Startups paulistanas dão vida nova ao ato de “marmitar”
Conheça cinco empresas com propostas arrojadas que receberam investimentos parrudos e preveem um bom faturamento neste ano
A “quentinha” está de cara nova. Entregues em casa ou no trabalho, as marmitas sempre foram sinônimo de comodidade e, ao mesmo tempo, de renda para quem as produzia e comercializava. Recentemente, essa área passou por uma renovação e se profissionalizou.
Como se alguém tivesse apertado a tecla F5 no computador para atualização, surgiram empresas especializadas, startups que vendem as refeições de forma ainda mais prática e com o auxílio da tecnologia. As boas ideias transformaram o setor em uma das mais fortes vertentes das chamadas foodtechs, startups dedicadas a produzir, vender ou servir alimentos com alguma inovação e com potencial para crescer, replicar-se e, é claro, ganhar dinheiro.
Grande parte dessas empresas nasceu dos últimos três anos para cá e é tocada por jovens, com menos de 40 anos, que decidiram mudar de carreira para se aventurar no empreendedorismo, pondo o plano em prática por meio de aportes de grupos e fundos de investimento.
As novatas, além de possuírem uma logística de entrega mais eficiente e canais próprios de venda (site ou aplicativo), têm em comum uma preocupação não só com o preparo da comida mas também com a origem dos ingredientes. Algumas dispensam carne ou privilegiam orgânicos, por exemplo. Cada um com a sua “filosofia”.
Segundo levantamento de 2019 da Liga Ventures em parceria com o GPA, há 200 companhias do gênero no Brasil, a maioria delas paulistana. “Sabe o boom que aconteceu com empresas de tecnologia voltadas para a mobilidade urbana? Agora é o momento das foodtechs”, explica Nelson Andreatta, do Eats for You, projeto que chegou à final do reality show Planeta Startup, exibido pela Band no ano passado, e perdeu para a duLocal, que também tem a comida pronta como o centro do negócio.
Confira a seguir histórias de empresas que estão dando vida nova ao ato de “marmitar”.
ORGÂNICO E COM CAUSA
Dedicada ao delivery de pratos frescos à base de vegetais orgânicos, a duLocal foi idealizada pelo engenheiro ambiental Felipe Gasko. As marmitinhas (25 reais cada uma), como a de mandioca cozida com o mix de temperos dukkah, couve-flor grelhada e saladinha de feijão-vermelho e folhas, têm apresentação bem cuidada e boa combinação de texturas e sabores. São preparadas por mulheres da periferia selecionadas por projetos sociais ou indicação e capacitadas por uma equipe treinada pela chef Rafaela Soldan. O negócio tem a intenção de gerar, além de lucro, um impacto positivo na sociedade — as colaboradoras recebem 20% do preço final de cada refeição. “Trabalhando de casa, não preciso passar horas no ônibus e posso cuidar dos meus filhos”, comemora Renata Felipe de Santana, uma das participantes.
Essa pegada de cozinha com causa tem feito a empresa, que recebeu aportes que somam 2 milhões de reais, prosperar. O faturamento cresce 40% ao mês, de acordo com os cálculos da startup. O funcionamento é o seguinte: os insumos de pequenos produtores paulistas são encaminhados para a residência das cozinheiras, em Paraisópolis. Elas preparam as pedidas seguindo as orientações da chef e as embalam em caixinhas, que passam pelo centro de distribuição, na Vila Olímpia, antes de chegar à freguesia. O modelo poderá ser replicado em outras áreas. A ideia é que, a partir do segundo semestre, novas turmas sejam treinadas via aplicativo. O projeto ficou entre os dez escolhidos para participar da Aceleradora Estação Hack, centro de inovação criado pelo Facebook em parceria com a organização Artemisia, e venceu o reality show Planeta Startup, da Band. “Os clientes vêm pela proposta social, mas ficam pela comida”, afirma Gasko.
> As vendas são feitas pelo site dulocal.eco.br. É possível comprar as marmitas via Rappi, iFood e Uber Eats quando não se esgotam.
COMIDA DA TIA
Em busca de atender à demanda por refeições caseiras — e mais em conta — no almoço, o empresário Nelson Andreatta lançou em 2018 o aplicativo Eats For You, que até hoje recebeu 1,7 milhão de reais em investimento. Cozinheiros e cozinheiras, chamados de tios e tias, inscrevem-se na plataforma, que funciona como vitrine para que possam oferecer receitas preparadas em casa. São pedidas triviais, como feijoada e picadinho. Os parceiros submetem-se a uma série de controles de qualidade, como treinamentos e visitas de inspeção.
A fila para entrar no app está em 3000 pessoas. Os clientes fazem as encomendas de comida de manhã para que tudo seja feito sob demanda, sem desperdício. Motoboys buscam as marmitas e as levam para os pontos de retirada, como bicicletas e trailers em empresas nos arredores das avenidas Paulista, Berrini e Faria Lima. A comida é mantida quente. Por mês, a marca serve cerca de 7000 pratos, cujo preço médio fica em 16,50 reais (450 gramas). “Crescemos 15% ao mês”, diz Andreatta. A previsão é que a companhia alcance o faturamento de 7,5 milhões de reais em 2020.
