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Orgulhos paulistanos: os personagens mais amados do cenário cultural

A edição Mais Amados destaca quatro personalidades responsáveis por fazer diferença na cultura da cidade, área que merece mais apoio e financiamento

Por Ana Carolina Soares, Dirceu Alves Jr., Juliene Moretti e Tatiane de Assis
Atualizado em 6 Maio 2019, 11h32 - Publicado em 3 Maio 2019, 06h00

Uma artista precursora

Laura Cardoso ainda se lembra bem dos olhares atravessados dos vizinhos quando, aos 16 anos, lá por 1943, desfilava de calças compridas pelas ruas do Bixiga, o bairro onde nasceu e foi criada. “Eu não queria enfrentar nem tampouco chocar ninguém, só achava mais confortável me vestir assim”, conta.

Essa é apenas uma das tantas atitudes pioneiras que essa adorável paulistana, atriz emblemática da televisão, do teatro e do cinema nacional, ostenta em seus 91 anos de vida e 76 de carreira. “Tudo parece fácil para as meninas de hoje e, por isso, não valorizam as conquistas. Queria que vivessem em um tempo em que ser artista era o mesmo que ser prostituta”, afirma ela, que deu os primeiros passos na Rádio Cosmos, na década de 40, e logo se transferiu para a Tupi, uma das principais emissoras da época.

Precursora também no vídeo, Laura estrelou teleteatros, seriados — muitos deles, ao vivo — e telenovelas no canal e só cedeu aos convites da Globo para trabalhar no Rio de Janeiro em 1981, depois da falência da Tupi e da morte do marido, o ator e roteirista Fernando Baleroni. “Faço parte de uma geração de mulheres da pesada, que derrubou muitas barreiras, mas sempre valorizei meu casamento e minha família”, declara Laura, que mora no bairro de Perdizes, no mesmo prédio em que vivem as filhas Fátima e Fernanda.

Hoje, com pelo menos cinquenta novelas, trinta filmes e quinze peças no currículo, ainda se envaidece com olhares surpresos em sua direção. “Sei que meu público se espanta ao perceber que dou conta de tantas atividades”, declara a intérprete, que até três anos atrás ainda enfrentava sozinha a ponte aérea no Aeroporto de Congonhas para os compromissos no Rio. “É sinal de que continuo pioneira e posso ser exemplo para pessoas da minha idade, então eu quero mais é trabalhar”, completa a empolgada Laura, que deve voltar ao ar no segundo semestre em uma participação especial na novela A Dona do Pedaço, de Walcyr Carrasco, com estreia prevista para o próximo dia 20.

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À frente da programação do Masp, Adriano Pedrosa se destaca (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Triunfo na Avenida Paulista

O curador Adriano Pedrosa, 54, é o nome à frente da programação do Masp, museu referência da capital. O carioca, com mestrado no americano California Institute of the Arts, assumiu o posto de diretor artístico da entidade em outubro de 2014, em uma situação nada favorável.

À época, a instituição, com acervo composto de mais de 11 000 obras, encontrava-se presa a uma moldura démodé, que parecia enxergar muito pouco além da cultura europeia. O cenário de crise se completava com um endividamento dramático que chegava à cifra de 75 milhões de reais (em 2018, esse valor caiu para 40 milhões). Nada, no entanto, paralisou Pedrosa. Sob olhares ansiosos, ele anunciou uma renovação curatorial por lá. Os movimentos de mudança tinham no horizonte o reconhecimento de narrativas e personagens marginalizados na história da arte, englobando indígenas, LGBTs, negros e mulheres.

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O novo rumo dialoga também com o passado do museu, intrinsecamente ligado ao legado da arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992). Foi ela quem assinou o projeto do prédio retangular, que flutua na Avenida Paulista, e idealizou os cavaletes de cristal — no fim de 2015, eles seriam resgatados por Pedrosa e sua equipe. Os suportes transparentes, instalados no 2º andar, abrigam os trabalhos de modo original e, junto aos milhares de visitantes diários, parecem compor uma multidão animada, com origens e rostos diversos.

Em maio, o diretor completa quatro anos e meio de gestão e contabiliza a realização de aproximadamente quarenta mostras, além do feito de uma delas, Histórias Afro-Atlânticas, ter sido escolhida uma das melhores exposições do mundo em 2018, pelo jornal The New York Times. Em cartaz desde 5 de abril, a exposição sobre Tarsila do Amaral traz a polpuda marca de, em média, 3 000 visitantes por dia.

A constatação dos êxitos não deixa Pedrosa distante de atividades curiosas para o cargo, como a gestão do perfil do Masp no Instagram, mas o faz por poucos segundos relaxar o olhar firme, como quem rememora o caminho trilhado. De volta à postura altiva, ele fala do futuro: “Queremos nos aprofundar cada vez mais nas pesquisas que fazemos, trabalhar com maior antecedência, envolver mais pessoas e ampliar nossa relação com o púbico”.

