ensinou isso: TV foi feita para ator de novela. O Tim me ensinava muitas coisas. Ele dizia que a televisão pode te dar o mundo e tirar esse mundo em dois segundos. Antigamente você tinha programas puramente musicais. Fizemos Chacrinha, Bolinha, Almoço com as Estrelas… Hoje o que temos são os programas de variedade. Você tá lá cantando, aí acontece uma tragédia e eles param tudo, cortam a música e ficam falando da notícia. E a televisão quer expor o lado pessoal do artista. Não quero falar sobre mim. Quero mostrar a minha música.

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VEJA SÃO PAULO: A música do Raça Negra tem sido ouvida por uma geração que ouve estilos como rock e indie. Isso surpreende a banda?

LUIZ CARLOS: Fomos redescobertos pelo público de bandas de samba como o Sorriso Maroto, por exemplo, que abriram os olhos para a nossa música. A gente já misturava rock com samba lá no começo dos anos 90. Gravamos Será, da Legião Urbana, e o próprio Renato Russo comentou que aquela era a melhor versão que fizeram da música. Os músicos de rock sempre foram antenados ao Raça Negra. Vi um tributo que fizeram (o Jeito Felindie) e fiquei feliz pra caramba. No Raça Negra, sempre quisemos quebrar esses preconceitos.

VEJA SÃO PAULO: A mistura de estilos foi uma marca do grupo. Ela influencia bandas novas?

LUIZ CARLOS: Gravamos Milionário e José Rico e rock dos mais pesados, como Cazuza, Legião Urbana… Coisas que eram muito polêmicas, Pro Dia Nascer Feliz. E justamente para mostrar que música é música. Se eu não gosto de um estilo, tudo bem, não gosto e não vou gostar mesmo. Não vou obrigar a pessoa a gostar. Mas, com essa mistura, a gente ajudou a desmistificar o samba do morro. Nas letras de samba sempre aparecia algum vício, e tinha aquele preconceito de que só ladrão fazia samba…

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VEJA SÃO PAULO: Vender milhões de discos ajudou a quebrar esse estigma?

LUIZ CARLOS: Sim, porque tinha aquele estigma de que samba não vendia. Fomos lá e vendemos mais de 40 milhões de discos. Aí diziam que grupos de samba não tocavam em grandes casas de espetáculo. E fomos os primeiros a entrar no Canecão.

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VEJA SÃO PAULO: Como uma banda que vendeu tantos discos lida com uma época em que se vende cada vez menos CDs?

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LUIZ CARLOS: No tempo do vinil, as pessoas pirateavam nas fitas-cassete, mas isso não influenciava muito o rendimento do artista. Em 98, quando começou a era do CD, foi um baque tremendo. Ficou mais fácil piratear. Hoje a gravadora não contrata o artista. Ele tem que fazer o trabalho, mostrar e, se der certo, a gravadora compra. O lamentável é que não há mais tanto espaço para as pessoas que estão começando agora. Meu medo é com a renovação da música popular brasileira. O Raça Negra não vai ser eterno. Quem vai dar continuidade ao Gilberto Gil, ao Caetano, ao Djavan? A gente olha para os lados e não vê ninguém.

VEJA SÃO PAULO: Você se interessa pela nova geração do samba e do sertanejo?

LUIZ CARLOS: De samba gosto muito do Sorriso Maroto, do Revelação… Mas desse sertanejo atual, não gosto. Não sou muito adepto. De Zezé Di Camargo pra trás, gosto de tudo. Hoje o que vejo são meninos pegando um estilo dos anos 80 e adaptando. Se você pegar um Menina Veneno e comparar com a música deles, vai ver que é tudo igual. Eles estão entrando no barco do sertanejo, mas não são sertanejo. São um Sidney Magal piorado, entende?

VEJA SÃO PAULO: As duplas de sertanejo universitário cantam sobre festas e baladas. É um retrocesso em relação às bandas românticas dos anos 90?

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LUIZ CARLOS: Eles estão cantando o que acontece atualmente. Mas, falando por mim, não, não gosto. Tem uma molecada de 15, 16 anos, que está fumando, bebendo, indo pra balada, causando muitos acidentes. No meu ponto de vista, é errado (estimular isso). Isso já era feito na música baiana, no funk. As duplas novas gravam um som que é meio funk, meio arrocha. São ritmos antiquíssimos na Bahia. Ok, você não pode criticar um estilo… Só acho errado misturar isso com sertanejo. Luan Santana, Gusttavo Lima não são sertanejos… Não são. Dizer que são é hipocrisia. Eles podem até tocar sertanejo na casa deles, mas isso não tá nos discos que gravam.

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VEJA SÃO PAULO: O que te inspira hoje a compor?

LUIZ CARLOS: O que me inspira é a verdade. Todas as músicas que escrevo são histórias. Eu conto histórias. Não sou compositor de desenvolver temas. O cara conta uma história, pego um trecho mais forte e aí conto aquilo em forma de música. Por isso tem muita gente que fala que as músicas do Raça Negra mostram situações que elas já conheciam. “É igualzinho ao que vivi”, elas dizem. É por isso.

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