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Maior exposição de artistas negros já montada no Brasil abre em São Paulo

A mostra 'Dos Brasis — Arte e Pensamento Negro', no Sesc Belenzinho, reúne mais de trezentas obras e 240 artistas; conheça cinco nomes paulistas

Por Tomás Novaes
Atualizado em 28 jul 2023, 10h31 - Publicado em 28 jul 2023, 06h00
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'Anônimo' (2022), de Aline Bispo: uma das obras expostas na mostra. (Camila Rivereto/Divulgação)
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A exposição mais abrangente dedicada à produção de artistas negros já realizada no país, Dos Brasis — Arte e Pensamento Negro abre nesta quarta-feira (2), no Sesc Belenzinho.

Com 240 nomes de todos os estados do país (conheça cinco artistas paulistas ao longo desta matéria), desde o século XVIII até a contemporaneidade, a mostra é dividida em sete núcleos, com mais de 300 obras.

“É uma exposição saturada, cheia, lotada. É uma resposta àquela pergunta: ‘Onde estão os negros na arte brasileira?’. Esse espaço diz: isso não é uma onda, nem algo recente. É uma lista interminável, e apenas uma pequena parte do que podemos mostrar”, resume o historiador gaúcho Igor Simões, curador-chefe em parceria com Lorraine Mendes e Marcelo Campos.

O projeto ambicioso começou em 2018, a convite do Sesc, também com participação do antropólogo baiano Hélio Menezes, que deixou o processo para assumir a curadoria da 35ª Bienal de São Paulo.

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Além de criar uma residência virtual com 150 artistas e pesquisadores, o time de curadores viajou por todas as regiões do país, conhecendo trabalhos e propondo espaços de encontro e debate.

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Mas, para Simões, em um contexto geral, a exposição não é motivo de celebração. “Esta não é uma mostra celebratória, em nenhum momento. É profundamente crítica. Sendo a primeira deste tamanho no Brasil, há motivo para comemoração?”, pergunta o pesquisador, antes de elencar outras discussões que o projeto levanta.

“Em que momento essas obras vão entrar em recortes curatoriais que não tratam de raça? Também temos uma presença cada vez maior de artistas negros nas galerias, mas com foco na representação do corpo preto em espaços de precariedade e pobreza. Onde está a outra produção, com temas em que, inclusive, a ideia de raça nem é a chave principal de compreensão?”, questiona.

Não são perguntas sem resposta, e muito menos questões inéditas. “Nunca foi um silenciamento ou falta de visibilidade. Eles só se tornam visíveis quando encontram um olhar branco? Esses nomes foram profundamente visíveis para os seus”, continua o curador, que também pensa a mostra a partir da ideia de uma arte branco-brasileira.

“Se a gente parte da noção que a arte afro-brasileira é a produção de artistas negros no Brasil, temos que nos perguntar qual seria o nome da outra. Será que podemos falar de arte brasileira de fato?”, conclui — e, ao mesmo tempo, introduz — o educador.

Sesc Belenzinho. Rua Padre Adelino, 1000, Belenzinho, Ter. a sáb., 10h/21h. Dom., 10h/18h. Grátis. Até 28/1/2024. sescsp.org.br.

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ENTRE TELAS E EDIFÍCIOS

Da vitrine de uma livraria, ilustrando a capa do best-seller Torto Arado (Todavia, 2019), de Itamar Vieira Júnior, até a empena de um prédio vizinho do Minhocão, você pode ver a arte da paulistana Aline Bispo, 34, em todo lugar.

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Aline Bispo, 34: paulistana do Campo Limpo. (Pamela Anastacio/Divulgação)

“Isso é um desafio e uma felicidade. A realidade é que muitos não têm a possibilidade ou o costume de ir a uma galeria de arte. Mas a maioria das pessoas consegue passar por um edifício e ver uma obra”, diz a artista, nascida no Campo Limpo, cuja trajetória na arte partiu do grafite, passou pelo design e aterrissou na pintura.

Bispo foi convidada a integrar a mostra a partir da obra Anônimo (2022). “O lugar central do meu trabalho passa pelo meu corpo, como mulher, neste país, com este fenótipo. É uma história brasileira, que não é só minha.”

A BUSCA PELO INTANGÍVEL

O centro do trabalho de Juliana dos Santos, 36, é a cor azul.

