Para ver em casa: ‘Atlanta’ é moderno e fundamental
A primeira temporada da série está disponível na Netflix e as duas temporadas no canal pago Fox Premium
Demorei para ver a segunda temporada de Atlanta por uma razão muito simples. Queria ver a primeira novamente. E, depois, uma terceira vez. Já estou, finalmente, no quarto episódio da segunda temporada — o sensacional Helen, em que o protagonista Earn vai com sua namorada a uma espécie de “Carnaval alemão”, que eu nem sabia que existia (Fastnacht). Mas, agora, quero assistir outra vez a Juneteenth, o nono episódio da primeira temporada, porque nele Earn também vai com a namorada a uma festa que celebra a cultura negra e…
Tudo está estranhamente conectado em Atlanta, a série mais instigante, inteligente e provocativa que vi recentemente — e, ao mesmo tempo, cada episódio é uma pequena obra-prima isolada. Se você precisar mesmo de uma sinopse, aqui vai: Earn (Donald Glover), pai de uma menina, filha da sua companheira Van (Zazie Beetz), desempregado de 20 e muitos anos, circula pelas baixas e altas rodas de Atlanta tentando emplacar como empresário de seu primo, o rapper Paper Boi (Brian Tyree Henry), e um outro parceiro, Darius (Lakeith Stanfield).
O problema é que esse resumo não chega nem a esboçar a genialidade da série, concebida e estrelada por Donald Glover, que é, atualmente, uma das vozes (e um dos rostos) mais presentes na cultura pop americana — This Is America, que ele assina como Childish Gambino, é o clipe mais falado do ano! O que importa nessa série é a fina trama de cada episódio, que, com seus diálogos precisos, se desenvolve diante dos nossos olhos como poesia.
Demora um pouco para o conceito de Atlanta entrar em você. Foi lá pelo “quinto da primeira”, um episódio chamado Nobody Beats the Biebs, que tudo começou a fazer sentido. As mensagens diretas, as indiretas, o olhar dos personagens sobre o racismo americano, a ironia ao mundo hipster, a honestidade nas relações — tudo se encaixa perfeitamente e você não duvida nem por um segundo do que está acontecendo.
Atlanta é mais “de verdade” do que muitos documentários recentes sobre a vida americana, e sua franqueza brutal nos faz pensar e oferece momentos hilários — o episódio B.A.N. é o melhor exemplo disso. Mas, sobretudo, o que fica é quando a gente desliga a tela para pensar no que viu porque é impossível assistir a Atlanta e não ficar matutando: é o sutil existencialismo de Earn e seus amigos, sentados num sofá velho no meio de um gramado, momentos antes de uma noite de farra ser reconstruída não na memória, mas numa sequência de Stories. Moderno e fundamental para entender o que está acontecendo.