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Marin Alsop, diretora musical da Osesp, é destaque no cenário da música erudita (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A dama erudita

Em 2011, a nova-iorquina Marin Alsop, 62, ocupava um posto de destaque no cenário da música erudita: já havia regido algumas das melhores orquestras do mundo, como a Gewandhaus, de Leipzig, a Royal Concertgebouw, de Amsterdã, e a Filarmonica della Scala, de Milão.

No início daquele ano, quando ela recebeu o convite para se tornar a diretora musical da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), seu empresário foi categórico. “Ele me disse: ‘De jeito nenhum, não aceite’ ”, lembra, aos risos. Afinal, quando se pensa em música brasileira lá fora, nosso lugar está mais para Sambódromo do que para Sala São Paulo. “A respeito de sinfônicas, há um preconceito contra a América Latina, mas não pude recusar. Além de talentosos, os profissionais daqui são apaixonantes e tocam com o coração”, explica. Pois ela teimou, assumiu o cargo em 2012 e levou a Osesp a circuitos respeitáveis internacionais. Sob sua regência, a equipe fez sua estreia na Philharmonie de Berlim, no Royal Festival Hall, de Londres, nos festivais de Lucerna e Edimburgo e na Konzerthaus de Viena.

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Este ano marca a despedida da maestrina à frente da sinfônica paulista, e em 2020 ela se tornará uma regente de honra. Para celebrar, prepara para meados de dezembro uma apresentação especial da Nona Sinfonia de Beethoven. Começará na Sala São Paulo e, depois, deverá viajar para outros países. “A parte cantada aborda amor e tolerância, algo tão raro nestes tempos, especialmente aqui no Brasil e nos Estados Unidos. O compositor Arthur Nestrovski fará a versão para o português e também para outras línguas”, planeja.

Marin concilia a direção da Osesp com a da Orquestra Sinfônica de Baltimore, sob sua batuta desde 2007. Visita a capital paulista periodicamente em temporadas nas quais trabalha doze horas por dia. Nascida e criada em Nova York, hoje a maestrina mora em Baltimore. Desde 1990 é casada com a trompista Kristin Jurkscheit, da Orquestra Sinfônica do Colorado, onde se conheceram. As duas têm um filho, Auden, de 15 anos. “Meus pais e minha mulher são músicos, mas meu filho quer escalar montanhas, vai entender”, brinca. Marin viu sua carreira deslanchar em 1989 ao se tornar a primeira mulher a levar o Koussevitzky Conducting Prize, do Tanglewood Music Center, onde foi aluna do lendário Leonard Bernstein. Uma extensa discografia também lhe rendeu prêmios da famosa revista especializada britânica Gramophone.

Ismael Ivo é o primeiro negro a ocupar cargo de diretor do Balé da Cidade (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Joia da Zona Leste

Sempre vestido com um elegante blazer, Ismael Ivo tem a fala pausada e forte. A voz fica mais enfática quando ele aborda os projetos no Balé da Cidade, companhia que dirige desde 2017 e é uma das principais da cidade, tendo o Teatro Municipal como palco-sede e mais de meio século de vida. Só em 2018, o grupo mostrou onze espetáculos em 43 apresentações, com um público de mais de 40 000 pessoas e casas lotadas.

Nas obras, Ivo opta por abordar temas atuais e espinhosos, como racismo e cuidados com o meio ambiente. “Agora, vamos discutir a intolerância religiosa”, adianta o também coreógrafo sobre a nova montagem do elenco, Biblioteca de Babel, que deve estrear em junho. Para ele, a cultura não consiste em mero passatempo, mas em uma forma de conexão com a identidade do indivíduo. “Seu papel é atuar na visão que as pessoas têm do mundo e delas mesmas”, acredita. Ivo afirma que é preciso criar oportunidades de inclusão ao lado da educação. “Assim, as próximas gerações começam a se transformar e viram uma célula de atuação de mudança”, diz. Ele mesmo é um exemplo disso.

Primeiro negro a ocupar o cargo de direção no coletivo municipal, Ivo, que não revela a idade, foi criado pela mãe, no bairro da Vila Ema, na Zona Leste. Costumava cruzar a cidade para participar de aulas de balé, que frequentou por meio de bolsas. Foi descoberto pelo coreógrafo e ativista americano Alvin Ailey (1931-1989), de carreira brilhante, e acabou convocado para ir a Nova York. Depois, criou o projeto ImPulsTanz, em Viena, referência em tendências da dança contemporânea, e se tornou o primeiro negro e estrangeiro a dirigir o Teatro Nacional Alemão, em Weimar. “Quando um jovem entra em uma orquestra ou no balé, a vida dele se transforma, evolui. E é progresso o que a gente quer, certo?”.

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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 8 de maio de 2019, edição nº 2633.

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