Pizza paulistana é a mais cara do mundo
É o que revela pesquisa inédita VEJA SÃO PAULO/ Ernst & Young Terco realizada em dez cidades brasileiras e quinze do exterior
Como se fosse um time do coração, muitos defendem de forma apaixonada o padrão superior da nossa pizza perante os adversários. Os mais entusiasmados não têm dúvida: é a melhor do planeta. Toda essa qualidade, porém, veio acompanhada de um efeito colateral. O sentimento da maioria das pessoas é o de que ela nunca foi tão cara.
Uma pesquisa exclusiva da consultoria Ernst & Young Terco, elaborada a pedido de VEJA SÃO PAULO, mostrou que essa impressão encontra respaldo na realidade. No levantamento realizado no mês passado, a consultoria comparou os preços daqui com os de outras 24 cidades, nove delas no Brasil e o restante no exterior. Criou assim o Índice Margherita, batizado em referência à variedade que serviu de base para a pesquisa. A ideia foi inspirada no Índice Big Mac, publicado desde os anos 80 pela revista inglesa The Economist para medir o custo de vida em vários países do mundo a partir da variação dos valores do sanduíche — na última versão da lista, o Brasil ficou em 5º lugar entre 45 nações. No universo da pizza, a conclusão é ainda mais difícil de engolir. São Paulo tem a margherita mais cara do mundo. “Imaginávamos que nossa cidade ocuparia uma das primeiras posições”, afirma Antonio Uras, responsável pelo projeto e sócio da Ernst & Young Terco. “A liderança, no entanto, foi uma surpresa.”
+ Em vídeo: entenda como foi feita a pesquisa
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Na pesquisa, levou-se em consideração apenas o preço do prato servido no salão e composto sempre dos mesmos ingredientes: tomate na forma de molho, pedaços ou rodelas mais queijo mussarela e manjericão. Todos os 232 restaurantes consultados vieram de uma seleção aleatória a partir de um banco de dados nacional do especial “Comer & Beber” de VEJA e da edição internacional da revista Time Out. Os valores foram apurados entre os dias 12 e 19 de março e convertidos para o real pelo câmbio oficial. Pelo resultado do trabalho, uma margherita de oito fatias custa aqui 52 reais, contra 41 reais da média nacional. Em Nova York, ela é 31% mais barata (36 reais). A distorção fica maior quando se leva em conta que a metrópole americana possui um PIB per capita de aproximadamente 120 000 reais, três vezes o de São Paulo. Capitais como Pequim (35 reais), Moscou (34 reais) e Tóquio (33 reais) também se mostram mais econômicas nesse campo. Alguns dos lugares pesquisados não oferecem pizza grande. Mesmo assim, na versão individual, São Paulo, com média de 37 reais, vem à frente de cidades como Nápoles (13 reais) e Londres (22 reais). Perde apenas para Sydney (39 reais).
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Os empresários do ramo costumam argumentar que os valores cobrados pelos restaurantes sofrem a influência dos altos custos para operar em São Paulo, que acabam sendo inevitavelmente repassados aos consumidores. De uma década para cá, por exemplo, a mussarela subiu 92%, acima dos 64% do Índice de Preços ao Consumidor acumulado no período. O tomate representa um problema mais recente: o quilo do produto mais que dobrou de preço nos últimos quatro meses. Além disso, outras variáveis importantes, como o valor dos aluguéis de pontos comerciais e a folha de pagamento dos funcionários, também sofrem reajustes pesados ano após ano. “Fazer um produto de primeira qualidade em São Paulo tem o seu custo”, afirma Paola Lanzuolo Veiga, administradora da Leona, no Campo Belo. De seus fornos sai a margherita clássica mais cara da cidade, por 66 reais.
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Uma comparação mais atenta entre o panorama daqui e o de fora, no entanto, mostra que algumas das dificuldades enfrentadas por nossos restaurantes não são exclusivas do mercado paulistano. O aluguel de um endereço comercial bem localizado no Itaim, por exemplo, pode ultrapassar os 40 000 reais por mês. Parece absurdo, mas não é mais do que se paga por um ponto pequeno em Londres, próximo da valorizada região do Hyde Park. A manutenção de um bom funcionário é muito cara em São Paulo? Nos Estados Unidos, é mais caro ainda. “Um pizzaiolo em Nova York recebe perto de 5 000 reais, enquanto aqui o salário básico é de 1 800 reais, o que acaba nos custando quase 4 000 reais, somando-se encargos trabalhistas e benefícios”, calcula Marcelo Alcântara, sócio da rede americana Serafina, que chegou a São Paulo em 2010 e tem hoje unidades nos Jardins e no Itaim. “Além disso, aqui a lei não permite nenhuma flexibilidade no horário de trabalho, o que é um problema nos meses de pouco movimento”, ressalta o empresário. Apesar de um pouco mais barata, a mão de obra local tem qualidade inferior à dos Estados Unidos. Desse modo, os melhores da área costumam ser bem disputados e podem receber remuneração mensal acima de 10 000 reais.
