“Todos nós temos um pouco de loucura”, diz Marco Nanini

O ator protagoniza o espetáculo 'Traidor', em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, e defende a importância do humor no cenário nacional

Por Laura Pereira Lima
Atualizado em 5 jul 2024, 10h42 - Publicado em 5 jul 2024, 06h30
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Nanini: de volta a São Paulo com monólogo (Selmy Yassuda/Veja SP)
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Marco Nanini é um ícone da cultura brasileira e passeia pelas diversas formas de expressão das artes cênicas, de obras consagradas do cinema nacional, como O Auto da Compadecida, até o megassucesso da TV Globo A Grande Família, humorístico baseado na obra de Oduvaldo Vianna Filho, em que interpretou o correto pai de família Lineu por catorze anos. Mais recentemente, em 2023, protagonizou no Globoplay a série João sem Deus — A Queda de Abadiânia, sobre os abusos sexuais praticados pelo líder espiritual.

Aos 76 anos, Nanini segue ativo nos palcos, com uma nova temporada paulistana do espetáculo Traidor, com texto e direção de Gerald Thomas, no qual interpreta um homem isolado numa ilha deserta, acusado de um crime que não cometeu (leia na coluna Teatro). Enquanto fala à Vejinha, de sua casa no Rio de Janeiro, ele não se encontra sozinho. “Minha memória está aqui do lado”, diz, divertindo-se, sobre o companheiro, amigo e produtor Fernando Libonati.

Recifense, o ator mudou-se para o Rio de Janeiro aos 10 anos, mas guarda um carinho especial por São Paulo, onde morou em alguns períodos de sua vida. “É uma cidade muito rica em cultura.” Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Como definiria seu personagem em Traidor?

Ele é bastante confuso… Eu particularmente o caracterizo como esquizofrênico, porque ele muda de assunto toda hora, mistura as coisas.

O personagem também carrega o seu nome. Você se identifica com ele de alguma forma?

O Gerald (Thomas) deu o nome dele de Nanini, assim como na peça anterior, Um Circo de Rins e Fígados. Não sei por que ele faz isso… Mas não tem nada a ver comigo. É um Nanini mais doido do que eu sou. Mas acho que todos nós temos um pouco de loucura, também temos pensamentos que vão e voltam, e alimentamos fantasias. Se a gente não fosse assim, seria muito difícil viver.

O espetáculo tematiza as redes sociais e o cancelamento. Como você lida com as plataformas on-line?

Não tenho a menor habilidade com rede social. Eu tenho um site (“Um Instagram”, corrige Libonati), que minha equipe administra. Tem outro site (Instagram), de uma fã que virou amiga, que se chama “Os Naninis”. Ela pesca várias cenas minhas e coloca lá. Estou bem satisfeito com minha participação na rede, porque tenho site (Instagram) e não preciso ficar administrando.

Qual é o lugar do humor na cultura e no entretenimento brasileiros?

É imprescindível para qualquer época e para qualquer pessoa. Você precisa de humor para poder lidar com a vida, que é muito sobressaltada, muito cheia de dramas. Então, vejo como um tempero que a natureza nos deu para podermos saborear melhor a vida. E para quem faz é um experimento extraordinário. Você é impregnado por essa energia. Eu, por exemplo, adoro ouvir o som do riso do público. É caloroso, é espontâneo. E o público não mente.

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O público de São Paulo é diferente do público do Rio?

O público de São Paulo é mais especializado e mais interessado em cultura. É uma cidade em que falta natureza e, por isso, tem muita coisa cultural para fazer.

Ainda fica nervoso antes de subir ao palco?

Sempre fico ansioso, porque é uma aventura, é ao vivo. Mas não fico tremendo, com medo, como no início. É um nervoso na medida, que também faz parte da interpretação. Esse risco dá uma eletricidade, uma emoção, que levo pro palco.

“O humor é um tempero que a natureza deu para a gente poder saborear melhor a vida”

Quais as diferenças entre atuar no teatro, no cinema e nas novelas?

São técnicas diferentes. No teatro, tem um tom de voz mais alto. Na televisão, você fala baixo, porque o microfone está próximo. É um tom mais íntimo, porque a TV entra na casa da pessoa. Precisa ser o mais natural possível. E são públicos diferentes. O teatro precisa ter a presença, mas em uma novela posso ser visto nos estados mais distantes. E, no cinema, você não sabe para onde vai. Às vezes chega a públicos internacionais. Essa experiência de ficar fazendo tudo é muito saborosa.

Você já morou em São Paulo. Que lembranças tem desse tempo?

Me apaixonei por São Paulo. Tem seu lado duro e cruel, de uma grande metrópole, mas tem um outro muito saboroso. O povo de São Paulo é muito carinhoso e simpático. Nunca tive um encontro rude com ninguém na cidade. Além de comer bem, claro. Sempre tive uma casa em São Paulo, mesmo já morando no Rio. Esta é a primeira vez que fico em um hotel.

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Você acompanha as discussões pelos direitos da população LGBTQIAP+?

Eu acompanho todas as discussões. A parada LGBT de São Paulo, por exemplo, é uma coisa extraordinária, um ato político muito importante.

E milita nessa causa?

Eu não milito em causa nenhuma, mas apoio. Não saio na rua com machadinho obrigando as pessoas a fazer nada. Não vou na parada porque fica um assédio grande, mas gosto de ver pela televisão.

Como você se relaciona com o Lineu hoje em dia?

Virou meu amigo. Eu convivi muito com ele, foram catorze anos. Sempre começo um espetáculo pelo pé, pelo sapato. Gosto de saber o calçado que o personagem veste, porque ele vai ser sua base. No Lineu, eu peguei muita coisa do meu pai, em especial as roupas. Ele morreu há muito tempo, antes mesmo de a série começar. Era um homem muito sisudo. Muito amigo, bom pai, amável, mas sisudo. Ele era gerente de grandes hotéis, tinha de manter uma postura. E eu aprendi muito com esse comportamento e peguei muita coisa do modo de vestir dele. O sapato, o cinto no meio da barriga…

E para o futuro, quais os planos?

O meu próximo espetáculo provavelmente vai misturar crônicas e músicas brasileiras. Também quero muito montar um Beckett. Tem duas peças dele que eu pretendo fazer. Ou seja, estou arquivando possibilidades de acordo com a minha idade. Não posso fazer um jovem de 20 anos, mas posso fazer um senhor de 60, 70, 80, 90…

Pretende se aposentar?

Não quero. É muito chato ficar esperando a morte. Quero que ela venha quando ela quiser. E eu estou seguindo a vida enquanto estou vivendo. Pode acontecer alguma coisa fatal, mas aí é outra história. Aí, vou ver como é que é morrer, como é essa experiência. Mas não estou querendo, não. Não estou chamando.

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Publicado em VEJA São Paulo de 5 de julho de 2024, edição nº 2900

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