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A hora da estrela: Lilia Cabral volta aos palcos paulistanos após dez anos

Prestes a estrear, ao lado da filha, 'A Lista', atriz relembra a juventude na Vila Romana e fala sobre a nova casa na cidade

Por Saulo Yassuda Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 22h21 - Publicado em 4 mar 2022, 06h00
Lilia Cabral é uma mulher branca, de cabelos pretos presos para trás e olhos azuis. Ela posa em um fundo cinza e olha para a câmera. Usa uma roupa preta.
A intérprete, que vive desde 1984 no Rio: vindas à capital paulista devem ficar mais frequentes (Pino Gomes/Divulgação)
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Pressa não parece ser o mote da vida de Lilia Cabral. “Eu acho que tudo tem seu tempo, sabe?”, diz a atriz, de 64 anos. Foi só após completar três décadas de carreira televisiva que ela conquistou o primeiro grande papel de protagonista de novela, em 2011. A personagem era a mulher de fibra Griselda da Silva Pereira, a Pereirão, em Fina Estampa (2011), da Globo. Ela também não foi mãe precoce. A primeira e única filha, Giulia Bertolli, chegou quando estava com quase 40 anos. E só 24 anos depois do nascimento da menina, hoje também atriz, é que mergulhou em um projeto de atuação com ela, desejo antigo. Ao dar tempo ao tempo, Lilia mal percebeu que estava há um longo período sem pisar em palcos paulistanos: quase uma década. Esse jejum, para alegria dos fãs, está prestes a acabar.

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Considerada uma das estrelas mais versáteis de sua geração, com outros papéis memoráveis em telenovelas como Páginas da Vida (2006), A Favorita (2008) e Vale Tudo (1988), Lilia é cria do teatro. O retorno a São Paulo, cidade onde nasceu e viveu até 1984, se dá com a estreia nacional de A Lista, prometida para o próximo sábado (12), no Teatro Renaissance. A peça se passa no período inicial da pandemia e conta a história de duas mulheres que vivem num edifício em Copacabana. Laurita (representada por Lilia) é uma aposentada isolada em casa, que passa a conviver com a vizinha Amanda (papel de Giulia), que faz suas compras — a relação das duas não será lá das mais fáceis.

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Lilia, sua filha e o diretor da peça estão na sala ensaiando o texto. Lilia está deitada no sofá e os outros dois sentados em cadeiras. Eles riem e seguram o script.
As atrizes com o diretor Guilherme Piva: ensaios para a estreia (Instagram/Reprodução)

A primeira versão do espetáculo, mais curta do que a prestes a estrear, é uma filha da pandemia. Foi exibida on-line, pela primeira vez, em setembro e outubro de 2020, no projeto Teatro Já. “A Ana Beatriz Nogueira (responsável pela iniciativa) me ligou pedindo um monólogo, ou uma peça com, no máximo, duas pessoas que estavam passando juntas o período do isolamento, para não ter risco de contaminação”, recorda o autor, Gustavo Pinheiro. Na hora, lembrou de Lilia e Giulia, que vivem juntas no Rio, e propôs o texto, que teve pitacos das atrizes.

Conjunto de fotos em preto e branco de Lilia quando criança. Ela usa um corte chanel com franja e, em cada um dos registros, faz uma expressão diferente.
Lilia na infância (Instagram/Reprodução)

Na primeira vez que Lilia entrou no teatro para a transmissão, naquela época em que muita coisa permanecia fechada e a vacina parecia um sonho distante, se assustou. “A sensação era que você estava dentro de um lugar de experiência científica. Todo mundo tinha só os olhos para fora e vestia aventais”, descreve. A artista conta que se manteve livre do vírus até agora, assim como o marido, o economista Iwan Figueiredo. A filha, de 26 anos, acabou se contaminando na recente onda da variante ômicron, mas se recuperou bem.

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A Lista fez sucesso e ganhou novas apresentações virtuais e até algumas presenciais, no Rio, em Belo Horizonte e em Porto Alegre, em 2021, além de ter virado um curta. Mas a peça que o público paulistano vai conhecer, vale dizer, é inédita. Trata-se de uma versão expandida, que pula dos cinquenta minutos para 1h20. Ao trecho da história da dupla de vizinhas foram adicionados mais dois “momentos”, como gosta de chamar o diretor, Guilherme Piva. O primeiro é um diálogo, logo antes da pandemia, entre Laurita (Lilia) e a filha (também vivida por Giulia) e o outro mostra o reencontro de Laurita e Amanda (Giulia) no futuro. “Dirigi essa peça como se fosse uma montanha-russa de emoções”, sintetiza Guilherme.

