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A história da Bossa Nova contada por sete bares paulistanos

O circuito de endereços da capital que ajudou a popularizar por aqui o movimento surgido no Rio no final da década de 50

Por Redação VEJA São Paulo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 16 mar 2018, 12h52 - Publicado em 14 mar 2018, 13h11

No final dos anos 50 e início da década de 60, São Paulo e Rio de Janeiro se amavam e se odiavam ao mesmo tempo. Para os paulistas, os cariocas eram insolentes e metidos a besta, mas criativos como ninguém. Para os cariocas, os paulistas não passavam de chatos de nariz empinado, mas abertos como nenhum outro lugar do país aos ventos da modernidade.

Nada poderia ser mais criativo e moderno naquela época do que a Bossa Nova, movimento que varreu a música nacional com o lançamento de Chega de Saudade, a obra-prima de Vinicius de Moraes e Tom Jobim eternizada na voz e no violão de João Gilberto. E foi justamente a Bossa Nova que uniu o que havia de melhor em São Paulo e no Rio – a capacidade de fazer acontecer dos paulistas e a imaginação fértil dos cariocas.

Se a Bossa Nova é carioca de nascimento, ela não demorou para tirar cidadania paulistana. “A Bossa Nova é eminentemente carioca, isso não se discute”, diz o jornalista e escritor paulistano Zuza Homem de Mello, uma das referências no estudo da história da música no Brasil. “Mas São Paulo foi a primeira cidade a aderir e importar grandes nomes do Rio. A juventude paulistana que estava em busca de modernidade foi uma das responsáveis pela popularização do movimento.” No livro Chega de Saudade, clássico sobre a história da Bossa Nova, o jornalista Ruy Castro segue a mesma linha. “A Bossa Nova não demorou a descobrir São Paulo porque, em 1960, era a única cidade a pagar pelo que o Rio de Janeiro achava que devia ter de graça”, escreve Castro.

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E São Paulo pagava bem. Tanto é que todos – sim, todos – os grandes nomes que começaram a despontar no Rio acabaram por exibir seu talento em solo paulistano. Com o passar do tempo, a Praça Roosevelt e a região do centro da cidade, que abrigavam casas icônicas como Farney’s, Cave e A Baiúca, acabariam se tornando uma extensão do calçadão de Copacabana e Ipanema. Apresentaram-se em São Paulo nomes como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, João Gilberto, Johnny Alf, Nara Leão e toda a turma que consagrou a Bossa Nova no Brasil e no mundo.

Para Zuza Homem de Mello, os bares paulistanos tiveram papel fundamental, embora nem sempre reconhecido, na história da música brasileira. No caso da Bossa Nova, esse papel foi ainda mais decisivo. “Como a Bossa Nova é intimista e não precisa de uma produção grandiosa, nasceu para ser tocada em bares”, diz o especialista. “É nesse palco que ela fica mais à vontade. Basta a voz, um cantinho e um violão.”

A seguir, confira uma seleção dos bares que foram o epicentro da Bossa Nova em São Paulo, lançando artistas e ajudando a consolidar o estilo que mudaria a música brasileira para sempre.

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A Baiúca

Em 1959, apenas um ano depois da gravação de Chega de Saudade, o marco inaugural da Bossa Nova, a cantora americana Sarah Vaughan, já consagrada como a rainha do jazz, visita A Baiúca e se encanta com a perfeição de Johnny Alf ao piano. Àquela altura, a Baiúca, que ficava na Praça Roosevelt, era chamada de “a casa da Bossa Nova em São Paulo”, o que provavelmente atraiu a curiosidade da estrela americana. Vaughan não só gostou do show de Alf como o convidou para acompanhá-la em apresentações nos Estados Unidos. O carioca recusou, mas isso não diminuiu sua biografia. Durante quase uma década, ele foi a estrela principal de A Baiúca, tocando ao lado de nomes como Tom Jobim, Nara Leão e outros gigantes da música brasileira. Foi também na Baiúca que nasceu o Zimbo Trio, um dos mais fecundos grupos instrumentais de Bossa Nova do país. A casa deixou a Praça Roosevelt em 1994.

 Cave

Pertinho da Baiúca, a boate Cave, na Rua da Consolação, entrou para a história da música brasileira graças a uma frase. Foi lá que Vinicius de Moraes disse que “São Paulo é o túmulo do samba.” Vinicius estava no Cave (apesar do nome feminino era chamada sempre de “o” Cave) para ver um show de Johnny Alf e se irritou com uma mesa barulhenta ao lado da sua, onde estavam “uns grã-finos, já no meio do óleo”, que gritavam e não deixavam Johnny tocar. Possesso, o poeta se dirigiu ao pianista e falou em alto e bom som: “Meu irmãozinho, pegue a sua malinha e se mande para o Rio, porque São Paulo é o túmulo do samba.” Alf não se mandou, e o Cave estava longe de ser o túmulo de qualquer estilo musical. Foi lá que Baden Powell fez seu primeiro show no Brasil depois de viver em Paris e que Alaíde Costa, voz marcante da Bossa Nova, encontrou um palco para celebrar seu talento.

