Do Jabaquara ao Prêmio Shell de Teatro: a trajetória de Clayton Nascimento
O ator conquistou o prêmio carioca e o APCA pelo monólogo 'Macacos', que fala sobre racismo e foi escrito enquanto morava no Conjunto Residencial da USP
“Um dia, cheguei em casa, liguei a TV e me deparei com a cena de vários torcedores gritando ‘Macaco! Macaco!’ para o goleiro do Santos em um jogo de futebol. Fiquei chocado e a situação me provocou a estudar as forças históricas por trás disso.” O episódio de racismo contra o jogador Mário Aranha, ocorrido em 2014 em Porto Alegre (RS), motivou Clayton Nascimento, 34, a escrever Macacos, monólogo pelo qual ganhou o APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) 2023 de melhor ator e acaba de conquistar a mesma categoria do Prêmio Shell, em cerimônia realizada no último dia 21.
Na peça, que fez temporada na cidade em julho do ano passado depois de passar por várias capitais, Clayton refaz a história do Brasil partindo do racismo e da popularização do xingamento. “Vou na contramão dos livros didáticos, em sua maioria escritos por pessoas brancas”, diz.
O interesse pelas artes cênicas surgiu quando sua mãe, uma manicure vinda de um vilarejo no Piauí, ouviu de uma cliente que matriculá-lo em uma escola de teatro seria o jeito de afastar o filho da violência da região onde moravam, no Jabaquara, na Zona Sul de São Paulo. Aos 8 anos, então, entrou na Casa do Teatro, curso para crianças e jovens fundado pela atriz e professora Lígia Cortez, que também comanda o Célia Helena Centro de Artes e Educação, onde hoje é professor. “A escola que me acolheu, me deu bolsa para estudar, agora é a escola em que dou aulas”, comemora. Seu espetáculo integra, inclusive, a programação inaugural do novo espaço multiúso do centro.
A pesquisa para Macacos é resultado de muitas idas à biblioteca da Universidade de São Paulo (USP), onde estudou educomunicação e fez curso na Escola de Arte Dramática (EAD). Era nas tardes de sábado e domingo no Crusp (Conjunto Residencial da USP), onde morava, que ele encontrava tempo livre para dar continuidade ao projeto. “Entrei na USP antes mesmo da política de cotas. Naquela época, trabalhei como caixa de balada, professor de inglês e várias outras coisas para sobreviver”, conta.
Além de estudar os livros e trazer histórias de grandes personalidades negras, como Machado de Assis e a cantora Bessie Smith, Clayton se inspira em suas próprias vivências para o monólogo, sobretudo um caso acontecido em 2018. “Estava em um ponto de ônibus na Avenida Paulista quando um casal me acusou de ter roubado o mercadinho deles. Em vez de me ajudar, as pessoas em volta se uniram a eles para me espancar e me roubar”, lembra.
Hoje morando na Lapa, mas sem esquecer sua raiz “piauílistana”, como gosta de chamar, o ator, dramaturgo, professor e diretor de teatro ainda se desdobra em mais uma função, a de preparador de elenco, que começou com a série Rota 66: A Polícia que Mata (2022), da Globo. Da mesma emissora, ele integra agora a equipe da série Histórias Impossíveis, cujo primeiro episódio foi ao ar no último dia 6. “É importante que os jovens pretos saibam que eles podem sonhar, sim. Sonhem grande e não tenham medo de ir atrás do que vocês precisam”, conclui.