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O peruano do centro

Por Matthew Shirts
Atualizado em 20 jan 2022, 09h23 - Publicado em 14 nov 2013, 15h49

— Papi, bom dia! Quer almoçar comigo e com Akira hoje?

— Bom dia, filha. Quero, claro.

— Vamos a um restaurante peruano. É novo. Na Rua Aurora. Fica no centro.

— Conheço a Rua Aurora, filha.

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— Treze horas, o.k.? Mando o endereço mais tarde.

Começa assim meu sábado, com mensagens pelo celular. É sempre uma alegria ser lembrado pelos filhos. Maria, de 22 anos, não sabe, mas faz um tempinho, inclusive, que estou para ir ao tal do peruano da Rua Aurora. Desperta um entusiasmo forte — e típico de São Paulo — por restaurantes bons e baratos. Está na moda. Quando um ponto pega aqui, ferve, como se diz. A dica se espalha como um incêndio.

Maria e seu amigo Akira praticam o que gosto de chamar de “gastronomia de aventura”. Consiste em buscar, pela cidade, endereços pouco conhecidos de cardápios exóticos e preços módicos. Alguns se definem por combinações culinárias inusitadas. Do tipo vietnamita-nordestino ou holandês-matogrossense. Mesclas novas. A comida quase sempre chega apimentada. Na maioria das vezes o casal vai na frente. Depois, se o estabelecimento for aprovado, eles me convidam. Sabem que gosto de um restaurante novo, bom e barato, ainda mais se for exótico. Sou paulistano por adoção, afinal.

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Mas hoje vamos experimentar juntos o novo boteco. Parece não haver erro. O peruano é badalado. Mais de um amigo já me falou dele, embora a Maria não saiba disso. Fica numa região da cidade que já ganhou a brasileiríssima alcunha de Baixo Cuzco, uma referência à quantidade de estabelecimentos peruanos ali instalados e aos preços módicos,misturada com outras ironias, talvez.

— É na Rua Aurora, 451. Desça na Estação República, papi, e saia pelo fundo da praça, em direção à São João. Dá para ir a pé dali — avisa Maria.

— Obrigado, filha. Estou a caminho. Sei onde fica o endereço.

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Mas faz um tempo, confesso, que não passo por lá. Pego a Timbiras. Fico espantado com as condições miseráveis dos moradores de rua. Passou do meio-dia e eles ainda não acordaram. Devem ter encerrado de madrugada o expediente. Estão ali na calçada enfrentando as agruras da existência à base de álcool e de trabalho árduo, catando lixo. Dormem debaixo das suas carroças, alguns com mais sossego do que outros, dá para perceber.

Atravesso a São João. Desperta atenção uma farmácia lotada de cartazes feitos a mão, todos eles oferecendo algum tipo diferente de Viagra. Não sabia que havia tanta variedade.

— Estamos sentados já no piso de cima. É roots, viu, papi?— alerta minha filha por uma mensagem de celular.

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Com essa palavra em inglês, que quer dizer “raízes”, ela procura preparar meu ânimo para um restaurante muito simples, a gracinha. O número 451 dá numa porta, aberta para uma escadaria estreita, íngreme e lotada de gente, à espera de mesa. Peço licença diante de olhares impacientes, subo diversos degraus, até chegar ao andar de cima, onde Maria e Akira me aguardam, já sentados, debaixo de um cartaz turístico.

O boteco ferve. A animação é palpável. Como o paulistano gosta de um restaurante, reflito. Mas o que me comove mesmo ali são os imigrantes. Esses peruanos acharam um jeito de reanimar um trecho particularmente decadente do centro da nossa cidade.

 

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