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Juliana dos Santos, 36: paulistana do Parque Peruche. (Ding Musa/Divulgação)

“Eu escolhi essa cor de maneira metafórica e conceitual para me pensar como uma artista livre de algumas amarras sociais. É uma busca por um processo de universalidade e individuação”, sintetiza a paulistana, nascida no Parque Peruche, que é doutoranda em práticas artísticas pela Unesp.

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“Sempre tem um lugar do negro na sociedade brasileira — na arte, na música, no futebol —, e nunca se fala no lugar do branco. Eu chego nessa cor em um processo de expandir essas representações para o lugar que eu bem entender”, diz a pesquisadora, que participa da exposição com a obra comissionada É Somente Onda (2023), produzida com aquarela e o pigmento azul da flor Clitoria ternatea, uma experimentação.

“É uma pintura toda feita a partir do sopro, em um processo aquoso, e ao som de muito Cassiano — em especial a música Onda”, conta a artista.

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‘É Somente Onda’, de 2023: trabalho inédito. (Ding Musa/Divulgação)

LINGUAGENS DO AMOR

“Tenho formação acadêmica nas artes visuais, mas não me coloco como artista, e sim como pintora. Eu uso da arte como ferramenta de diálogo”, define Lia D Castro, 44, uma mulher trans que, além de pintar, trabalha com criminologia, psicologia e como profissional do sexo.

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Lia D Castro, 44: paulista de Martinópolis. (Arquivo pessoal/Divulgação)

“Todo o meu trabalho parte da prostituição, é a espinha dorsal da minha pintura”, diz Lia, que nasceu em Martinópolis, interior de São Paulo, e está presente na mostra com a obra Davi, da série Aos Nossxs Filhxs.

“É um trabalho que envolve só homens negros que passaram pela minha casa, e fala de amor epistêmico. Além da relação sexual, discutimos o combate à transfobia e ao racismo, lemos textos e assistimos a filmes. São eles que voltam e assinam as telas”, conta Lia, que busca quebrar estereótipos com a sua produção.

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“Sou uma mulher transexual prostituta que pinta, essa é a minha forma de me comunicar dentro de um museu”, afirma.

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‘Davi’, sem data: processo artístico único. (José Pelegrini/Divulgação)

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ANCESTRAIS

Sheyla Ayo, 45, conheceu a arte na casa da família em Guarulhos. “Meu pai sempre trabalhou como eletricista, encanador e pintor, e levava o restante dos materiais para casa. Eu e meus irmãos brincávamos com isso, e assim começamos a pintar”, conta a artista visual, ilustradora e fotógrafa, que investiga temas como a ancestralidade feminina e a diáspora negra em suas produções.

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Sheyla Ayo, 45: paulista de Guarulhos. (Jessyca Alves/Divulgação)

“As palavras-chave do meu trabalho são afeto, ancestralidade e família”, resume Ayo, que terá três obras da série Lágrimas da Mãe na mostra. “São pinturas sobre lenços masculinos em que faço menção às histórias das minhas avós. Com os meus arabescos que parecem lágrimas, conto sobre a força dessas mulheres que foram mães solo”.

Para ela, a exposição é um acontecimento. “Entre nós, artistas pretos, estamos pensando que esta é enfim a nossa bienal preta.”

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‘Lágrimas da Mãe III’, de 2019: acrílica sobre lenço. (Nario Barbosa/Divulgação)

OLHAR PARA DENTRO

“A gente brinca que ela é uma espécie de madrinha do projeto”, diz o curador-chefe Igor Simões sobre Rosana Paulino, 56.

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Rosana Paulino, 56: paulistana da Freguesia do Ó. (Ricardo Paulino/Divulgação)

Doutora em artes visuais pela USP e especialista em gravura pelo London Print Studio, a paulistana é referência para toda uma geração de artistas.

“Conversamos há bastante tempo sobre a necessidade de pensar a arte afro-brasileira para além do Sudeste. A mostra traz esse levantamento nacional, que é fantástico, e também os estudos, as conversas, a residência. O que as pessoas vão ver é a ponta do iceberg”, diz a educadora, que terá na exposição um desenho e uma tela da série Geometria à Brasileira.

Para ela, a importância da mostra está no olhar pleno para o próprio país. “A história da arte negra no Brasil vem desde Aleijadinho, o que a gente não tinha era o reconhecimento. Não é nenhuma novidade”, afirma

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‘Geometria à Brasileira: Verde N. 2’, de 2022: revisão histórica. (Bruno Leão/Divulgação)

Publicado em VEJA São Paulo de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852

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