> A plataforma está disponível para download no Google Play e na App Store. Opera no almoço só de segunda a sexta.
DIRETO DA GELADEIRA (DA FIRMA)
Apenas funcionários de companhias como Unilever, Microsoft, Gympass e Publicis conseguem encontrar as marmitas da Vya. Isso porque, após operar por um ano num sistema de entrega tradicional, a startup, que tem como sócios o italiano Lapo Lazzati (ex-Bacio di Latte) e os franceses Gaspard Voiseau e Jeremie Leclercq, teve a rota recalculada. “Passamos a negociar diretamente com empresas e a colocar nos escritórios geladeiras com os pratos”, explica Lazzati.
A nova estratégia fez o número de vendas diárias quadruplicar, segundo os sócios. Hoje são mais de sessenta equipamentos instalados por toda a cidade com as refeições preparadas um dia antes em cozinha própria no Piqueri, na Zona Norte. Há seis linhas de produtos, que vão do clássico PF, com arroz, feijão, farofa e frango orgânico, que precisa ser aquecido, ao poke, comidinha fria havaiana que pode combinar atum em cubos e manga sobre arroz japonês. Quando novas refeições chegam aos refrigeradores, o que sobrou do dia anterior é recolhido e doado ao projeto Mesa Brasil.
> A refeição é adquirida diretamente nas geladeiras, e o pagamento é feito em maquininhas do próprio equipamento ou pelo aplicativo, com desconto.
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DE OLHO NO FEEDBACK
Quem vê hoje em dia a marca Liv Up, sempre presente em uma série de anúncios em redes sociais, não acredita que tudo começou de forma modesta. Em 2016, os engenheiros Victor Santos e Henrique Castellani resolveram deixar o antigo emprego e montar a startup com o primeiro bônus que cada um ganhou. A dupla equipou uma minicozinha na Vila Madalena e deu início à produção de pratos congelados de pegada saudável. Hoje, com um aporte de 100 milhões de reais, parte vinda do fundo Kaszek Ventures, a companhia se configura como a maior nessa categoria.
No meio do ano passado, a cozinha foi transferida da Vila Leopoldina (onde permaneceu por um ano e meio após deixar a Vila Madalena) para uma área oito vezes maior, com 8000 metros quadrados, em Aldeia da Serra, na região metropolitana. Por mês, são vendidas 250 000 refeições.“O time que desenvolve as receitas tem chef, nutricionista e engenheiro de dados para trabalhar em cima do comportamento e do feedback dos consumidores. Assim, nosso ciclo de inovação consegue ser rápido e eficiente”, explica Santos. São comercializadas pedidas como frango ao curry, que pode ganhar de guarnição cogumelos ou purê de cenoura com gengibre. O cardápio também conta com aperitivos e sobremesas, e os preços começam em 4,50 reais (snack de amendoim, banana e canela). O fato de os itens serem vendidos separadamente é uma vantagem: cada cliente monta seu combo. Por outro lado, o número de embalagens é excessivo (a empresa diz participar de programas de reciclagem). Até o mês de março, a Liv Up deve começar a entregar preparos frescos via aplicativos de delivery na capital paulista.
> Pedidos são recebidos no e-commerce livup.com.br.
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CARNE FAKE EM EMBALAGEM DESCOLADA
Foi em Chicago que Fernando Bardusco conheceu melhor o nicho de mercado de quem não consome carne. De volta a São Paulo, o empresário, que se diz “flexovegetariano” (um vegetariano flexível, digamos), convenceu dois amigos da faculdade de administração na Unifesp a estruturar a Beleaf em 2016. Jônatas Mesquita e Fábio Biasi, que já não estavam lá muito satisfeitos com seus respectivos trabalhos, compraram de cara a ideia de vender marmitas veganas. Atualmente, eles alugam uma casa na Chácara Santo Antônio onde mantêm uma estrutura quase industrial para a produção de receitas como nhoque ao molho de cogumelo shiitake.
No ano passado, entraram também na onda da “carne” da Fazenda Futuro, um preparo de hortaliças e grãos de sabor e textura que imitam os da carne de boi, usado em opções como a lasanha “à bolonhesa”. As comidas permanecem congeladas numa câmara fria de 70 metros quadrados até serem levadas aos clientes. A entrega chega a demorar 32 horas, mas há a promessa de diminuir esse período ainda neste mês. “Vamos melhorar o sistema de logística”, garante Mesquita. O visual descoladinho das embalagens, estampadas com frases como “é bom pra chuchu”, funciona como chamariz para o público jovem. Cada marmita, com média de 360 gramas, custa cerca de 25 reais. São vendidas 18 000 unidades por mês, e a previsão é ampliar o portfólio com snacks e itens de café da manhã. Os sócios esperam faturar até 7 milhões neste ano.
> Os pedidos são feitos no site beleaf.com.br.