A experiência de orientar no palco mãe e filha é inédita na carreira do encenador. “Trabalhei com duas gerações de interpretação.” “Falei (para Giulia) o mesmo que diria a qualquer atriz que estivesse começando”, diz Lilia. “Se eu fosse interferir (na atuação dela), ia anular essa liberdade que o ator precisa ter.” É a primeira vez que as duas vão juntas ao tablado. Na televisão, a moça fez uma participação em O Sétimo Guardião (2018), novela na qual interpretou o papel de Lilia quando jovem. Formada pela CAL, a Casa das Artes de Laranjeiras, Giulia ficou conhecida de boa parte do público mesmo ao fazer parte do elenco de Malhação: Toda Forma de Amar, em 2019.

Lilia usa um vestido listrado colorido e está sentada em um banco comprido branco no meio do palco.
Lilia Cabral na peça “Divã”, baseada no livro de Martha Medeiros (Guga Melgar/Divulgação)
Lilia está no palco. Usa um vestido estampado em tons escuros e um agasalho vermelho com laços coloridos.
Lilia Cabral na peça “Maria do Caritó”. (Claudia Ribeiro/Divulgação)

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Diferentemente da filha, nascida e criada no Rio, Lilia é paulistana da Lapa. “Mais especificamente, da Vila Romana”, diz ela, que se mudou para o balneário carioca com quase 30 anos, no mesmo ano em que estreou em Corpo a Corpo, da Globo. “Morei na Rua Caio Graco, (perto de) onde tem o Teatro Cacilda Becker”, conta. “Morava em um prédio que só tinha dois apartamentos, embaixo era nossa garagem.” Integrante da classe “média média, bem mééédia”, como gosta de reforçar, é filha de imigrantes — o pai era italiano e a mãe, portuguesa. “Ela e minhas tias, quando chegaram de Portugal, foram trabalhar nas Fábricas Matarazzo como costureiras”, recorda.

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A atriz foi aluna da Escola Estadual Pereira Barreto, naquela mesma região, e da Escola Experimental da Lapa, também pública, que tinha uma proposta inovadora. “Foi onde comecei a perceber que eu gostava muito de falar e de declamar, de ser uma certa dona da situação ao apresentar uma experiência de ciências ou a dramatizar uma redação. Foi ali que tudo começou.” Quando terminou o colégio, chegou a prestar vestibular para jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, mas o pai, rígido que era, não permitiu que estudasse à noite. Acabou indo fazer artes na Alcântara Machado e chegou a dar aula de educação artística nos colégios Renascença e Rainha da Paz. Mas a coceirinha do palco, despertada na Experimental, não ia embora. Escondida do pai, ingressou na Escola de Arte Dramática (EAD) da USP. “Ele achava que eu estava fazendo jornalismo.”

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Lilia segura Giulia, uma bebê de olhos e cabelos escuros, enquanto dá um beijo em sua bochecha. Elas estão deitas em um sofá e foto é antiga
Giulia bebê: gravidez de Lilia foi quase aos 40 anos (Acervo Pessoal/Reprodução)

Foram bons os tempos de EAD, entre os anos 70 e 80. “Até me mudar para o Rio de Janeiro, eu vivia em tudo quanto era lugar em São Paulo. Fazia teatro de grupo e ia para o (Teatro) Paulo Eiró, o Arthur Azevedo, o João Caetano. Cada um fica em um bairro. E aí você saía para ir à pizzaria, ao restaurante, ao bar, à festa daquele bairro. Isso tudo era, e ainda é, um prazer”, diz. “São Paulo cresceu muito nesse sentido. Não existe a zona que é a melhor ou pior. Todos os bairros têm seus lados bons e seu lado cultural, o que é muito importante.” Mas ela também vê problemas. “A cidade se deteriorou bastante, em relação principalmente à pandemia. O que a gente lê é que as pessoas sem condições foram pras ruas. Isso é muito triste.”

Antes do avanço da Covid-19, havia adquirido um apartamento em Higienópolis, o qual deve começar a usufruir mais agora e, assim, vir com mais frequência à capital. Aqui, gosta de assistir a peças feitas pelos amigos e de visitar museus, como o Instituto Moreira Salles (IMS) e o Masp. “A última coisa que eu vi foi a exposição da Rita Lee”, fala, a respeito da mostra que ficou em cartaz até o último dia 20 no Museu da Imagem e do Som (MIS). Na hora de fazer uma boquinha, não resiste às pizzas de lugares tradicionais como Veridiana e Speranza.

