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Apanhador Só volta à cidade com disco feito para incomodar

Banda gaúcha apresenta repertório de <em>Antes que Tu Conte Outra</em>, seu segundo álbum, em três sessões seguidas na Funarte

Por Mayra Maldjian
Atualizado em 10 Maio 2023, 09h44 - Publicado em 22 set 2013, 14h34

Quem ficou de fora do show de lançamento do segundo disco da banda gaúcha Apanhador Só no mês passado, no Sesc Belenzinho (os ingressos se esgotaram em três horas), terá outras três chances no próximo sábado (28). Com ingressos a R$ 10,00, eles repetem a apresentação três vezes seguidas na Funarte, na região central da cidade. Não tem como reclamar.

Com reforço do guitarrista Lorenzo Flach, Alexandre Kumpinski (voz, violão e guitarra), Felipe Zancanaro (guitarra), Fernão Agra (baixo) e André Zinelli (bateria)  reproduzem no palco um som bastante fiel ao disco, misturando instrumentos convencionais e eletrônicos a objetos cotidianos, entre eles balde, grelha de churrasco e a tradicional bicicleta vermelha, símbolo da banda.

Forte representante da cena indie brasileira, o Apanhador Só retornou aos holofotes com um disco feito para causar desconforto. Antes que Tu Conte Outra, o segundo registro fonográfico, deixa para trás as letras mais melosas e as melodias suaves –marcas do álbum homônimo de estreia (2010)–, para versar sobre questões incômodas da realidade reforçadas por uma sonoridade mais densa.

Para tecer as doze faixas, a banda convocou o compositor Ian Ramil (ele assina algumas letras com Kumpinski, autor da maioria delas), os músicos David Soares, Rafael Penteado e Martin Estevez (ex-baterista da banda) e os produtores Zé Nigro, Gustavo Lenza e Diego Poloni. Tudo financiado pelos fãs via crowdfunding, a famosa vaquinha virtual (foram arrecadados R$ 59 mil).

Em entrevista por telefone, o vocalista Alexandre Kumpinski fala sobre a postura mais combativa da banda, as preocupações com a cena musical independente e suas influências musicais:

VEJASAOPAULO.COM – O que se passou com vocês nesse meio tempo, entre o lançamento do disco de estreia, em 2010, e a chegada do segundo, Antes que Tu Conte Outra?

Alexandre Kumpinski – Aconteceu uma mudança pessoal com nós todos, uma mudança de atenção em relação às coisas que estão a nossa volta. Depois de 2010 passamos a ter mais visibilidade. É como se isso tivesse trazido mais responsabilidade sobre o que gente informa e compartilha com quem nos ouve. Isso tudo nos transformou em pessoas um pouco mais politizadas, mais preocupadas com o que estava além dos nossos umbigos. E isso gerou um desconforto, porque muito coisa estava errada, o que acabou influenciando naturalmente a nossa produção artística. Não só as letras, mas o som está mais pesado, mais ruidoso, mais incomodado e instigante, mais atucanante (vocês não usam essa palavra, né?). Ele conforta menos e incomoda mais.

Reinação é uma das músicas que me chamou atenção nesse sentido. Quando percebi que vocês adaptaram na letra trechos do Hino Nacional, foi impossível não pensar nas manifestações que ocorreram em todo o Brasil. Essa música foi feita nesse contexto? Onde estava o Apanhador Só nesse momento? Tem um vídeo de uma manifestação em Porto Alegre que usa essa música como trilha sonora, inclusive, um vídeo muito bonito e sensível. E esse desconforto sobre o qual falei é o mesmo desconforto que muita gente vem sentindo há muito tempo e que acabou eclodindo nessas manifestações. A gente estava na rua, sim, desde o início. Desde o ano passado já vínhamos participando das primeiras manifestações pela melhoria do transporte público em Porto Alegre. A Reinação veio antes, ela foi composta um ano e meio atrás e foi lançada junto com o disco em maio. Foi uma coincidência, mas não deixa de ser uma certa previsão. A inspiração veio de estar angustiado com a lógica que rege o nosso dia a dia, que nos toma tempo, vida. A letra é uma fábula sobre um sujeito, um comandante, uma entidade que queria comandar a nossa pátria por meio de outros valores que não o valor da produção, do lucro. Um valor mais relacionado ao descanso, aproveitar o tempo para ter uma vida com qualidade. A máquina está nos induzindo a um ritmo que é desumano e acaba nos retirando tempo, energia e vida no fim das contas. A população trabalha, trabalha e trabalha, mas o dinheiro está sempre na mão dos ricos e a gente está sempre mal. E só piora.

