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Artistas em cartaz acendem a discussão sobre novas formas de paternidade

No Dia dos Pais, os atores Marco Ricca, Herson Capri, Caio Blat, Julio Rocha e o pintor Maxwell Alexandre compartilham vivências com os filhos

Por Ana Mércia Brandão e Laura Pereira Lima
9 ago 2024, 06h00

Como nunca antes na história, o papel do homem vem sendo questionado e revisto na sociedade contemporânea. Na esteira das grandes mudanças, os pais têm se confrontado com novos tempos, que pedem figuras mais presentes, responsáveis e, acima de tudo, capazes de demonstrar carinho. “Esses homens estão tentando encontrar um vocabulário novo”, afirma o psicanalista Marcus Quintaes, sobre uma geração que cresceu, em muitos casos, com aquela figura paterna autoritária e pouco amorosa. “O que a gente vive hoje é uma interrogação, porque esse modelo que vigorou lá atrás não serve mais para nós”, completa.

Filho do ator Marco Ricca e da atriz Adriana Esteves, Felipe Ricca, 24 anos, acredita que o pai se encaixa em um novo modelo. “Nossa relação é de amizade. Aprendi muito sobre o amor com ele falando sobre teatro, o que não só despertou meu interesse pela arte dramática, mas fez a gente se sintonizar”, afirma. Além do Felipe, Ricca tem ainda Antônia, 11, Maria, 6, e José, 3. Na ficção, o ator protagoniza De Pai para Filho, longa de Paulo Halm sobre o reencontro inusitado entre pai (Ricca) e filho (Juan Paiva) depois de duas décadas afastados.

Outros pais contemporâneos entram em cena nesta reportagem que celebra o Dia dos Pais, no domingo (11), como o artista plástico Maxwell Alexandre, marinheiro de primeira viagem que, há dois meses, teve a filha Goia, e o ator Julio Rocha, pai de José, 5, Eduardo, 4, e Sarah, 1, que atrai mais de 4 milhões de seguidores nas redes sociais com conteúdos bem-humorados sobre paternidade. Caio Blat, pai de Bento, 13, e Herson Capri, que tem cinco filhos, entre 48 e 9 anos, protagonizam uma peça que também aborda a relação pai e filho. “O artista é um pouco o terapeuta da cultura, que traz à cena os sintomas da sociedade. Se estamos vendo a questão da paternidade sendo escrita, falada e representada em vários lugares, é porque a cultura precisa falar do pai”, aponta Quintaes.

Marco Ricca, 61, ator

Não fui um jovem que tinha o sonho de ter filhos, mas virei pai e foi um presente que ganhei. É uma das coisas mais verdadeiras que existem, minha relação com meus filhos. O Felipe tem 24, a Antônia, 11, Maria, 6, e o José tem 3, meu bebezão. Agora, criando os mais novos, as costas doem mais (risos). Me adaptei à idade e me tornei um pai mais experiente. Não adianta tentar aplicar uma regra, tem que aprender com cada indivíduo. E isso é muito rico. O filho está no mundo para romper, ampliar e nos fazer ter uma visão nova de mundo. Criei o Felipe com a Adriana em colaboração. Nos separamos quando ele era pequeno, mas nunca deixamos de ser família. Sempre me esforcei para estar perto dele. Com os pequenos, estou dedicado a ter uma rotina normal e próxima. Recusei trabalhos para ficar com eles e está sendo delicioso. O Felipe virou adulto, mas continuamos próximos. Temos uma ligação intensa e muito assunto. Quando eu vi que ele iria seguir na carreira de ator, fiquei com um pouco de medo, porque sei como essa profissão é dura, mas ele gosta tanto, estuda, tem paixão pelo negócio, me lembra eu quando jovem, que só pensava nisso o tempo inteiro. É lindo de ver quando um filho acha o que quer fazer. Em De Pai para Filho, o pai é o oposto de mim, mas em todos os personagens uso minhas experiências. É um filme que fala muito do amor, da reconciliação, dos encontros. Algo que acredito ser responsabilidade de um pai é formar cidadãos com visão humanista, que olhem para o outro, respeitem e lutem por dias melhores. Meus filhos são de uma geração diferente, com o pensamento diferente, não vêm com uma carga estúpida de tabus como eu fui criado. Com meus filhos, quero ajudar o mundo a evoluir no sentido do respeito. (A.M.B.)

