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“Hoje tudo o que a gente faz é um ato político”, afirma Carolina Jabor

Prestes a lançar filme inspirado na manifestação Ele Não, em 2018, a cineasta fala com exclusividade sobre seu próximo projeto, que será rodado em São Paulo

Por Mattheus Goto
19 abr 2024, 06h00

A cineasta Carolina Jabor, 49 anos, se prepara para lançar seu terceiro longa, Transe, que chega às telonas no dia 2 de maio. O projeto surgiu em setembro de 2018, quando Carolina saiu para filmar a manifestação Ele Não, na Cinelândia, no Centro do Rio. O filme, dirigido em parceria com Anne Pinheiro Guimarães, transita entre ficção e realidade e é estrelado por Luisa Arraes, Johnny Massaro e Ravel Andrade, que vivem um romance a três.

Carolina faz um cinema conectado com a atualidade e traz à tona questões cruciais, como em Aos Teus Olhos, de 2017, sobre cancelamento, e a série Eleita (2022), uma sátira política, disponível no Prime Video. O próximo projeto de Carolina — nascida no Rio, filha do cineasta e jornalista Arnaldo Jabor (1940-2022) e da psicanalista Eleonora Mello — terá a capital paulista como cenário e também trará uma abordagem sociopolítica, como contou em primeira mão a VEJA SÃO PAULO.

Em sua estreia como roteirista, ela virá à cidade gravar um filme baseado no livro No Jardim do Ogro (2014), da franco-marroquina Leïla Slimani. Com as filmagens, a cineasta e sócia da Conspiração Filmes passará mais tempo na ponte aérea Rio-São Paulo, cidade onde já tem vivido bastante por causa do seu namorado, o produtor Rodrigo Teixeira.

Como surgiu a ideia de Transe?

Durante a campanha presidencial de 2018, eu estava acompanhando os posts sobre a manifestação Ele Não, no dia 29 de setembro, e recebi um flyer de uma festa surrealista no mesmo dia. Achei curioso e resolvi filmar os dois eventos. Desde o princípio, não queria fazer documentário, mas contar aquela história a partir do olhar dos jovens. Foi aí que entrou a Luisa (Arraes, filha de Guel Arraes, seu ex-marido), parceira fundamental na criação do filme. Durante as filmagens na festa, o Johnny (Massaro) estava lá e deu um beijão nela em cena. No dia seguinte o convidamos para participar do filme. O Ravel também veio por meio da Luisa. Começamos a ter encontros periódicos para gravar, até um pouco depois do segundo turno.

Que critérios guiaram a produção?

Esses encontros eram quase como uma reu nião de pauta. Nós discutíamos a cena na hora, improvisando em cima do roteiro. A vontade era de pensar o que esses jovens estariam vivendo diante dos acontecimentos reais. Tem cenas de bar que eu adoro, em que a gente chamava atores para participar, tomava uma cerveja e filmava. O elenco, muito experiente, assumia o bastão. Eles tinham um controle impressionante. Todos com sentimentos em relação aos fatos. É um coming of age da política, que mostra o desabrochar dos personagens no meio de um cenário apavorante. Foi um alívio gravar o filme em uma situação tão angustiante.

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A estreia em 2024 foi intencional?

A gente queria lançar rápido. Demorou um pouco por causa dos prazos, do dinheiro, da quantidade de material. Quando ficou pronto, veio a pandemia. Decidimos segurar. Chegou em 2021 e nós resolvemos aguardar a campanha do ano seguinte. Quando lançamos no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo de 2022, foi emocionante. Depois, fizemos uma sessão no Cineclube Cortina, que foi tensíssima. Estávamos perto do segundo turno e havia o medo daquele homem, de dar m****. Reassisti neste ano, logo depois do ato bolsonarista na Paulista, e levei um susto de novo. Não podemos esquecer. O filme é um documento histórico, que fala sobre esse medo da invasão da extrema direita a qualquer momento.

Como a política mudou desde 2018?

A esquerda está mais atenta e mais forte. Temos ídolos como o Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), de quem eu sou muito fã. Vemos a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) lutando pelos direitos humanos, com uma força real. Grandes lideranças cresceram a partir da tragédia. Temos muitas referências, como os ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Flávio Dino (Supremo Tribunal Federal). Fico até arrepiada. É uma esperança para o futuro. O governo do Lula (PT) dá um alívio. Vemos números esperançosos. Mas a gente não pode dar bobeira. Eles (da extrema direita) são orquestrados e estão trabalhando para formar candidato. Não dá para subestimá-los. São espertos.

“Gosto de temas contemporâneos e também sou muito interessada no ser humano. Nas suas complexidades, na ambiguidade, na loucura. Isso traz personagens muito curiosos e intrigantes”

Carolina Jabor

Na sua visão, como São Paulo concentra as discussões políticas?

A cidade é peça central para toda a radiografia do país. O coração de tudo isso é a Paulista. Todas as manifestações, para os dois lados, acontecem lá. São Paulo é um termômetro político do que acontece no Brasil. É aí que estão os pensadores, as faculdades. Figuras como o padre Júlio Lancellotti, com projetos extraordinários. Homens como ele, fundamentais para outras vidas existirem, são feitos em São Paulo. Durante a gravação do filme, vários amigos estiveram na Paulista acompanhando e mandando informações pelos grupos.

Como será seu próximo filme?

Escrevi para ser feito em São Paulo, uma cidade muito cinematográfica. É uma adaptação do livro No Jardim do Ogro (2014), da Leïla Slimani, que conta a história de uma mulher dividida entre um modelo de casamento perfeito e a liberdade total de sua existência. Provavelmente vai ser rodado em Alphaville e no centro de São Paulo. Estou doida para filmar aí.

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O que inspira seu trabalho no cinema?

Gosto de temas contemporâneos e também sou muito interessada no ser humano. Nas suas complexidades, na ambiguidade, na loucura. Isso traz personagens muito curiosos e intrigantes. Faço psicanálise há trinta anos, minha mãe é psicanalista. O outro me interessa muito. São essas duas linhas de pesquisa, pulsando na atualidade e na capacidade de criar personagens.

Está trabalhando em outros projetos?

Estou tendo a alegria de produzir o filme do Guel (Arraes), O Auto da Compadecida 2, na Conspiração. E desenvolvendo duas séries para o streaming. Uma, inclusive, também em São Paulo, chamada Desigual, mostrando o contraste gritante entre a riqueza e pobreza da cidade.

Para você, o cinema é político?

Hoje tudo o que a gente faz é um ato político. Tem uma urgência. Não me considero uma diretora que faz carreira só nesse sentido. Fui levada a isso. Transe é um filme que se impôs. Esse assunto me invadiu, minhas escolhas são mais livres. Quando se coloca um corpo atuando, como em qualquer filme brasileiro, vem junto uma carga política de posicionamento. É natural.

Publicado em VEJA São Paulo de 19 de abril de 2024, edição nº 2889

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