 

E em relação à cena musical independente, há algum descontentamento? Não é bem descontentamento, mas preocupações a respeito dela. É uma cena que tem que se fortalecer mais, para não ficar a mercê de interesses alheios. Eu fico um pouco entristecido ao ver bandas independentes assinando com gravadoras que essencialmente praticam atos nocivos à própria cena, fico preocupado com coletivos culturais que sugam energia da cena em benefício próprio e não a fortalecem. Fico preocupado com a invasão de marcas no nosso cenário, marcas que teoricamente deveriam ajudar, mas acabam usando a imagem e a força cultural que temos para fazer propaganda própria. Só levantam a lona do circo e caem fora.

Você acompanhou a polêmica do Fora do Eixo? Sim, um pouco de longe porque estamos na estrada. Eu acho que o Fora do Eixo só é bom para o Fora do Eixo. E isso a gente já sabe há muito tempo. E é engraçado como o Fora do Eixo consegue deixar descontente tanto a esquerda quanto a direita. Se vale do discurso, mas na prática é outra coisa. Todo mundo que a gente conhece que já trabalhou com eles teve problemas.

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Você diria que o crowdfunding é uma ferramenta fundamental para a cena independente? É a melhor das opções. É uma opção que empodera o público. Não tem atravessamento de curadorias privadas, como a Lei Rouanet, que decide em qual projeto vão botar a grana. Parece muito mais democrático o financiamento coletivo, em que as pessoas decidem diretamente onde vão investir o seu dinheiro. E o artista que vai ter seu projeto financiado não precisa estar atrelado a nenhum interesse que não seja o do seu próprio público.

O público do Apanhador Só é bastante fiel. Esgotam ingressos, financiam álbum… A gente conseguiu fazer uma rede virtual muito forte com as pessoas que gostam da nossa música. E isso tudo é também um reflexo de uma coerência de trajetória. Para o mundo se tornar um lugar melhor a gente tem que começar de alguma maneira. Acho que acabou a época de falar, temos que fazer. A gente é uma banda independente, lançamos um disco coletivamente e se nega a assinar com gravadora ou fazer propaganda para marcas que tenham uma filosofia e uma prática contrárias às que a gente acredita. É trabalhoso se manter dessa forma, mas é íntegro.

Apanhador Só

Por que vocês escolheram o Zé da Terreira para estampar a capa do disco?  Ele é um ator de teatro de rua lá de Porto Alegre e foi um dos fundadores do grupo Terreira da Tribo, que há mais de trinta anos faz um trabalho artístico e social muito importante por lá. Além de levar arte para a rua, para lugares públicos, eles fazem oficinas de teatro na periferia. A gente queria um senhor na capa e ele seria a melhor pessoa para representar em imagem o discurso do nosso disco e aonde queremos chegar com ele.

E no universo musical, que artistas influenciam o Apanhador Só? Eu apontaria o Ian Ramil, nosso conterrâneo, como alguém a se prestar atenção. Estamos na mesma cena lá. Dos veteranos, Jards Macalé, Itamar Assumpção, César Sampaio, tem muita gente. O Tom Zé também, apesar de estarmos bodeados por ele ter feito propaganda da Coca-Cola. Foi uma contradição entre o discurso dele e a prática.

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+ Saiba mais sobre o show do Apanhador Só

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