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Maxwell e Goia: ela chegou subvertendo toda a rotina do artista, que agora tem um ateliê em casa (Catarina Ribeiro/Veja SP)
Maxwell Alexandre, 33 anos, artista plástico

Goia nasceu no dia 2 de junho. Fruto do relacionamento de Maxwell com a educadora de crianças Raíssa Freire. Casados há cinco anos, eles moravam em casas separadas, mas agora estão vivendo juntos com a chegada da bebê. Aos 33 anos, o artista conta que não planejaram a gravidez, mas que tudo está se encaixando de uma forma muito bonita, com a chegada da primeira filha. “Demorei um pouco mais para aceitar, sou muito entregue ao meu trabalho, meio frenético, e muito acostumado a ficar sozinho. Essa pra mim é a mudança mais drástica. Mas as coisas vão convergindo para fazer sentido”, afirma. “Fui entendendo também não eu não precisava ficar numa corrida infinita. A Goia trouxe calma pra mim. Desacelerar um pouco. Operar de outra maneira.” O artista carioca está em cartaz no Sesc Avenida Paulista com a exposição Novo Poder: Passabilidade, até 29 de setembro. Sua obra é representada pela galeria Millan, de São Paulo. Ele vinha num ritmo superpuxado e agora está desenvolvendo seu trabalho em sua casa-ateliê. “Estava há três anos sem desenhar, agora voltei a desenhar, a fazer minha própria paleta, está mais calmo. Estou gravando um disco também. A criança me ajudou a aceitar algumas coisas.” Ele já batizou este período de seu trabalho de “pinturas de berço”. “Começo a prestar atenção em luz e em cor, eu não venho de escola de pintura, minha pintura sempre foi uma coisa mais rápida, taquigráfica, sem reverência, sem compromisso, mais agora estou num lugar que me assumo como pintor. E, como começo a trabalhar com a figuração branca, isso me dá liberdade, pois acabo reivindicando um lugar que eu não me via representado”, afirma. A chegada de sua filha mudou até o uso de materiais. Ele vinha trabalhando com tinta a óleo, mas parou por causa do cheiro forte. “E também suja muito, preciso estar com as mãos prontas e limpas para pegar ela a qualquer momento”, diz. Está usando pastel, pastel oleoso e linho nas novas obras, que apresentamos aqui em primeira mão. (Alice Granato)

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Obras novas do artista, ele nomeou o período de “Pinturas de Berço” (Reprodução/Reprodução)
Herson Capri, 72, ator

Quando fiquei adulto, lá pelos 20 anos, comecei a ter o desejo de ser pai. Minha primeira filha, a laura, trouxe uma emoção muito forte, que correspondia àquele desejo. Foi muito gostoso. Me senti jogando uma âncora no mundo. E eu achei que meu desejo de ter filhos estava resolvido, mas depois vieram o lucas, o Pedro, a luísa e a Sofia. Em cada nascimento eu vivi a mesma intensidade. Não era a mesma emoção, porque cada um tinha sua história. Eu tive uma relação muito boa com meu pai, que foi quem me criou, mais do que a minha mãe. Ele tinha muitos valores, prezava pela probidade, honestidade, sinceridade… Acho que, de alguma maneira, carreguei isso comigo e tentei passar para os meus filhos também. Não me lembro de críticas ao meu pai, mas de muitas qualidades. Tinha muito amor na minha casa e procurei passar o mesmo para meus filhos. E eu acho que consegui. Eles são pessoas maravilhosas, sou completamente apaixonado por eles. (L.P.L.)

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Capri e Blat: os atores interpretam pai e filho no espetáculo Memórias do Vinho (Nana Moraes/Divulgação)
Caio Blat, 44 anos, ator

O nascimento do meu filho foi, com certeza, a emoção mais forte que eu tive na vida, uma espécie de felicidade misturada com gratidão. É como se eu não precisasse de mais nada, uma realização enorme. Sou completamente apaixonado pelo Bento, é o grande amor da minha vida. Tenho um pai muito querido, que vem de uma outra geração, outra realidade. Ele não é um homem muito carinhoso, algo que tento corrigir com o meu filho. Agarro ele, beijo o tempo inteiro e digo que o amo. O jeito do meu pai de amar é servindo, sendo um provedor. O meu é mais carinhoso. Tenho muito mais intimidade com o meu filho do que eu tinha com o meu pai. Tento conversar com ele sobre machismo, feminismo, sexo, assuntos que eu conversava com meus amigos na minha época, não tinha essa troca com o meu pai. (L.P.L.)

 

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Julio e família: José, 5, Eduardo (no colo), 4, e Sarah, 1 (Junior Dantas/Divulgação)
Julio Rocha, 44, ator e influencer

