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Millennials entram no mercado das artes e renovam o cenário

Filhos de galeristas famosos ou de grandes empresários tornam os negócios mais ágeis, informais e conectados

Por Ana Carolina Soares
Atualizado em 29 mar 2019, 06h00 - Publicado em 29 mar 2019, 06h00

Natureza Morta, óleo sobre tela do paisagista e artista plástico Burle Marx, pincelado na década de 40, encantou um seguidor no Instagram do galerista James Acacio Lisboa, de 38 anos. Bastaram cinco mensagens na seção privada da rede social, trocadas em poucos minutos, para a obra ser vendida por 400 000 reais. Simples assim. Não houve necessidade de vernissage regado a champanhe para “abrir a carteira” do cliente nem distribuição de catálogos impressos em papéis nobres e caríssimos para impressioná-lo.

O episódio ilustra os novos tempos do rico mercado de arte no país, que movimentou cerca de 1,5 bilhão de reais no ano passado (70% desse valor aqui na capital). “Metade das nossas transações ocorre on-line”, diz Lisboa. Tudo bem que a maior parte dos compradores de peças importantes (e com preços exorbitantes) ainda quer ver sua aquisição de perto, ao vivo e em cores. Porém, o primeiro contato normalmente se dá via plataformas digitais. “Uma nova geração de marchands está revolucionando o cenário, deixando-o menos formal e mais ágil”, acredita Fernanda Feitosa, diretora da SP-Arte.

No setor das galerias, mantém-se a tradição de sucesso de filhos de marchands ou novatos com sobrenome famoso, ou seja, trata-se de um meio de herdeiros. Mas o modo de fechar negócio agora segue as características típicas dos millennials, geração nascida entre 1980 e 1995 que recebeu essa designação por iniciar sua fase adulta ou entrar no mercado de trabalho no começo do milênio. Há comportamentos em comum. “Ao contrário da turma anterior, eles se preocupam mais com o ‘ser’ do que com o ‘ter’, trocam dinheiro por qualidade de vida, são ousados, mais idealistas e apreciam a rapidez”, observa Danielle Almeida, diretora da MindMiners, agência especializada em pesquisa digital. Por exemplo, ocorrem práticas como “parcelar uma obra a perder de vista”, para que um freguês consiga começar sua coleção. Conheça a seguir parte da turma que pinta a nova paisagem.

Fuga da falência

Gotas de suor frio escorriam pelo rosto de Antonia Bergamin, 30, quando ela ocupou o assento na classe econômica de um voo rumo a Miami em dezembro de 2015. Não era medo de avião, mas pânico da falência. Com 5 000 reais na conta e cerca de trinta obras modernistas na bagagem, ela precisava impressionar os habitués da feira Art Basel em Miami a fim de manter em atividade sua galeria, a Bergamin & Gomide, nos Jardins, com foco em artistas brasileiros e estrangeiros do pósguerra. Simpática, comunicativa e interessada em arte desde menina, quando fazia dos bastidores dos eventos do pai seu playground, Antonia conseguiu vender 70% dos trabalhos na ocasião. Depois da sobrevivência conquistada em Miami, o empreendimento aberto em 2000 ganhou nova identidade há seis anos, quando o dono do ponto (e pai de Antonia), o leiloeiro Jones Bergamin, passou o bastão a ela e seu ex-funcionário Thiago Gomide. “Nunca me senti pressionada a seguir com o negócio da família, foi uma vontade mútua. Trata-se de uma enorme responsabilidade manter esse legado”, afirma. Ela sonha abrir um espaço voltado aos artistas contemporâneos daqui a três anos. “É bom explorar outros campos.”

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Gêmeos em ação: Guilherme e Laura Simões de Assis estão à frente de duas galerias (Marcelo Justo/Veja SP)

Adeus, mercado financeiro

Guilherme Simões de Assis, 31, formou-se em administração e trabalhava em uma butique de investimentos em sua cidade natal, Curitiba. Filho do marchand Waldir Simões de Assis, era sempre consultado por seus amigos quando queriam comprar obras. Em 2011, percebeu que o mundo das artes o divertia bem mais que as aventuras no mercado financeiro. Largou o emprego e juntou-se à irmã gêmea, Laura, para trabalhar nas galerias do pai, a SIM (voltada a novos artistas) e a Simões de Assis (de nomes consagrados). Desde abril do ano passado está à frente dos empreendimentos instalados em um prédio nos Jardins, que se destacaram na última SP-Arte. Na próxima edição da feira, a partir de quarta (3), apresentará uma pintura de Alberto da Veiga Guignard avaliada em 5 milhões de reais. “Nossas férias consistiam em visitar museus no mundo todo, mas nunca imaginei que isso me realizaria profissionalmente”, conta Assis.