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Se os custos paulistanos ajudam de fato a inflacionar a operação, mas não são tão diferentes assim dos das grandes metrópoles do mundo, o que mais contribui para a nossa indesejada liderança no Índice Margherita? Uma das principais suspeitas recai sobre as margens de lucro praticadas por aqui. A média, segundo os empresários do setor, seria de 15%. Mas não é difícil achar casos bem acima desse patamar. O argentino Miguel D’Agostino, dono da Fugazzeta, em Moema, assume ganhar entre 25% e 30% por uma margherita assada no forno elétrico do seu restaurante. “Consigo faturar bem, mesmo mantendo preços competitivos”, afirma. No restaurante, uma pizza desse tipo custa 36,20 reais, um dos preços mais baixos encontrados na capital. Detalhe: mesmo assim, está acima da média de Paris e Moscou. Dona da Sala Vip, com unidades no Ipiranga e em Moema, Sandra Delbosque Gonçalves calcula ganhar 20% em cima de cada pizza vendida. “É uma boa rentabilidade”, reconhece. Em Londres, a margem de lucro de um restaurante gira entre 10% e 20%. Países em situação econômica frágil obrigam os empresários a apertar ainda mais o cinto. “Na Espanha, estagnada no momento, o lucro atual é de menos de 10%”, conta Belarmino Iglesias Filho, que administra os restaurantes Rubaiyat, especializado em carnes, em São Paulo e Madri.
Evidentemente, quando o mercado está favorável, não há crime algum em buscar uma boa taxa de retorno para um investimento como o de um restaurante, sobretudo se ele põe na mesa do cliente um produto de primeira qualidade, como é o caso da média das pizzas paulistanas. De acordo com a lei da oferta e da procura, tal política de preços só sobrevive se existirem fregueses dispostos a abrir a carteira. As filas enormes que se formam com frequência na porta das melhores pizzarias indicam que, entre nós, ainda existe gente suficiente para bancar essa conta. “Tudo está caro porque o consumidor concorda em pagar”, resume Afonso Arthur Neves Baptista, vice-presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo.
O índice Margherita é apenas um exemplo de um problema que se repete em outros tipos de restaurante. Até na chamada baixa gastronomia há uma escalada impressionante de preços, que não se justifica apenas pelo aumento do custo das matérias-primas ou da folha salarial. O sanduíche de pernil do Estadão, no centro, um clássico das madrugadas paulistanas, sai atualmente por 11 reais — assombrosos 266% a mais do que o preço do cardápio há dez anos.
Há exemplos parecidos em outras áreas, de bistrôs “econômicos”, onde uma refeição individual com bebida alcoólica custa quase 100 reais, a churrascarias que cobram preços maiores que os de suas filiais nos Estados Unidos. Na visão de alguns especialistas, os empresários lucram com um certo deslumbramento dos consumidores. “No Brasil, a distribuição de renda desigual gera uma valorização de status nas compras, principalmente para a nova classe média”, analisa o economista Ricardo Amorim, dono da Ricam Consultoria. “Isso vale também para a alimentação, já que comer fora é um lazer e um item de distinção social.”
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No caso das nossas pizzarias, uma das tendências é a sofisticação dos salões, com projetos assinados por arquitetos renomados como Roberto Migotto, música ao vivo, taças de cristal e cartas de vinhos com mais de 100 opções, entre outras coisas. Existem aqueles que não se encantam com esse tipo de atrativo, caso do executivo americano Jacob Rosenbloom. Ele está no Brasil há mais de seis anos e ainda não se acostumou com os preços. “Já morei em São Francisco e Nova York. Acho São Paulo mais cara”, afirma. “Quando saio para comer, não quero pagar por um salão badalado. Prefiro um lugar de bom custo-benefício.”
Seu endereço favorito é a Bonde Paulista, em Pinheiros, onde a margherita custa 48,50 reais (um pouco menos, portanto, que nossa média). Apesar de lamentar o que é obrigado a pagar, Rosenbloom reconhece a qualidade do prato. “Gosto muito. Aqui a pizza é uma tradição, não é um item de cozinha rápida”, afirma. A maior parte dos críticos gastronômicos concorda com ele, classificando as nossas casas de primeira linha entre as melhores do planeta no gênero. Não deixa de ser um bom consolo para nós, paulistanos, que estamos pagando a conta pela pizza mais cara do mundo.