‘Triângulo da Tristeza’: “é quase impossível não ser afetado pelo privilégio”, diz Ruben Östlund
Indicado a 3 Oscar, filme terá sessões especiais a partir de 9 de fevereiro e entra em cartaz oficialmente no dia 16
Triângulo da Tristeza, novo filme de Ruben Östlund, começa a ser exibido nos cinemas a partir desta quinta (9) em sessões de pré-estreia. Indicado ao Oscar 2023 de Melhor Filme, Melhor Roteiro Original e Melhor Direção, a ótima produção é uma sátira que atinge os mais ricos – público que o diretor gosta de cutucar.
No longa, o casal de modelos Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean) é convidado para um cruzeiro de luxo com uma lista de passageiros super-ricos e um capitão peculiar, alcoólatra e marxista, interpretado por Woody Harrelson. O que a princípio parecia uma viagem perfeita termina bem mal, deixando os sobreviventes presos em uma ilha deserta e lutando pela sobrevivência.
+Triângulo da Tristeza: crítica
Confira abaixo um bate-papo com Östlund, que também assina Força Maior e The Square e é detentor de duas Palmas de Ouro do Festival de Cannes.
Comecemos pelo título: a que se refere o “triângulo da tristeza”?
É um termo usado na indústria da beleza. Um amigo sentou-se ao lado de uma cirurgiã plástica em uma festa e, após uma rápida olhada em seu rosto, disse: “Ah, você tem um triângulo de tristeza bem profundo… mas posso resolver isso com botox em 15 minutos”. Ele estava se referindo a uma ruga entre as sobrancelhas dela. Em sueco, é chamado de “ruga problemática” e sugere que você teve muitas lutas em sua vida. Achei que dizia algo sobre a obsessão de nossa época com a aparência e que o bem-estar interior é, em alguns aspectos, secundário.
Força Maior é ambientado em uma estação de esqui e The Square no mundo da arte contemporânea. Por que decidiu inserir Triângulo da Tristeza no mundo da moda?
Fiz algumas pesquisas sobre o mundo da moda em 2018, quando colaborei com meu amigo Per Andersson e desenvolvi uma pequena linha de roupas para sua grife masculina sueca Velour. Também obtive informações detalhadas sobre o setor por meio de uma amiga que é fotógrafa de moda. Quando nos conhecemos, ela me contou sobre as estratégias de marketing de diferentes marcas de moda e também sobre as condições de trabalho das modelos. Por exemplo, um modelo masculino geralmente ganha apenas um terço do que uma modelo feminina ganha. Achei que seria interessante observar essas diferenças através dos personagens principais, um modelo masculino e uma feminina chamados Carl e Yaya.
Então está interessado em saber como a beleza tem valor econômico, seja no mundo da moda ou no mundo ‘normal’?
Sim. Essa era a ideia inicial. Nossa aparência é uma das coisas fundamentais com as quais temos que lidar como seres humanos. A nossa aparência afeta todos os encontros sociais. O fato de a aparência desempenhar um papel tão importante na sociedade é uma espécie de desigualdade universal, mas, por outro lado, você pode nascer bonito de onde quer que venha e essa beleza pode ser usada para subir na escada socioeconômica em uma sociedade baseada em classes.
Quais são seus sentimentos sobre os ultra-ricos?
Estou interessado em saber como reagimos quando somos mimados. Por exemplo, quando viajo na classe executiva, me comporto de maneira diferente de quando viajo na econômica. Eu sento lá e leio mais devagar e bebo mais devagar enquanto observo os passageiros indo para a classe econômica. É quase impossível não ser afetado pelo privilégio.
Seus filmes estão muito enraizados no cinema europeu, mas Triângulo é seu primeiro filme em inglês. O processo foi desafiador?
Sim, porque há nuances que não conheço na língua inglesa que conheço em sueco. Dito isto, os meus cenários e temas são simples e têm uma universalidade, pelo que é fácil para os atores relacionarem-se com eles. Trabalho sempre da mesma forma: durante o casting e os ensaios, improviso as cenas com os atores; e depois uso parte desse material no roteiro quando é melhor do que o diálogo original. Se estou trabalhando com atores que falam inglês, eles podem preencher quaisquer lacunas que eu possa ter e tornar o idioma mais rico, com mais nuances e assim por diante. Mas sou ambivalente quanto a fazer filmes em inglês, pois sou crítico sobre o domínio da cultura anglo-saxônica. É absurdo o tipo de influência que tem sobre a Suécia e a Escandinávia.
Você vê seu três últimos longas como uma trilogia vagamente conectada à masculinidade nos tempos modernos?
Sim, comecei a pensar nisso quando estava escrevendo Triângulo da Tristeza. Todos os homens nesses filmes estão tentando lidar com quem eles deveriam ser e o que se espera deles. Eles são então colocados em uma armadilha para ver como eles se comportam. Para mim, esses três filmes foram realmente uma forma de me colocar num dilema, de me encurralar. O que eu faria se estivesse lidando com isso? Assim que a resposta parece fácil, ela não é tão interessante. Mas se for difícil, então estou interessado.