Gabriel Wickbold nunca teve a pressão de assumir o negócio do pai, Edilberto Wickbold, de pães e doces (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Fotógrafo e empresário

Há quinze anos, durante uma prova de contabilidade no curso de administração da Faap, Gabriel Wickbold, 34, pensou consigo mesmo: “I’m done here” (em português, algo como “Já chega”). Tempos depois, migrou para rádio e TV. Seu pai, o empresário Edilberto Wickbold, um dos fundadores da indústria de pães e doces, havia falecido subitamente um ano antes, por causa de um AVC. Gabriel, que nunca ouvira exigências para trabalhar na fábrica, sentiu-se livre para seguir sua múltipla vocação. Antes de completar a maioridade, ele já lançara um livro de poesias, dava palestras sobre literatura e montara um estúdio para gravar bandas e orquestras, além de tocar bateria em um grupo. Aos 23 anos, quando nasceu sua primeira filha, Gloria (tem outra, Branca, 4), decidiu focar seus esforços na fotografia. Criou sua galeria na Vila Nova Conceição e hoje apresenta também outros fotógrafos. Diz faturar em média 500 000 reais por mês. Para este ano, prepara o lançamento do seu primeiro livro de cliques, junto com uma exposição em Lisboa e outra em Dubai, e pretende trazer para seu espaço quatro artistas. “O mercado é ágil.”

Marcos Amaro entrou no ramo das artes após vender a Óticas Carol por cerca de 108 milhões de reais (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Milhões para o seu museu

“Pisei na jaca, mas foi por uma boa causa, quero deixar um legado cultural ao meu país”, diz o empresário e artista plástico Marcos Amaro, 34, filho do falecido comandante Rolim Amaro (1942-2001), fundador da companhia aérea TAM. Amaro entrou no ramo das artes aos 28 anos, após vender a Óticas Carol por cerca de 108 milhões de reais. Em 2017, comprou a galeria Emmathomas, que em fevereiro passou a se chamar Galeria Kogan & Amaro. Ele está disposto a investir pesado na área: em 2018, escancarou a carteira e “torrou” mais de 30 milhões de reais em cerca de 300 obras. O investimento milionário teve como objetivo a formatação do acervo de sua Fábrica de Arte Marcos Amaro (Fama), sede da fundação que também leva seu nome. Boa parte das aquisições abasteceu o museu de 20 000 metros quadrados em Itu, no interior, inaugurado no ano passado, com trabalhos de artistas importantes como Adriana Varejão, Cildo Meireles, Iole de Freitas, Mestre Didi, Nelson Leirner e Nuno Ramos. Paralelamente, ele segue sua atividade de escultor. “Não me intimido diante de artistas famosos, pois tenho meu valor.”

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James Acacio: há cerca de cinco anos, promove o acesso pela internet a leilões (Marcelo Justo/Veja SP)

Leilões virtuais

Já ouviu a máxima “só invista em alguém que está em sua segunda startup”? James Acacio Lisboa, 38, pode falar com propriedade do assunto. Economista formado pela USP, ele percebeu que tinha mais talento para empreendedor do que para empregado. Em 2001, largou uma carreira em um banco e investiu 15 000 reais na montagem de um site, o Marcandi, que comercializava obras de arte. Apesar de o fundador ser filho de James Lisboa, um dos principais leiloeiros da cidade, o negócio não deu certo e durou apenas seis meses. “Eram vários sócios com visões diferentes, sem entender nada desse ramo”, conta. Acacio retornou ao mercado de trabalho, mas dois anos depois voltou a empreender. Lançou o Escritório de Arte, um espaço virtual e físico, nos Jardins, voltado a grandes artistas brasileiros, como Burle Marx, Flávio de Carvalho e Reynaldo Fonseca. Desde então, seu pai trabalha exclusivamente no local. Lá, há cerca de cinco anos, Acácio promove o acesso pela internet a leilões, e estima-se que tenha gerado 24 milhões de reais no ano passado no negócio. Além disso, abriu a Galeria Frente, que expõe trabalhos de nomes consagrados, como Mira Schendel, Tarsila do Amaral e Tomie Ohtake. “Devemos crescer 20% neste ano.”