Restaurante La Cave,  1988 (Pedro Rubens/Veja SP) (Pedro Rubens/Veja SP)

Farney’s

O pianista, cantor e compositor Dick Farney foi uma das grandes inspirações para muitos artistas da Bossa Nova, incluindo Tom Jobim, que o considerava um gênio. Farney, porém, tinha algo que o diferenciava dos colegas da música: a vocação empresarial. Atento à recente onda da Bossa Nova, ele abriu na Praça Roosevelt, em 1959, o Farney’s, clube pequeno para apresentações intimistas e que se orgulhava de fechar só ao amanhecer. As madrugadas eram preenchidas por nomes como João Gilberto e João Donato, além do próprio Dick Farney. Depois, cansado da vida de empresário, Farney passou o endereço adiante para o pianista carioca Djalma Ferreira, que o rebatizou de Djalma’s. Foi na nova casa que Elis Regina fez a sua primeira apresentação em São Paulo, em 1964.

Dick Farney:  músico, compositor e empresário (Jose Antonio C. Morais/Veja SP)

Juão Sebastião Bar

“O Juão Sebastião parecia o castelo do Drácula, com velas e candelabros. Lembro de cantar sentada no piano de cauda, de minissaia, e ver na plateia atores de Hollywood como Kirk Douglas”. A deliciosa entrevista da cantora Claudette Soares para o jornal Folha de S.Paulo traduz o espírito da casa que foi um dos principais palcos da Bossa Nova na capital. Localizado na rua Major Sertório, no centro da cidade, o Juão Sebastião trazia todo mundo que “tocava e cantava bem no Brasil”, segundo Claudette. As atrações atendiam pelo nome de Carlos Lyra, João Gilberto, Cesar Camargo Mariano, Arthur Moreira Lima, Billy Blanco, Lúcio Alves, Elza Soares, Vinicius de Moraes, Tom Jobim e por aí vai. A casa fechou por um motivo prosaico. O dono do espaço, o advogado Paulo Cotrim, não gostava de cobrar dos frequentadores famosos. Em vez de pagar, eles assinam as contas. Só restou ao proprietário guardar os papéis como autógrafo.

Sem Nome

Um dos points da Bossa Nova em São Paulo surgiu por acaso. Em 1960, a TV Excelsior exibia o programa dominical noturno Brasil 60, apresentado por Bibi Ferreira e que contava sempre com atrações ilustres como Dorival Caymmi, Nara Leão, Carlinhos Lyra e Elizete Cardoso. Depois do programa, o produtor Manoel Carlos, que anos depois se tornaria um autor consagrado de novelas, levava a turma para beber em um boteco sem nome, na região da Consolação, e que era frequentado por alunos do Mackenzie. Como seria inevitável para uma turma desse porte, o bar começou a ser palco de apresentações improvisadas, até se tornar uma casa de shows de verdade. Assim surgiu o “Sem Nome”, onde cantaram e tocaram todos os que passaram pela TV Excelsior, de Tom Jobim a Vinicius de Moraes.

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Bar do Hotel Cambridge

O charmoso prédio na Avenida Nove de Julho abrigou o bar que ficou famoso depois de um episódio prosaico. Provocado por um frequentador, que duvidada que o sujeito aboletado no balcão era Nat King Cole de verdade, o mito do jazz foi ao piano e deu uma canja – para ninguém mais duvidar que era ele mesmo em carne e osso. Depois disso, o lugar especializou-se em promover shows com a turma da Bossa Nova recém-chegada do Rio. Até o final da década de 60, passaram pelo palco do Cambridge nomes como Claudette Soares, Johnny Alf e César Camargo Mariano. O hotel fechou em 2002 e acabou desapropriado pela prefeitura para ser transformado em moradia popular.  Em 2011, o bar reabriu. Hoje em dia, é palco de festas temáticas.

Michel

O Michel durou pouco, mas foi uma jornada intensa. Entre o final dos anos 50 e meados dos anos 70, a casa da Rua Major Sertório era o lugar em que intelectuais e jornalistas encerravam a noite depois de passar por outros endereços que fechavam mais cedo. Mesmo na alta madrugada, sempre havia um show com alguma estrela da Bossa Nova. A cantora carioca Maysa foi a atração principal durante muito tempo, mas se exibiram por lá também o violonista Paulinho Nogueira e o pianista e arranjador João Donato.

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