Bares optam por deixar coquetéis prontos em vez de prepará-los na hora
Entenda por que bartenders têm mantido clássicos como o dry martini e o negroni já elaborados em lote
Se você chegar a seu bar de coquetelaria predileto e quiser dar uma de James Bond — que costumava pedir que seu vodca martini fosse “batido, não mexido” —, provavelmente não vai conseguir grandes alterações em sua mistura, se ela for um dry martini, por exemplo.
Esses e outros clássicos da coquetelaria não são mais preparados na hora em muitos endereços. Ficam feitos em lotes, pré-preparados, prontos para servir, e a baixíssimas temperaturas. Algo controverso, já que todos os rituais do preparo fazem parte da experiência de bar. Por outro lado, não oferecem grande prejuízo ao bebedor.
O The Liquor Store, nos Jardins, desde a abertura, no fim de 2022, oferece um ótimo dry martini, que fica já misturado e diluído no ponto, conservado a 14 graus negativos. Resfriado até ficar quase cremoso, é despejado na taça e vai ao cliente com três guarnições: cebolinha-pérola, azeitona verde e casca de limão. “A gente ganha tempo para focar a hospitalidade”, justifica o bartender Caio Carvalhaes. “E alguns coquetéis com vermute vão ‘arredondando’ e evoluindo em sabor”, acrescenta.
Outra razão para a opção de deixar as misturas prontas, os chamados pre-batch, é a regularidade do que vem na taça. “Isso trouxe um padrão, independentemente de quem preparar o dry”, acredita Alex Sepulchro, do SubAstor, com três unidades na cidade, que também adotou a medida e serve um dry martini geladíssimo, como deve ser. “No retorno da pandemia, resolvemos otimizar e aprimorar alguns padrões. Estávamos com um volume menor de clientes, e isso nos deu tempo para começar a fazer alguns testes.”
Apesar de não se negarem a preparar o drinque no momento do pedido, alguns profissionais torcem o nariz caso alguém queira algo diferente do script, o que costuma acontecer sobretudo com o dry martini — a reportagem fez o teste.
“Não adianta não ter a opção de que ele seja feito na hora. Martini é muito específico para certas pessoas, então é bom ter todas as opções”, acredita a consultora de bares Chula Barmaid, que prepara um novo espaço em Pinheiros. No Santana Bar, no mesmo bairro, a bebida também é mexida na hora, ao gosto do freguês — a quantidade maior ou menor de vermute no gim depende da preferência do cliente. “Cada um tem o seu”, defende o anfitrião Gabriel Santana, que só deixa pronta a versão chamada de o dry mais gelado do mundo, pois é resfriada com nitrogênio líquido. Outros clássicos além do dry martini também ficam guardados em lotes em diferentes bares da cidade, seguindo uma tendência mundial que roda de Londres a Nova York desde a década passada.
No Bar dos Arcos, o rob roy e o dunhill são alguns deles. No Terê, na Vila Buarque, e no Regô, no Centro, que pertencem aos mesmos donos, o negroni, o boulevardier e o vesper costumam também ficar prontinhos à espera do pedido.
No Picco, em Pinheiros, o melhor bar de drinques por VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER 2023, a maioria dos autorais já é elaborada em lote, assim como clássicos sem limão, como o old fashioned. “A gente começou a fazer assim depois de se empenhar em estudar mais sobre padronização de serviço. Partimos do pensamento de qual seria a temperatura e o volume perfeitos para o serviço de todos os coquetéis”, revela o bartender Lula Mascella.
O estilo de “prontos pra servir” é ainda mais radical em lugares como o Raiz Club, em Pinheiros, onde o público curte um som ao vivo ao lado de coquetéis da marca APTK, que já chegam engarrafados.
Apesar da praticidade, há espaços que preferem ainda entregar tudo do zero ao cliente. É o caso do pequeno Fel, onde apenas treze fregueses por vez bebericam clássicos e receitas antigas resgatadas no térreo do Copan. “Nosso conceito é quem sabe faz ao vivo”, brinca o bartender Felipe Rara.
Publicado em VEJA São Paulo de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881.