Fernanda Resstom chegou ao mercado para ajudar os apaixonados por arte: ela já parcelou uma obra de 1 000 reais em mais de dez vezes (Marcelo Justo/Veja SP)

Abaixo o esnobismo

“Arte não deveria ser para poucos”, acredita Fernanda Resstom, 30, à frente da Central Galeria. Para quebrar o “esnobismo” da área, ela implantou ações curiosas. “Muita gente fica com vergonha de perguntar preços. Por isso faço catálogos com essas informações e os deixo nos bancos”, conta. Ela também já parcelou uma obra de 1 000 reais em mais de dez vezes ao perceber a tristeza de um jovem cliente, um estudante apaixonado por um quadro. Formada em arquitetura na Escola da Cidade, Fernanda abriu o espaço de arte contemporânea em 2018 no porão do prédio histórico do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), projetado por Rino Levi, no centro. Orgulha-se ao lembrar que ali ficava o Clubinho, point de artistas como Alfredo Volpi e Di Cavalcanti. Mas o ponto alugado está com os dias contados. Em 2023, deverá ser inaugurado um prédio projetado pelo escritório de arquitetura Andrade Morettin (que também assina o Instituto Moreira Salles, na Paulista) e construído pela McBasile, empreiteira dos pais da moça. A Central terá um ambiente de 300 metros quadrados no térreo. “Essa é uma vantagem de minha família ter uma construtora, mas quero crescer pelos meus méritos.”

Lucas Cimino promove a galeria Zipper por meio das redes sociais (Marcelo Justo/Veja SP)

Yin-yang familiar

É sexta-feira e o galerista Fabio Cimino surge no meio da tarde na galeria Zipper, nos Jardins. Veste uma bata branca e fuma um charuto. Passou o dia na rua, conversando com artistas, enquanto seu filho, Lucas Cimino, 30, analisava planilhas e atendia clientes, vestido impecavelmente com um terno de grife. “Se meu pai viveu a juventude fumando maconha, surfando, sem jamais mexer em um arquivo de Excel, eu nunca usei drogas, detesto balada e sou obcecado por organização”, diz Lucas, aos risos, enumerando as diferenças entre as gerações. Ao contrário da maioria dos pais, no primeiro momento, Fabio quis “jogar um balde de tinta” na ideia de ter o filho como parceiro. “Como sou formado em administração pela Faap, ele queria que eu trabalhasse em empresas, ganhasse dinheiro e me tornasse um cliente da Zipper”, brinca Lucas, que entrou na empreitada em 2010 e virou sócio quatro anos depois. O filho revolucionou a comunicação do endereço. “Enquanto recebemos 10 000 visitantes por ano na galeria, o nosso Instagram é visto por 170 000 pessoas por mês”, diz.

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Entendida do assunto, Camila Yunes Guarita possui dez clientes fixos e cobra em média uma comissão de 3% por transação (Marcelo Justo/Veja SP)

Curadora de coleções particulares

Neta do empresário Jorge Yunes (1932-2017), que cultivou uma das maiores coleções de arte do país, com mais de 30 000 obras, Camila Yunes Guarita, 26, desde a infância teve acesso a peças raras, como estátuas de marfim do século XVII. Cursava arquitetura no Mackenzie quando encontrou Nara Roesler em um evento em Miami. Simpática e com bom conhecimento do mercado, foi convidada para trabalhar com a renomada galerista. Em 2015, iniciou um blog e começou a receber propostas para ajudar a formar coleções particulares. Fez disso sua profissão. Hoje, possui dez clientes fixos e cobra em média uma comissão de 3% por transação. Camila poderia comprar um apartamento e ter um espaço para expor sua própria coleção (a mãe dela não curte algumas de suas peças contemporâneas e as mantém em caixas). “Mas estou bem e não preciso ceder a esse tipo de pressão da sociedade”, acredita.

Pedro Mendes, Felipe Dmab e Matthew Wood: integram a lista das 100 personalidades mais poderosas da revista ArtReview (Divulgação/Divulgação)

Trio internacional

O gosto de Pedro Mendes (à esq.), 33, por museus e exposições surgiu ainda na infância, em Belo Horizonte, enquanto o garoto observava sua mãe, Maria Silvia (filha de José Mendes Junior, fundador da construtora que leva o nome da família), elaborar peças de cerâmica. Mais tarde, ele resolveu cursar filosofia da arte na Universidade de Paris, onde conheceu o americano Matthew Wood (à dir.), 33. Em 2010, a dupla mudou-se para São Paulo e travou uma parceria com Felipe Dmab (no centro), 33. Os colegas abriram então, nos Jardins, a galeria com o sobrenome dos três. Com a proposta de representar artistas com obras cujo intuito seja transformar ou refletir o mundo, expandiram o projeto para Nova York e Bruxelas. Atualmente, integram a lista das 100 personalidades mais poderosas da revista ArtReview. “Nosso trabalho não tem fronteiras”, acredita Mendes.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 03 de abril de 2019, edição nº 2628.

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