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“Um museu como a Pina precisa saber ser espelho”, diz curadora-chefe

A recifense Ana Maria Maia quer que o museu fale de arte brasileira para além do eixo Rio-São Paulo

Por Mattheus Goto
Atualizado em 6 abr 2023, 14h09 - Publicado em 7 out 2022, 06h00

A recifense Ana Maria Maia, 38, assumiu em setembro o desafio de coordenar a equipe de curadoria de um dos maiores museus de arte do país, a Pinacoteca.

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Formada em comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especializada em arte moderna e contemporânea, ela se mudou para São Paulo em 2009 para fazer um mestrado em história da arte pela Faculdade Santa Marcelina e, anos depois, um doutorado em crítica de arte pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-­USP).

Substituindo Valéria Piccoli, que estava na função desde 2012, Ana chega à liderança curatorial da Pinacoteca em um momento de transformação da instituição.

Transformação essa que é marcada não só pela escolha do nome da recifense para a chefia mas também pela abertura de um novo prédio na Praça da Luz, a Pina Contemporânea, prevista para o início de 2023.  Com projeto orçado em 85 milhões de reais, o novo edifício no número 50 da Avenida Tiradentes terá uma área total de 5 878 metros quadrados.

A primeira exposição com a sua assinatura no cargo de curadora­-chefe é uma mostra panorâmica sobre Jonathas de Andrade na Pina Estação, que entrou em cartaz em 24 de setembro e fica até 28 de fevereiro de 2023. Com um olhar renovador, uma oratória afiada e um objetivo claro, ela já se mostra irreverente em seu ofício e promete potencializar a relevância da Pinacoteca no cenário artístico nacional.

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Como sua especialização conversa com o acervo do museu, repleto de obras de períodos anteriores?

A escolha para o meu nome tem a ver claramente com a abordagem trans-histórica, que faz a gente perceber como as mesmas discussões permanecem em diferentes momentos da história da arte.

Quando a gente remontou o acervo do museu, sob a coordenação da Valéria Piccoli, o principal partido de curadoria foi promover esses encontros.

Gerar uma aproximação entre uma obra do século XX de Almeida Júnior, um dos artistas mais celebrados na história da Pinacoteca, que apresenta uma visão pronunciadamente paulista sobre o Brasil, e um registro de uma performance contemporânea de Élle de Bernardini, uma mulher trans que faz suas produções a partir da perspectiva de visibilização e de encontro com o corpo dissidente.

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Essa associação permite ver que os acordos sociais sobre o que é individual e o que é coletivo, por exemplo, persistem na história.

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Como a sua visão como recifense agrega à curadoria de arte em São Paulo?

É inevitável pensar que, quando se é de fora da região que define paradigmas da história da arte, que é o eixo Rio-São Paulo, nosso olhar já nasce descentrado. É preciso viajar de um contexto para chegar até aqui.

Nesse processo, você percebe a mudança na paisagem, no sotaque, nas negociações. Arrisco dizer que foram poucos os momentos em que os cargos de chefia na Pinacoteca saíram do eixo. A história do museu é bastante paulista.

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Hoje, na minha equipe, temos pessoas de outros estados e percebo quanto é importante trazer olhares forasteiros para entender o que está em jogo quando a perspectiva é predominantemente paulista.

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A minha presença na Pinacoteca representa esse desejo do museu de falar sobre arte brasileira a partir de diferentes lugares do Brasil, fora do eixo Rio-São Paulo.

Qual é sua missão ao assumir o cargo?

Há uma missão imediata que é abrir, no início de 2023, a Pina Contemporânea. Pela característica urbanística desse novo prédio, ele traz o desafio de ser mais aberto e acessível para o bairro do Bom Retiro.

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A Pinacoteca está no imaginário das pessoas que moram em São Paulo, mas a Pina Contemporânea pode impactar no rearranjo do público, para uma presença mais cotidiana, que se abre para outros usos do espaço do museu, como praça, arena e lugar de outras linguagens artísticas. É uma frente de trabalho que tem mobilizado bastante a mim e à minha equipe.

Algo que trago como desafio pessoal é levar a sério a ampliação da visão geopolítica da arte brasileira, não como moda passageira, mas como algo que sempre nos faz reavaliar quem está representado e quem não está.

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Quero que a Pinacoteca de São Paulo seja um museu das relações indissociáveis da capital paulista com outros lugares do Brasil.

“Minha presença na Pinacoteca representa esse desejo do museu de falar sobre arte brasileira a partir de diferentes lugares do Brasil, fora do eixo Rio-São Paulo”

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Ano após ano, a Pinacoteca continua afirmando sua relevância na cena artística. Um exemplo disso é a mostra de OsGemeos. Qual é o segredo?

É uma matemática para se fazer a todo tempo. Uma justa medida entre criar intervenções no imaginário, com base em assuntos que talvez não estejam no senso comum, na mídia ou entre os especialistas, e ouvir o eco dos seus públicos, que são diversos.

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Um museu como a Pina precisa saber ser espelho. A exposição de OsGemeos passou por esse processo. São artistas que estão presentes nas ruas de São Paulo e em grandes museus do mundo.

A exposição só foi bem-sucedida por causa desse desejo de maior conhecimento do público, que já se formava em outro lugar.

Um museu é formador de opinião, mas não é formador sozinho.

Que papel a Pinacoteca desempenha no cenário artístico paulistano?

São Paulo é uma metrópole cultural. Apesar dos desmontes de políticas públicas, a força do polo artístico da capital atravessa a cena de todo o país e oferece, a quem acompanha a arte, uma agenda difícil de vencer.

Isso faz com que a Pina assuma um papel de baliza, de instituição de referência, que traz parâmetros éticos. Mas que não verticaliza a percepção, que se revê constantemente e se soma a diferentes agentes do ecossistema de artes na cidade.

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Um museu público de grande porte precisa manter de pé suas estruturas de colaboração, escuta e revisão de histórias, por meio de processos como a elaboração da agenda de exposições e a aquisição de novas obras.

O que pauta a Pinacoteca?

A Pinacoteca entende que a definição de brasilidade é flexível, porosa, e quer falar sobre esses trânsitos, esses estrangeirismos, que fazem o Brasil ser o que é desde a história colonial até hoje.

E, depois de 117 anos de história, ela chega com muita urgência ao presente a fim de firmar o compromisso com a diversidade e a resistência a uma visão social unilateral e excludente.

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O que pauta você como curadora?

Entender que arte e educação são parte do mesmo processo. Não educação em um sentido doutrinário, mas de um aprendizado mútuo, que se dá a partir dos encontros, das trocas.

A cada projeto que toco no museu, observo que a arte é um grande pretexto para entender quem somos individualmente e que sociedade queremos ter.

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Publicado em VEJA São Paulo de 12 de outubro de 2022, edição nº 2810

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