Lilia e Giulia contracenam no palco. A menina está sentada enquanto Lilia, em pé, aponta o dedo e grita com ela
Mãe e filha em “A Lista”: embate de vizinhas (Ricardo Brajterman/Divulgação)

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Lilia se mostra animada em voltar à cidade natal. A última peça que apresentou aqui foi Maria do Caritó, escrita por Newton Moreno, que ficou em cartaz entre agosto e dezembro de 2012 no Teatro Faap — em 2019, virou filme. Outro sucesso, no mesmo palco, foi Divã, de 2005, baseado em livro de Martha Medeiros, que migrou para a televisão e o cinema. “Estou muito feliz porque vou ter amigos paulistas e cariocas também (na plateia)”, conta.

Ao mesmo tempo que lamenta a atual situação da cultura no país, contemporiza: “O que está acontecendo de bom é ver o público retornando ao teatro”. E complementa: “O palco exige muito de você. Todos os dias, todos os minutos, é muito importante que a gente esteja aberta para aprender. O palco te ensina. E eu estava com muita saudade. Vou aproveitar esse tempo”.

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Contratada da Globo, ela se prepara ainda para estrear o filme Arcanos (título provisório), dirigido por Diego Freitas, neste ano. Além disso, tem, ainda, projetos interrompidos durante a pandemia que pretende retomar. “De que adianta pensar no futuro? Quando é que a gente podia imaginar que tanta coisa que está acontecendo estaria acontecendo?” Essa é a Lilia que gosta de dar tempo ao tempo. “Se você dá o seu melhor, as coisas vão acontecer. Pode ser que não seja agora, mas vão acontecer em algum momento. Eu acredito muito nisso, sabe? O esforço da gente não é em vão.”

Giulia, uma mulher branca, de olhos e cabelos castanhos, abraça a mãe, Lilia, por trás. Ambas sorriem.
Lilia e Giulia: pela primeira vez juntas no palco (Pino Gomes/Divulgação)

PARA ASSISTIR

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Dirigida por Guilherme Piva e escrita por Gustavo Pinheiro, A Lista fala do encontro e do convívio que se desenvolve entre duas vizinhas

> Quando: sábados às 20h30 e domingos às 18h, de 12 de março a 12 de junho

> Onde: Teatro Renaissance (Alameda Santos, 2233, Jardim Paulista)

> Classificação etária: 12 anos

> Duração: 80 minutos

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> Ingressos: R$ 100,00, pelo site olhaoingresso.com.br

Do teclado de Gustavo

Não faltarão motivos para o dramaturgo e roteirista carioca Gustavo Pinheiro visitar a cidade neste ano. “Vou estrear quatro peças em São Paulo”, conta o autor, de 41 anos, com sete espetáculos no currículo (dois deles, A Tropa, com Otávio Augusto no elenco, e Alair, já foram montados na capital paulista). Jornalista de formação (ele já passou pelas redações de VEJA e do jornal Extra, além de ter trabalhado como assessor de comunicação), passa horas do dia no escritório que mantém no apartamento onde vive, no Rio, dedicadas 100% à ficção. Do batuque de seu teclado nasceram espetáculos como A Lista, com Lilia Cabral, e Antes do Ano que Vem, cuja temporada se inicia nesta sexta (4), no Teatro Unimed. Na comédia dirigida por Ana Paula Bouzas e Lázaro Ramos, a atriz Mariana Xavier vive sete mulheres desesperadas, a trinta minutos da virada de ano.

Gustavo é um homem branco e careca. Ele usa uma camiseta preta e uma calça branca e sorri para a câmera com os braços apoiados no colo. Ele está sentado
O dramaturgo: quatro peças na cidade (Pino Gomes/Divulgação)

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Já estão certas, ainda, a vinda de Romeu & Julieta (e Rosalina), com Júlia Rabello, no segundo semestre, e de uma versão de Três Mulheres Altas, de Edward Albee, adaptada por Gustavo para o português, que terá Nathalia Timberg, Deborah Evelyn e Nathalia Dill no elenco. “Fiz uma leitura na casa da dona Nathalia (Timberg), que disse que a tradução é exemplar”, gaba-se ele, que promete a estreia para o fim deste ano. Produtivo, ele tem escrito também diálogos e rubricas para o cinema. Participou da criação de Arcanos, filme com Lilia que deve ser lançado ainda em 2022, e contabiliza três roteiros para filmes com Antonio Fagundes, além de estar a negociar textos para séries e uma novela, em plataformas de streaming e um canal aberto. É muito tlec tlec tlec.

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Publicado em VEJA São Paulo de 9 de março de 2022, edição nº 2779

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