Vinícola no interior faz sucesso até com especialistas internacionais
Para quebrar a tradição de uma terra ruim de taça, produtora em Espírito Santo do Pinhal lança três rótulos de alta qualidade
Ainda que as primeiras uvas viníferas do Brasil tenham sido introduzidas no longínquo ano de 1532 por Martim Afonso de Sousa em São Paulo, o estado nunca demonstrou vocação para a produção de bons vinhos. Até agora, pelo menos. Para quebrar essa tradição de uma terra ruim de taça, a Vinícola Guaspari, localizada na montanhosa Espírito Santo do Pinhal, está lançando três rótulos de alta qualidade. Esse primeiro lote compõe-se de apenas 3 000 garrafas de cada um dos tintos Syrah Vista da Serra e Syrah Vista do Chá, ambos da safra 2011, e outras 4 000 do branco Sauvignon Blanc 2012. Elas já podem ser apreciadas no restaurante Vinheria Percussi, em Pinheiros. Até o fim do mês, estarão na carta de quase uma dezena de outros endereços, entre eles o Fasano, nos Jardins. “O syrah é uma ótima surpresa, jamais imaginei encontrar um tinto assim produzido em São Paulo. Superconcentrado em aroma e sabor, lembra um bom similar da Califórnia”, atesta Manoel Beato, premiado sommelier do Fasano. Quem quiser provar em casa poderá encomendá-lo à importadora Rouge Brasil, na Vila Nova Conceição.
Embora tenha sido fundada há apenas oito anos, a Guaspari já coleciona até elogios internacionais. Em 2013, o renomado crítico inglês Steven Spurrier conheceu um dos tintos paulistas num dos mais seletos encontros de produtores vinícolas realizados em Paris. Logo depois, referiu-se a ele como um “surpreendente syrah brasileiro” em um artigo da revista Sommelier. Outro especialista, o colunistado jornal Valor Econômico Jorge Lucki incluiu o Guaspari Syrah Vista da Serra 2011 em seu ranking anual dos Melhores Vinhos do Novo Mundo 2013.
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Esse entusiasmo da crítica se justifica. Localizada a 200 quilômetros da capital, na bela região da Serra da Mantiqueira fronteiriça com Minas Gerais, a Guaspari tem 50 hectares de plantações distribuídos por duas centenárias fazendas de café, reunidas em uma única área de 800 hectares encravada em uma zona cafeeira, sem tradição vinícola. A cidade mais próxima onde se elabora a bebida fica a 70 quilômetros, mas do outro lado. É a mineira Caldas, conhecida pelos vinhos de garrafão. Embora já tenha essa primeira safra que arranca elogios dos especialistas — houve apenas duas vinificações anteriores sem valor comercial—, a produção começou por acaso. Os proprietários da dupla de fazendas, donos também da holding MSP Participações, que inclui empresas mineradoras e é dirigida pela CEO Marina Guaspari Gonçalves, queriam montar nos jardins da propriedade um labirinto com velhas videiras. Procuraram, em 2005, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) para adquirir as plantas e, no início do projeto paisagístico, perceberam que tinham um negócio de grande potencial nas mãos.
A solução para o cultivo dos parreirais foi apresentada por um pesquisador da Epamig: Murillo de Albuquerque Regina. Dono da empresa Vitácea Brasil em parceria com um viveirista francês, Murillo multiplica mudas de videiras, a partir de clones importados da França. “A Vinícola Guaspari é um projeto arrojado, o maior investimento no sudeste brasileiro em vinhos”, garante o pesquisador. Ele conta que há iniciativas semelhantes mas bem mais tímidas surgindo em outras cidades paulistas, como Itobi, São Bento do Sapucaí, Indaiatuba e Louveira.
Hoje, existem doze vinhedos na Guaspari chamados de “vistas” com altitude entre 1140 e 1250 metros. “Quando começamos, realizamos exaustivos estudos de solo”, diz o diretor operacional Paulo Roberto Guaspari, tio de Marina. Nessas avaliações, constatou-se que o solo pedregoso se aproximava mais do encontrado na região do Rhône, no sul da França, onde reina a uva syrah. Vem daí a escolha dessa cepa. Ainda que se cultivem variedades europeias como cabernet sauvignon, cabernet franc, merlot e pinot noir, além de quatro brancas,a syrah é a que proporciona resultados superiores.
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De grande ousadia, a Vinícola Guasparia adota um tipo de manejo adaptado por Murillo a partir de um modelo criado pela Epamig, também em Minas Gerais.“Os melhores vinhos do mundo são elaborados em regiões em que as uvas atingem a maturidade em dias ensolarados seguidos de noites frias”, ensina o pesquisador. Por isso, ele inverteu o período da safra, que tradicionalmente no Brasil acontece no verão. “Fazemos a colheita em julho, quando não há chuvas, que prejudicam a qualidade das uvas”, explica o enólogo-residente chileno Cristian Sepúlveda, responsável pelos vinhedos da Guaspari em parceria com o agrônomo português Paulo Macedo. Entre as atribuições da dupla está o controle da umidade do solo e momento da poda. “Cada hectare implantado tem um custo de 83 000 reais do primeiro ao quarto ano”, calcula Guaspari. Desde o início, a empresa já investiu mais de 4 milhões de reais, valor que inclui preparação do terreno, plantio, irrigação e compra de mudas. Também entra nesse total o salário de 55 funcionários, cinquenta deles no campo e cinco na adega.
O homem-chave na operação, porém, tem outro nome. Quem determina como será a vinificação e quando uma safra está pronta para ser colocada no mercado é o enólogo americano Gustavo Gonzalez, que traz no currículo passagens pela vinícola americana Robert Mondavi e pela italiana Tenuta dell’Ornellaia. Sob sua supervisão a colheita se realiza de maneira manual nas primeiras horas da manhã. Depois que o suco extraído das uvas é colocado em tanques de inox para a fermentação, a bebida resultante repousa em barricas de carvalho francês dos renomados fabricantes Taransaud, François Frères e Ermitage. “Queremos produzir o melhor vinho brasileiro da história”, sonha Guaspari.