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“O caso mais radical de racismo que sofri foi na Praça da Sé”, diz Djavan

Em turnê mundial, o cantor volta a São Paulo com novo show que homenageia os povos indígenas e resgata pérolas de sua discografia

Por Tomás Novaes
19 Maio 2023, 06h00

Djavan, 74, não cessa de presentear os fãs com novidades. Depois de realizar um dos seus maiores shows da carreira, no fim de março, em Maceió, para mais de 30 000 pessoas, o alagoano partiu para a estrada com a turnê mundial de seu disco mais recente, D (2022). Com primeira etapa nos Estados Unidos, foram oito shows lotados em cidades como Boston, Houston, Los Angeles e Nova York.

“Adoro fazer shows fora do país. Foi uma turnê extremamente bem-sucedida”, contou o músico, que se apresentará nesta sexta-feira (19) e sábado (20) no Espaço Unimed, com ingressos esgotados. “Fico sempre ansioso para voltar a São Paulo”, diz o artista, que esteve aqui pela última vez em setembro passado, no Coala Festival. Mas, desta vez, o repertório não contará só com seus sucessos incontestáveis, como Sina, Se…, Eu Te Devoro e Flor de Lis, mas também pérolas de sua discografia — uma ocasião perfeita para emocionar os fãs mais aguerridos.

Não posso deixar de perguntar sobre Rita Lee (1947-2023). Você chegou a conviver com ela?
A minha relação com a Rita era musical. Nem sequer conheci ela pessoalmente — nunca estivemos juntos. Mas eu tinha uma admiração enorme, porque ela foi uma desbravadora, uma mulher que fez tudo. Ela tinha uma força, uma luz, uma coragem. E musicalmente era maravilhosa. Criou muita coisa que vai ficar na história. O legado que deixou abriu portas para muitas outras mulheres e homens que tentavam romper certos conceitos. Derrubou barreiras, foi muito importante. Uma grande compositora. Eu não esperava, pensava que ela estava se recuperando e continuaria a fazer coisas incríveis.

Você acaba de fazer uma turnê nos Estados Unidos. Como está sendo encarar a agenda lotada de viagens?
Viajar para fora com uma equipe de dezessete pessoas é complicado — a logística, os aeroportos, os hotéis, os transportes, os equipamentos. É muita coisa, mas tem que ser feito. Fui para os EUA em um momento em que normalmente não vou, na primavera, o que é um engano para quem não gosta de frio. Nova York estava gelada. Foi uma turnê difícil de fazer, e acabei pegando uma gripe, para complicar ainda mais. Mas acabou sendo um êxito total, com os shows lotados. Foi muito bom. Agora vamos para o Brasil todo. Essa turnê vai até julho do ano que vem — chegará à Europa, América Latina, e depois a possibilidade do Japão também.

Além dos shows, você consegue passear também em suas turnês?
Passeei em San Francisco, Los Angeles — fui até Beverly Hills ver as mansões (risos). É interessante ver o modo de viver daqueles americanos. Você se distrai. Eu viajo para a Europa e Estados Unidos há quarenta anos. São viagens que deixam resíduos muito positivos. Gosto muito de arquitetura. Não sou de fazer compras, em geral não compro nada: vou e volto com a mesma mala, com as mesmas coisas. Odeio comprar. Não tenho paciência de chegar às lojas e escolher. Roupa então, jamais. Só uma lembrança ou outra para alguém, que é inevitável. Mas tem uma coisa que é imprescindível: ir a museus. Tudo muito corrido, mas sempre vou.

Você abriu a turnê com um show especial em Maceió. O que essa noite significou para você?
Eu tive a ideia de abrir a turnê em Maceió pois era uma maneira de presentear a minha cidade, levando um show com uma estrutura grande, para 30 000 pessoas — mas tinha mais que isso, porque deu confusão de pessoas que não puderam entrar. Eu queria dar esse presente, e receber de volta. Porque o carinho que o povo demonstrou e a alegria com que o espetáculo foi recebido me deixaram muito feliz. Vou todo ano para Alagoas, mas nas férias, para São Miguel dos Milagres e Maceió.

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“O show é dedicado à causa indígena. Eu pedi para a Sonia Guajajara escrever um texto e gravá-lo, e isso abre o espetáculo. Dedico o show a todas as minorias”

Djavan

E o que o novo show traz de especial?
O show é dedicado à causa indígena. Eu pedi para a Sonia Guajajara (ministra dos Povos Indígenas) escrever um texto e gravá-lo, e isso abre o espetáculo. Dedico o show a todas as minorias. Depois, entra a música Curumim. No repertório, incluí também Ventos do Norte, porque tem muita gente que gosta muito — minha mulher, minha empresária, muitas pessoas pedem. É do meu primeiro disco, que eu gosto, mas estava muito distante de mim. É de uma outra época musical, de composição. Eu sempre recebo esse pedido, e nunca consigo atender. Desta vez, ensaiei e gostei. É só voz e violão, inclusive. E acabou entrando no show.

Depois desta turnê, você tem algum próximo projeto em mente?
Existe um formato de projeto pelo qual sou cobrado e ao mesmo tempo tenho vontade de realizar também, que é um disco voz e violão, ou um show voz e violão. Eu nunca fiz. E muita gente acha que poderia ser bom. Fico resistindo a isso porque fazer arranjos é uma diversão profunda minha. Penso que vou me divertir pouco se fizer só voz e violão, por isso esse projeto ainda não saiu. Mas, neste ano, diante das cobranças que não cessam, eu tenho pensado profundamente nisso. Pode ser, não é certeza, mas pode ser que o meu próximo projeto seja voz e violão. 

Recentemente, reapareceu na internet uma entrevista em que você fala sobre sua prisão no Centro de São Paulo, em 1979. Aquele foi o pior caso de racismo que você experienciou?
Aquele foi o caso mais radical de racismo que sofri, porque acabei sendo preso. E os soldados, todos brancos, diziam claramente: “Esse negro vai cantar agora na cadeia”. Tinha um racismo forte ali. Uma coisa que os deixou muito irritados era o meu cabelo, de tranças, que chocou todos. Fui preso por esse conjunto de fatores: o cabelo e a cor da pele. Eles também me pediram a carteira profissional, e entreguei minha carteira de músico. Eles acharam aquilo um absurdo. Foi uma hostilidade muito grande. Eu tinha entrado em uma loja de instrumentos para comprar um piano Fender Rhodes. Estávamos eu e o Tadeu, um divulgador da EMI, preto também. Quando saímos da loja, tinham dez soldados nos esperando. Eles perguntaram o que estávamos fazendo ali e saíram nos empurrando até a Praça da Sé. Pegaram as nossas bolsas e despejaram tudo no chão. Começou a juntar gente, alguém me reconheceu e ligou para a gravadora, que enviou um advogado para a cadeia. Mas isso durou cinco horas, ficamos cinco horas presos.

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Publicado em VEJA São Paulo de 24 de maio de 2023, edição nº 2842

 

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