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“A Alcoólicos Anônimos salvou meu casamento”

"Ele precisava ficar sóbrio da bebida, e eu, sóbria da raiva", diz Rosângela* sobre Matheus*, há 11 anos longe do vício

Por Rosângela*, 61, em depoimento a Fernanda Campos Almeida
26 mar 2021, 06h00

“Sou filha de pai alcoólico, falecido por complicações da bebida aos 42 anos. Nenhum dos meus cinco irmãos bebe ou fuma. Eu mesma nunca tive problema com nenhuma droga. Mas foi justamente por causa disso que vivenciei complicações no casamento.

Encontrei meu marido, Matheus*, 69, em um bailinho de garagem, onde me tirou para dançar. O ano era 1974. Ele e os irmãos formavam uma equipe de som que cuidava das músicas das festas que fazíamos com amigos pela Vila Mariana. Eu tinha apenas 14 anos.

Na época, ele, quase nove anos mais velho que eu, bebia e fumava maconha. Pensava que era algo comum naquele tempo. O alcoólico, quando quer, tem a lábia. Achava-o charmoso com aqueles cabelos longos. O hábito dele não alterava sua condição, e por isso não fazia diferença para mim.

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“Matheus foi me tirando aos poucos do inferno em que eu vivia”

Meu pai sabia, mas não reclamava. Faltava-lhe discernimento. A bebida deixava meu pai violento, quebrava objetos e queimava roupas no chão da sala. Com saídas e viagens, Matheus foi me tirando aos poucos do inferno em que eu vivia. Mal sabia eu que estava construindo outro abismo. Minha mãe me aconselhava, mas, apaixonada, eu não a ouvia.

Dois anos depois, eu me casava grávida do nosso primeiro filho, Matheus Jr*, hoje com 44 anos. Nossa festa de casamento começou no sábado de manhã e terminou quase na segunda-feira. Depois vieram nossas meninas, Sarah*, 42, Bianca*, 39, e Natacha*, 37.

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Bem mais velho, aos 45, Matheus introduziu a cocaína. Ele foi mudando. Esqueceu-se da família, não se interessava mais por mim, passava dias na rua. Pensei que tinha arranjado outra mulher, mas quem o teria aceitado daquele jeito, sem tomar banho?

Com o tempo, ele foi perdendo o interesse pelo emprego. Matheus trabalhava em uma empresa, mas também tínhamos um minimercado e um táxi. Ele acabou sendo demitido e nosso mercadinho fechou. Só não perdemos o carro porque demos um jeito pegando dinheiro emprestado. Foram muitas brigas e coisas dentro de casa que quebrei em cima dele para chamar sua atenção, até que ele confessou que cheirava.

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Eu nunca deixei de gostar do meu marido. Sentia uma mistura de amor, raiva e pena que se somava à preocupação de cuidar de quatro crianças. Estava confusa, mas carregava a certeza de que tudo aquilo ia acabar um dia. Decidimos interná-lo em uma clínica de reabilitação em São Roque, no interior. Ele ficou um ano lá, mas passou apenas dois anos limpo depois. Apesar de tudo que tínhamos vivido, foi recaindo. Eu arrumei minhas malas e fui embora de casa em 2010.

Matheus se lembrou das reuniões que seguiam os ensinamentos da associação A.A. (Alcoólicos Anônimos) dentro da clínica e procurou uma unidade da instituição no Jabaquara. Nós começamos a frequentar juntos. Ele me convidou a participar, no mesmo endereço, do Al-Anon, grupo de ajuda para familiares e amigos de alcoólicos, e percebi que a recuperação era necessária para ambos. Ele precisava ficar sóbrio da bebida e eu, sóbria da raiva.

Descobri que não conhecia meu marido. Casei muito nova com alguém que sempre estava sob o efeito de drogas. No dia que o último filho saiu de casa, entrei em desespero. Como conviveria com Matheus sozinha? Quando ele chegava em casa “daquele jeito”, não tinha interação. Para mim, ele era um grosso e enfiava os pés pelas mãos em tudo o que fazia. Mas percebi que ele também não sabia quem eu era de verdade. Sempre encontrava uma pessoa briguenta. Eu não sabia ouvir, só gritar.

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“Ele precisava ficar sóbrio da bebida e eu, sóbria da raiva”

O trabalho da A.A. foi maravilhoso para nós porque aprendemos a falar a mesma língua. Resgatei minha saúde mental e espiritual. Se eu não tivesse ido, Matheus diz que não teria ficado. O programa ensina doze passos que servem não só para largar o vício, mas para ser aplicados na vida inteira. Não adiantava receber um tratamento na clínica, mas não ter apoio em casa. Enquanto ele aprende a não beber, eu aprendo a não ofender. E já é assim há onze anos. Não houve mais recaídas. Nosso relacionamento se tornou maravilhoso. A gente passou a viajar, aproveitar o outro e viver em paz. Agora, na pandemia, mais juntos do que nunca.”

* Nomes alterados para garantir o anonimato dos frequentadores da associação Alcoólicos Anônimos

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Publicado em VEJA São Paulo de 31 de março de 2021, edição nº 2731

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