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“Ainda não temos certeza da data dos desfiles”, diz presidente da Mocidade Alegre

Solange Cruz Bichara fala sobre o adiamento do evento, o choque de dias com o Rio e a solidariedade entre as rivais na pandemia

Por Pedro Carvalho
Atualizado em 27 Maio 2024, 22h29 - Publicado em 4 fev 2022, 06h00
Solange é uma mulher negra, de olhos escuros e cabelos trançados em um coque. Ela usa um vestido e acessórios azuis e posa em frente a um mural colorido, com duas cortinas vermelhas ao lado. Ela tem os braços abertos e sorri para a câmera.
Na quadra da escola, no Limão: “Papel do líder é incentivar a vacinação”. (Wanezza Soares/Veja SP)
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Ícone da Mocidade Alegre, escola de samba que preside desde 2003, Solange Cruz Bichara, 56, não se opõe ao adiamento do Carnaval, remarcado para abril. Hexacampeã do evento, ela concorda com a necessidade de frear a Covid-19, mas teme o choque de datas com o desfile carioca, também previsto para os dias 22 e 23. Vejinha apurou que a Liga das Escolas tenta uma nova alteração, para evitar o problema.

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Como o adiamento do desfile de Carnaval impacta as escolas de samba?

Não é de hoje que vivemos nessa corda bamba… O adiamento era algo quase esperado. Já falavam sobre a obrigatoriedade de desfilar de máscara (parte do protocolo que a Liga tinha estabelecido, antes da decisão pelo adiamento). Os números pioraram, isso está no noticiário. Estávamos vivendo um dia de cada vez, sem criar expectativas. Meu papel, como liderança, é a conscientização: use máscara, se vacine, se proteja.

Mas a mudança traz prejuízos?

Cada agremiação é um caso. Na Mocidade Alegre, vamos trabalhar para terminar o Carnaval em fevereiro. Não quero ter mais dois meses de gastos (até abril, quando devem acontecer os desfiles).

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A prefeitura discutiu o adiamento com as escolas antes do anúncio?

Não, o prefeito apenas comunicou à Liga (em reunião de 21 de janeiro). Não temos poder para decidir. A gente recebe verbas públicas. Quem decide isso é a Secretaria de Saúde. Entendo que a necessidade do momento era essa, sim. O impacto da pandemia tem batido em nossa porta, vejo desistências (de integrantes), famílias que não querem deixar as baianas desfilarem, o pessoal da velha guarda com medo… Carnaval é alegria, e o clima estava longe do ideal.

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A escola vai exigir comprovante de vacinação para os integrantes?

Sim. Exigimos o comprovante já na venda da fantasia — ou, para aqueles que são da comunidade, quando doamos a fantasia. Além disso, todos recebem um termo de compromisso que diz, por exemplo, que poderão ser obrigados a usar máscara.

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A Mocidade perdeu Dona Lúcia, coordenadora da ala das baianas, para a Covid-19, em abril de 2021. Qual era a história dela?

Ela desfilava fazia anos, junto do marido, o Ligeirinho. A família foi criada aqui, as netas e tudo o mais. Tinha uma história forte com a ala das baianas, era budista, passava muita calma para as senhoras. Perdemos muita gente: a Marcinha, que trabalhava no camarote, a irmã de um senhor da velha guarda, o seu Pereira, que sempre o acompanhava. Até meninos novos da bateria. Isso nos assustou (ela chora). Mas teve união. A Vila Maria tinha psicólogas, perguntei se a gente poderia utilizá-las e muita gente daqui usou. Quando nossa cesta básica acabou, a Rosas de Ouro nos doou. A Mancha Verde doou para a Vai-Vai. Então, se o momento é de preservar vidas, não quero ser irresponsável.

São mais de dois anos sem desfiles. Como está o caixa das escolas?

Passamos dois anos com uma só verba (para o desfile). Os caixas estão no vermelho. A economia que a gente tinha queimou. Para piorar, agora travaram as aprovações da Lei Rouanet. Nossa escola recebia recursos desde 2010, graças a uma empresa parceira (a Cebrace, que motivou o enredo de 2010, sobre o tema “espelho”). Algumas escolas não conseguiram as liberações, não por falta de prestação de contas, mas porque isso não está sendo aprovado em Brasília. Tem projetos travados, não consigo entender.

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Será o mesmo Carnaval que teria saído em 2021? Mesmos sambas e enredos?

Acredito que, no Grupo Especial, só a Dragões da Real tenha mudado o enredo.

São Paulo e Rio anunciaram as mesmas datas de desfile (22 e 23 de abril, sexta e sábado após o Tiradentes, na quinta). Não vai causar problemas para quem participa dos dois desfiles?

Sim, muitos profissionais trabalham nas duas cidades: intérpretes, mestres-salas… Tem ainda os destaques, pessoas que investem alto em fantasias suntuosas para sair no carro alegórico. Muitas desfilam em São Paulo e no Rio. Ainda não fiz a conta, não sei quantos na escola serão afetados.

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Os desfiles não poderiam ser em fins de semana diferentes de abril?

Alguns se queixam que São Paulo não quis abrir mão de desfilar na sexta e no sábado (a Liga anunciou as datas depois do Rio, que teria divulgado o calendário sem consultar os paulistanos). Se fosse fazer na quarta e na quinta, a adesão do público seria muito pior, porque a quarta e a sexta são dias úteis. As pessoas trabalham. Pedimos possibilidades de datas à GL (concessionária do Anhembi), talvez outra sexta e sábado de abril, mas aparentemente estavam vendidas para outros eventos. Não sabemos quais datas a empresa tem (a Liga deve se reunir com GL, prefeitura e SPTuris nos próximos dias para estudar uma eventual nova mudança).

Então, o anúncio de que os desfiles serão no Tiradentes ainda pode mudar?

Existe uma incerteza, ainda não sei. Trabalho para terminar o Carnaval em fevereiro e sei que vou desfilar em abril. Agora, os dias exatos ainda não sei. Sei que, para nós, não é vantajoso fazer na quarta e na quinta.

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Estão acontecendo ensaios nas quadras das escolas. Não é inseguro?

A capacidade não está cheia, porque o pessoal não está vindo. Os maiores ensaios foram os de rua. O de sexta (28), a gente cancelou. Mas vão acontecer ensaios na quadra, sim. As normas os permitem. Pedimos carteirinha (de vacinação), máscara.

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Há uma inflação do Carnaval? Quanto custa o desfile da Mocidade?

Hoje, não se faz um desfile com menos de 3 milhões e pouco. É o que recebo entre bilheteria, TV Globo e prefeitura. O preço da matéria-prima subiu demais. Damos alimentação no barracão, o arroz e o feijão estão caros. Se pegar o preço de isopor, resina, madeira, ferro… Subiu mais de 100%. É uma loucura. Não estou chutando essa alta, sou justamente eu que tenho a conta. Fora que diminuíram as importações: tecidos, paetês. A mercadoria está escassa, o que aumenta o preço. Temos de, literalmente, rebolar.

Teme um novo adiamento por questões da pandemia?

Um adiamento eu até veria com bons olhos. O que não queria era que cancelassem novamente. Aí entra aquele lado: por que todos podem, menos nós? Tem futebol, festas… Ainda somos marginalizados, né?

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Publicado em VEJA São Paulo de 9 de fevereiro de 2022, edição nº 2775

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