O desejo de ser pai sempre esteve alinhado à minha visão sobre a importância das relações familiares. Sempre ouvi meu pai falando que, quando ele conheceu minha mãe, logo plane – jaram filhos, porque queriam plantar uma sementinha para um mundo melhor, e fui imbuído desse sentimento. Ser pai aos 39 foi bom, porque a jornada paterna diz respeito à prepa – ração para a vida como ser humano, e tive todo tempo para isso. O pai é uma figura de apoio para nutrir a individualidade e a independência dos filhos. O que seria impossível com a vida agitada que eu levava. Não acredito que para ser um bom pai você precisa estar 24 horas, mas precisa estar pleno para poder se doar física e emocionalmente para seu filho. Diferente de um pai que sai às 7 horas para trabalhar e volta no fim da tarde, eu estou o tempo inteiro em casa junto dos meus filhos, só que trabalhando, sem poder dar atenção. Então, crio pequenos momentos que passo exclusivamente com eles. Nas startups do Vale do Silício, eles têm mesa de sinuca, fliperama, uns negócios loucos para o intervalo, eu tenho meus filhos. Ter começado a compartilhar mi – nha rotina nas redes sociais muito tem a ver com ter ouvido meu pai falar a vida toda da importância de deixar algo de diferente neste mundo. Juntei minha vivência do dia a dia com as crianças a um objetivo maior como artista, que é participar da vida das pessoas e levar alegria para elas. Quando eu falo de paternidade, muitas mulheres comentam que eu devia dar aula. Isso porque nós, homens, temos que passar para outros, nossos amigos, filhos, os mais jovens, que ter filho é uma grande responsabilidade e alegria. É o ápice da vida de um homem, só que ser pai não é fazer o filho, porque isso qualquer um faz, mas ter a capacidade de adotar o seu filho. Todos os dias é preciso que haja algum tipo de doação, alguma troca importante e preciosa. (A.M.B.)

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Marcus Quintaes: psicanalista e pai (Catarina Ribeiro/Veja SP)
Marcus Quintaes, 56, psicanalista

O psicanalista Marcus Quintaes conversou com Vejinha sobre as mudanças na figura paterna vivenciadas nas últimas décadas. Ele é coordenador de seminários sobre o pensamento pós-junguiano e a psicologia arquetípica. Realiza palestras periódicas em São Paulo sobre suas pesquisas, entre elas, “As trapaças de Eros na vida cotidiana”, “Pensar com imagens” e “É mais forte do que eu: há vida para além da unidade do eu”. Os 32 anos de prática em clínica inspiram suas percepções sobre as novas configurações sociais, além, é claro, de sua experiência pessoal, com os filhos Mig e Pepê.

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O papel dos pais tem mudado nos últimos anos?

Falar de paternidade é falar do homem que está por trás da máscara de pai, e a gente tem assistido, nas últimas décadas, a uma reinvenção do que é ser homem. E o efeito colateral é a reconfiguração também do que é ser pai. Isso não é um movimento espontâneo, foi pressionado por várias causas, entre elas o avanço do feminismo. O protagonismo do movimento feminista, a nova posição adotada pelas mulheres na cultura e na sociedade, pôs os homens em xeque e, como consequência disso, fez o próprio exercício da paternidade ser posto sob interrogação. As mulheres não aceitam mais os pais de antigamente. Os homens estão perdidos, estão tontos.

Qual tem sido a reação deles a essas mudanças?

Os homens não foram educados numa pedagogia do sensível, não sabem falar de si. Os novos homens estão tentando encontrar um vocabulário novo. O corpo masculino nunca foi um lugar afetivo, e por isso a gente vê uma geração que nunca recebeu um beijo ou um abraço do pai. Essa mudança tem gerado uma nova relação dos homens com o próprio corpo que vai aparecer na paternidade, são os homens que se aproximam de seus filhos, que fazem do próprio corpo um lugar de afeto. Isso é uma experiência nova: homens que podem fazer do seu corpo um lugar de amor junto a seus filhos.

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Como entram os conflitos geracionais nisso tudo?

Cada contexto histórico define o que é ser pai. Nas décadas de 50 e 60 era aquele que dizia para o filho: “Vai fazer um concurso público para ter estabilidade, aos 30 anos case, tenha dois filhos, construa patrimônio”. O momento histórico cria a imagem de um pai condizente com aquele tempo e acho que o que a gente vive hoje é uma outra interrogação, porque o modelo que vigorou lá atrás não serve mais para nós, homens atuais. O modelo que está sendo construído não está pronto, estamos nesse lugar intermediário, um futuro que ainda não chegou. Todo filho é um desafio para o pai. Dilemas geracionais não se resolvem, mas se colocam como possibilidade de revisão e reinvenção para os pais. Eles sempre deixam para o filho uma herança simbólica, que pode ser uma maldição ou uma bênção. Tornar-se pai é haver-se com seu pai prévio, e os contemporâneos têm o desafio de olhar para os anteriores, que eram regidos por valores diferentes, e saber que destino dar à herança que lhes foi legada.

É inevitável cometer erros na educação dos filhos?

Os pais sempre fracassam e sempre vão fracassar. Tanto é que (Sigmund) Freud diz que educar é um ofício impossível. Mas isso não deve nos tornar resignados. A ideia é que, ainda que o fracasso seja inevitável, a atitude amorosa deve permanecer. A gente nunca vai conseguir dar aos filhos exatamente aquilo que a gente queria, os filhos sempre vão nos escapar, nunca serão nosso espelho. A ideia, então, é falhar cada vez mais e melhor, sabendo que os filhos são sujeitos dotados de uma alteridade, uma subjetividade que a gente deve respeitar. Afinal, os filhos não são nossas extensões narcísicas. (L.P.L.)

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Publicado em VEJA São Paulo de 9 de agosto de 2024, edição nº2905

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